LISZT – Existe uma grande simpatia no meio alternativo brasileiro pelos verdes alemães. Mas não estamos pensando em formar um Partido verde neste momento. O debate sobre a convivência da sua criação está começando agora, e as opiniões andam muito divididas. O que nós temos feito aqui no Rio é a Assembléia do Meio Ambiente, que se reúne uma vez por mês com representantes de grupos ecológicos, partidos políticos e associação de moradores. No momento, estamos discutindo um programa de doze pontos a ser apresentado aos candidatos a prefeito.
PEPE – Estamos impressionados com a quantidade de pessoas que têm vindo ao seminário e efetivamente desenvolvem projetos econômicos alternativos. Seria interessante discutir as interfaces que existem entre esse fenômeno e as novas tendências político-partidárias. Vejo o PT preocupado com as grandes causas, mas não com os projetos de auto-gestão, ao contrario do que já ocorre com o Partido Verde na Alemanha. Não há no nosso aparato jurídico fórmulas que correspondam à nova realidade econômica que está surgindo.
HUBER – Qual a diferença entre o PT, os comunistas e os socialistas?
LISZT – Os comunistas são pró-soviéticos. São uma esquerda ortodoxa. O PSB foi criado agora e ainda é uma incógnita. O PT nasceu de baixo pra cima a partir do movimento sindical, das comunidades de base e de setores da esquerda independente. Existem tendências sindicais, marxistas e também as libertárias, que são aquelas com que eu me identifico. As outras tendências vêem a classe operária como motor da revolução socialista. Os libertários estão ligados a outras causas, como a das feministas, dos ecologistas…
HUBER – Por que vários deputados do PT saíram do partido?
LISZT – Foram expulsos porque decidiram ir ao Colégio Eleitoral votar em Tancredo. Mas deixe-me colocar uma coisa importante: o PT denuncia a exportação de armamentos – o Brasil hoje já é o sexto exportador mundial – e na área sindical há um debate a respeito. Aliás, apareceu em São Paulo um grupo que se auto-intitula Movimento Pacifista Brasileiro. Mas não se trata de um movimento, e sim de um grupo que tem apoio de alguns setores institucionais. Esse grupo não denuncia o armamentismo no Brasil porque a indústria bélica gera empregos. O PT é contra essa posição.
THIMME – Mas voltando para aquela discussão sobre o Partido Verde…
LISZT – Bom, esse debate tem muitos aspectos. É preciso lembrar que no ano que vem tem eleição para a Assembléia Nacional Constituinte. Uma das idéias em discussão é a de eleger deputados comprometidos com a causa ecológica em vários Estados, por vários partidos.
HUBER – Mas isso não seria oportunismo?
GUIDO (Assessor do PT) – No Brasil, a plataforma do candidato não é necessariamente a plataforma do partido.
LISZT – É uma questão cultural. Os partidos no Brasil não funcionam em bloco.
TRADUTOR – (depois de explicar algumas coisas aos alemães) – Deixa eu me meter nessa discussão. Eu vivi muitos anos na Alemanha e sei que pra eles é difícil entender essa liberdade de posições do parlamento. Lá, o deputado pensa, antes de tudo, de acordo com a visão do partido.
LISZT – Existe uma segunda idéia que é a de criar o Partido Verde antes da Constituinte. Mas há duas dificuldades: a maior parte do movimento ecológico é contra e, do ponto de vista eleitoral, corre-se o risco de não conseguirmos eleger ninguém. Acho que, num Partido Verde, só o Gabeira teria chances.
THIMME – Já conversamos no Brasil com muitos grupos, principalmente em Belo Horizonte e Salvador, onde tem muita gente querendo partir para um Partido Verde. Na Alemanha, houve muito investimento de tempo na articulação dos grupos ecológicos. Parece que só agora esse processo está começando no Brasil. Acho que um Partido Verde deve surgir da base e não só com idéias ecológicas, mas também com propostas sociais e econômicas. Parece que aqui ainda não chegou a hora de um Partido Verde. Aliás, é bom frisar que na Alemanha o Partido verde também não é monolítico. Há, por assim dizer, uma esquerda e uma direita ecológicas.
HUBER – Os outros Partidos Verdes da Europa são muito conservadores. É o caso da Inglaterra, por exemplo.
CARLOS MINC – No Brasil, temos por volta de 900 grupos ecológicos que envolvem umas 35 a 40 mil pessoas. Acontece que a composição da maturidade política desses grupos é muito heterogênea. A grande maioria não vai além do ativismo em torno de questões mais imediatas e localizadas. Uns poucos vão além e desenvolvem também uma visão de uma sociedade ecológica. E sem grupos ecológicos fortes e organizados não haverá um movimento ecológico representativo, se bem que algumas pessoas acreditam que o partido seria uma alavanca para o movimento. Acontece que, hoje em dia, ecologia dá voto e os oportunistas sempre aparecem.
LÚCIA ARRUDA – O que eu queria saber é como a luta pelos direitos da mulher está acontecendo na Alemanha.
BEATE NILSSON – Na década de setenta houve um repensar dos papéis sexuais no movimento alternativo. As mulheres tiveram de lutar muito para garantir o direito de participar, decidir junto. Depois de muitas discussões, chegamos a princípio de proporcionalidade: 50% de todas as comissões eram constituídos por mulheres. Com o tempo as mulheres acabaram virando maioria em todas as representações, o que motivou uma mudança de atitude também nos outros partidos, que foram forçados a valorizar a participação feminina também em suas fileiras.
GUIDO – Há indústrias químicas alemãs – a Bayer, por exemplo – que disfarçam o fato de não terem um sistema de controle de poluição nas filiais brasileira quando esse sistema já existe na Alemanha. Como é que a gente poderia articular alguma ação conjunta de denúncia?
THIMME – Uma das razões da nossa viagem foi exatamente essa. Os contatos com o Brasil são poucos e a gente sente que precisa amplia-los. Não faz sentido que o movimento ecológico alemão obtenha vitórias locais se a Alemanha exporta seu lixo industrial para o Terceiro Mundo. Contra a indústria química, por exemplo, só faz sentido uma ação internacional. Na área dos agrotóxicos, é importante articular uma troca de informações que torne possível um boicote em vários países. Eu acho, por sinal, que a gente deveria selecionar três pontos para atuação comum: usinas nucleares, indústria química e poluição e endividamento externo.
LISZT – Pra dar uma idéia do nível de dificuldades que o ativismo ecológico enfrenta no Brasil, vou dar exemplos: o último ministro da Agricultura da Velha República, Nestor Jost, acumulava este cargo com o de membro do Conselho de Administração da Bayer; eu fui autor de uma lei, aprovada na Assembléia Legislativa do Rio, que proibia a instalação de usinas nucleares no Estado do Rio sem prévia consulta popular. Essa lei foi derrubada no Supremo Tribunal sob a acusação de inconstitucionalidade. Outro exemplo: a FEEMA quis interditar uma obra na Lagoa de Araruama – um aterro para a construção de seiscentas casas de veraneio – mas o banco estadual, que é um órgão vinculado ao mesmo Governo, financiou o projeto.
HUBER – Esse tipo de contradição também existe na Alemanha.
THIMME – Quando começar a campanha da eleição para a Constituinte, o Partido Verde alemão vai fazer uma declaração a favor do movimento ecológico brasileiro. Vai ser uma tentativa de dar força à mobilização dos ecologistas.
BEATE NILSSON – E sobre a questão do aborto?
LÚCIA ARRUDA – Esse ano a coisa chegou ao auge quando da aprovação de uma lei de minha autoria obrigando os hospitais públicos a dar atendimento nos dois casos em que o aborto é permitido por lei: estupro e risco de vida. A lei acabou revogada – houve uma oposição fortíssima – mas acho que o saldo foi positivo porque, pelo menos, a discussão saiu da clandestinidade.
BEATE NILSSON – Na Alemanha, há o problema da falta de crianças. O crescimento demográfico tem taxas negativas.
HUBER – A gente acredita que o problema do crescimento populacional do terceiro Mundo vai-se resolver paralelamente ao crescimento econômico, como já aconteceu na Europa. Na Alemanha, a única população que cresce é a da minoria de imigrantes turcos. Eles já são 10% da população.
LÚCIA – E sobre a contracepção?
BEATE NILSSON – No início, o movimento feminista aconselhava as mulheres a não ter filhos. Depois, essa posição mudou. Foi a fase de “sentir o corpo” e coisas assim. Era engraçado, porque parecia que todas as feministas alemãs tinham engravidado ao mesmo tempo. Nas reuniões, você só via aquelas barrigas enormes. Mas a gente tem que ver o interesse do Governo nisso tudo. Toda vez que há uma crise de desemprego, as mulheres são incentivadas a “voltar pra casa”.
CARLOS MINC – Eu queria voltar para a discussão da possibilidade de uma ação conjunta. Por exemplo, para pressionar o Governo alemão a impedir as multis de vender na América Latina os produtos que já estão proibidos na Europa.
HUBER – Impossível. O Governo não tem instrumentos legais para impedir.
CARLOS MINC – E as empresas que defendem o meio ambiente por lá e têm uma ação predatória aqui? O resultado seria muito bom, em termos de impacto, se a gente organizasse uma campanha internacional usando as mesmas palavras de ordem, os mesmos cartazes…
HUBER – Se a gente desenvolver uma campanha internacional conjunta, o impacto maior, com certeza, vai ser sobre a própria opinião pública brasileira, que realmente vive o problema.
De 1985 a 2012
A matéria publicada por Outra em 1985 é a transcrição de um debate ocorrido na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no âmbito do seminário de discussão de alternativas no Brasil e na Alemanha. 30 anos depois, eis o que sabemos sobre cada interlocutor:
Thomas Thimme – o jornalista alemão continua na ativa em seu país de origem, tendo merecido inclusive um verbete na versão alemã da Wikipedia.
Joseph Huber – é titular da cadeira de Sociologia Econômica e Ambiental na Universidade Martin Luther de Halle-Wittenberg, na Alemanha. Autor de diversos trabalhos acadêmicos bastante influentes, seu último livro publicado é New Technologies and Environmental Innovation (Cheltenham, UK; Northampton, MA: Edward Elgar, 2004).
Liszt Vieira – Advogado e político, foi diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro de 2003 a 2013.
Carlos Minc – Tornou-se conhecido nacionalmente como Ministro do Meio Ambiente, após a gestão de Marina Silva.
Sem informação atualizada sobre Lúcia Arruda, Beate Nilsson e José Antônio Dominguez.
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