Democrático ou caótico?
Mais de mil pessoas, entre técnicos e leigos, participaram do IX ENCA, índice jamais alcançado em realizações anteriores. E os naturalistas puderam experimentar o gosto da vitória. (…) Por todo lado, professores, diretores de escolas, psicólogos e pedagogos analisavam as possibilidades de uma nova estrutura para o ensino no país. (…) Dessas discussões, das quais participaram técnicos enviados pelas Secretarias de Educação de alguns Estados, pelo menos um ponto foi alinhavado: a urgência em levar a preocupação com o meio ambiente para as salas de aulas.
(Juliana Bueno, Shopping News-SP. 4.8.85)
O encontro deste ano evidenciou um amadurecimento visível desde a organização administrativa até a disposição geral de se promover reuniões objetivas mais acordadas com o momento político. Ao contrário dos encontros anteriores, este teve tom mais agressivo na discussão e na escolha de temas abrangentes como reforma agrária ou Constituinte.
(Ary Pararráios, Correio Braziliense, 3.8.85)
Havia tanta gente interessada em passar sua experiência ao público do IX ENCA que era uma verdadeira ginástica de tempo encaixá-los em horários compatíveis. Acabou tendo muita programação paralela: cursos de astrologia, agricultura, bananicultura, etc. Grupos de trabalho (…)
(Regina Sylvia Pugliero, revista Nave, Niterói, outubro de 85)
Foram realizadas ontem palestras sobre medicina alternativa, apicultura, iridologia, ecotecnologia, interação homem-animal, parto natural, cibermética bucal, energia solar, arquitetura alternativa e agrotóxicos.
(Hélio Belik, Folha de São Paulo, 30.7.85)
O movimento, porém ainda é extremamente incipiente. A falta de organização é total na Fazenda Nova Gokula. A programação sempre está atrasada e algumas discussões beiram o absurdo. Os ruralistas querem restringir as discussões aos problemas de convivência comunitária e agricultura de subsistência. Os ecologistas urbanos querem discutir agrotóxicos e poluição.
(Hélio Belik, Folha de São Paulo, 29.7.85)
O sr. Hélio Belik, jornalista da Folha de São Paulo, escreveu um artigo totalmente às avessas, dizendo estar o Encontro mal organizado e que as palestras beiravam o absurdo. Acho que ele é que deve estar bem bagunçado internamente e ser o absurdo em pessoa, porque qualquer um sentiria, estando lá, que tudo transcorreu muito bem e que muitos nasceram desse Encontro.
(Wal Santos, Boletim Lua Nova, São Carlos – SP, setembro de 85)
Eu preciso dormir! Já estou ficando confusa, é informação demais e não dá mais pra assimilar. Só amanhã de manhã é que eu vou conseguir pensar direito.
(Jornalista da TV Cultura de São Paulo na noite de 30.7.85)
Centenas de barracas estão espalhadas pela fazenda e o frio é de rachar. Comida, só natural: feijão azuki, arroz integral, bardana, raiz de lótus e sopa de legumes. Não é tão fácil assim ser alternativo.
(Hélio Belik, Folha de São Paulo, 29.7.85)
Raiz de lótus? Onde é que tinha? Poxa, só de ler isso já me deu água na boca. Oba! Será que vai ter hoje?
(Comentário de Mariá Rodrigues, professora de Alimentação Natural, Coovida, em 30.7.85)
Os anfitriões meditando o dia inteiro?
Os devotos acordam às 3h da madrugada, tomam um banho gelado e passam quase todo o dia em meditação. Na entrada da Fazenda, uma placa informa que é proibida a entrada de bebidas alcoólicas, drogas e a prática de “sexo ilícito” (antes do casamento ou que não seja para a procriação). Um hare krshna deve ser fiel, prestativo e cantar mantras hindus.
(Hélio Belik, Folha de São Paulo, 29.7.85)
Mesclando trabalho artesanal para venda na cidade com o trabalho agrícola desenvolvido no local, temos em Nova Gokula um organismo social que permite a inclusão de gente “de fora” (que não tem, necessariamente, atividade religiosa ligada à seita dos proprietários devotos de krshna): manutenção de escola que serve também a crianças necessitadas e vizinhos; implantação de projetos importantes como a escola-piloto de Agricultura Ecológica que nasce sob a coordenação do engenheiro Valdo França e de Edson Hiroshi.
(Ary Pararráios, Correio Braziliense, 3.8.85)
Foram todos ao mesmo encontro?
Poesia no ar, um verdadeiro happening – paz, amor, e muito som – herança hippie de tempos passados/presentes. Mas (sempre há um, mas) de experiência alternativa rural, nada. N-A-D-A! Por conta própria (justiça se lhe faça) o Valdo França ativou um trabalho de contenção de encostas. (…) De resto, houve de tudo (…). Uma onda de amor baixou sobre o acampamento e nunca se amou tanto em tão pouco tempo.
(Kriyaban George, Boletim Yoga Ananda, Piatã, BA, outubro de 85)
De enxada em punho, os interessados exercitavam o que ouviam na horta de Nova Gokula e combatiam ali mesmo um trecho atacado pela erosão.
(Juliana Bueno, Shopping News – SP, 4.8.85)
Um dos grandes e mais polêmico debate do Encontro foi o dos agrotóxicos. Quando o deputado e também engenheiro agrônomo Walter Lazzarini, autor da lei estadual que regula seu uso em São Paulo, subiu ao palco defendendo a agricultura ecológica e acentuando os danos políticos, sociais e econômicos causados pelas “multinacionais dos venenos agrícolas”, o caso já tinha merecido o estudo de vários pequenos grupos.
(Ary Pararrários, Correio Braziliense, 3.8.85)
Chegamos ao IX ENCA no sábado pela manhã. Mas foi tal a desilusão que na segunda-feira já pretendia voltar. O que me fez ficar? A insistência do Ekanatha, do Felipe, do Jamil, do Sarva e de outros e, principalmente, as lágrimas do Gilson. Havia o chamado de uma repórter para uma entrevista na TV e eles não sabiam como fazê-lo. Eu sugeri: “Olha, gente, acho que temos que adiar essa entrevista, nos reunirmos e levantarmos um consenso para que nossa imagem seja positiva e, pela primeira vez, a imprensa tenha uma notícia abalizada, fruto de nossa vivência do que é comunidade”. Dito e feito: levantamos, numa rápida pesquisa, dezoito nomes, dos mais antigos e representativos dentro do movimento. (…) E foi esta a primeira reunião onde todos saíram felizes. Esta reunião foi a jóia rara do Encontro, foi o que realmente valeu. O resto, desculpem, foi o resto.
(Hélder Carvalho, Boletim Aurora Espiritual, setembro de 85)
À tarde reuniram-se os grupos de trabalho – imprensa alternativa, cooperativismo, agricultura ecológica, medicina alternativa, educação alternativa, agrotóxicos e comunidades – e, simultaneamente, diversos cursos aconteciam. (…) Ninguém se conhecia, mas quando se andava pela fazenda e se cruzava com alguma pessoa, era um cumprimento com olhar profundo e a nítida idéia de já conhecê-la de tempos atrás. Era assim com todos. Ali ninguém andava de cabeça baixa e todos conversavam com todos: repasse de informações, experiências, ideias novas, endereços, amizades profundas. (…) Os detentores de títulos (médicos, jornalistas, engenheiros, advogados) ali não os possuíam. Tudo acontecia no mesmo nível. De repente você estava conversando, sentado na grama, com alguma outra pessoa que mais tarde você descobriria ser a escritora daquele livro que você leu a respeito de algo alternativo. Todos estavam iguais e a balança equilibrada, correndo tudo tão puramente lindo. À noite, em volta das fogueiras ou assistindo algum show, mais papos rolavam e a lua cheia dava um toque especial nessas horas.
(Boletim Lua Nova, São Carlos, setembro de 85)
Comunidades: alienação x maturidade
O trabalho é pesado nas comunidades rurais. Seus integrantes se negam a utilizar agentes químicos para incrementar a produção agrícola. Constroem cataventos, biodigestores, casas de solo-cimento e pirâmides. Não assistem televisão, não lêem jornais e poucas vezes ouvem rádio. São monogâmicos, têm muitos filros e só vão à cidade para a venda de seus produtos. No meio dos alternativos (…) existem os fanáticos e os voluntários. (…) Uns vieram de Marte ou de outro planeta para orientar o movimento alternativo. E outros desenvolveram produtos que curam todas as doenças, inclusive a Aids.
(Folha de São Paulo, 5.8.85)
Aquela idéia de que alternativo é uma pessoa alienada, pouco séria e irresponsável ficou definitivamente dançada. Alternativo hoje – como sempre foi – é uma pessoa preocupada com os rumos da humanidade, que trabalha e acredita num mundo melhor. (…) Houve muitas reuniões da comissão organizadora. Nelas pude ver o amadurecimento dos companheiros, apesar das brigas que também presenciei. Eram discussões maduras. A postura radical de alguns foi duramente combatida, mas a legitimidade foi preservada.
(Regina Sylvia Pugliero, Revista Nave, Niterói, outubro de 85)
O folclore das divergências
Entre os ruralistas e os grupos cooperativos e ecológicos urbanos existem divergências insuperáveis. (…) A própria disposição das barracas armadas na Fazenda Nova Gokula revelava as diferenças existentes entre os vários grupos. (…) Os atritos chegaram a tal ponto que foi decidida a realização de dois encontros no próximo ano.
(Folha de São Paulo, 5.8.85)
Quem quiser participar de trabalhos e experiências vivas comparecerá em julho de 86 ao X Encontro de Comunidades em Alto Paraíso, GO. Quem preferir o festival da Cultura Alternativa, fica com o encontro de outubro, em Nova Gokula. Agora temos encontros para todos os gostos e possibilidades. A divisão é apenas aparente. Apesar das divergências e das pulgas atrás das orelhas, estamos unidos. Ou não?
(Regina Sylvia Pugliero, Revista Nave, Niterói, outubro de 85)
Mas, teria mesmo que haver a separação? Há necessidade de voltarmos no tempo e acompanhar a marcha dos acontecimentos: (…) 1982 – VI Encontro – Midifúndio do Professor, Três Marias, MG – A galera (coitadinha, sempre enganada) curtiu de montão as coisas lindas que pintaram no pedaço. (…) Porém, nos famigerados bastidores, as coisas andaram pobres e a desarmonia foi geral. A luta pelo comando endureceu as mentes de muitos dos nossos. Particularmente, fiz parte da “tchurma do deixa disso” para que as agressões físicas não acontecessem e isso demonstrou que não estávamos psicologicamente preparados. (…) Era o começo da separação ou, melhor dizendo: CRESCIMENTOS SEPARADOS.
1983 – VIII Encontro – Vale das Flores, Mirantão, MG – (…) A idéia de publicidade em veículo de massa não agradava aos pioneiros do movimento. Alegavam que “quando o Encontro fosse um fato público nacional, choveriam aproveitadores, gente oportunista, verdadeiros ratos que se denominavam representantes alternativos”.
1984 – VIII Encontro – São Lourenço, MG – Com muita publicidade antecedendo, mais de mil pessoas (mais curiosos que alternativos) compareceram ao Festival. O acontecimento foi lindíssimo (…), mas entre os dirigentes a coisa andou entornando porque o tratado do Encontro anterior não estava sendo cumprido: para surpresa geral – o Encontro deu PREJUÍZO! Levando em conta a honradez dos organizadores, até que me provem o contrário, o Encontro deu prejuízo. Toda esta parafernália só serviu (também) para jogar mais lenha na fogueira separatista.
(Kriyaban Geoge, Boletim Yoga Ananda, Piatã, BA, setembro de 85)
Entre o purismo e a expansão
Vimos a necessidade vital de levantarmos uma identidade do movimento, (…) para que ninguém mais, senão nós mesmos ou alguém por nós autorizado, possa emitir pareceres, veicular notícias ou conceder entrevistas sobre o movimento alternativo e comunitário. (…) Essa necessidade nos veio porque temos visto, ouvido e lido muitas, mas muitas bobagens sobre o que nós somos. Quem pode responder por você, senão você próprio? Assim, de agora em diante, somente aqueles que estiverem vivendo comunitária e alternativamente têm o privilégio de responder pelo movimento.
(Hélder Carvalho, líder da Fraternidade Aurora Espiritual e membro do Conselho Deliberativo das Comunidades, no Boletim Aurora Espiritual, setembro de 85).
É preciso entender que as propostas iniciais (…) cresceram para muito além dos núcleos rurais e comunitários, atingindo as grandes cidades e o público em geral. Seria no mínimo egoísmo e falta de visão cercear a informação e a veiculação destas idéias, em nome de grupos fechados. A cultura alternativa (…) é uma força emergente, principalmente quando suas propostas são honestas, viáveis e de baixo custo operacional.
(Walter Vetillo, em texto original para Vida & Cultura Alternativa, 1985)
Do jeito que a coisa vai, com tanta publicidade em cima, só falta mesmo a Coca-Cola se a patrocinadora do próximo Encontro, com propagandas em nível nacional, em imensos outdoors, mais ou menos assim: “Coca-Cola mais fresca do que nunca, estará presente no X ENCA! Tchan, tchan, tchan, tchan… Curta as delícias do X ENCA e vá com Hollywood na jogada!” Tenho pavor a este tipo de coisas. Quero ver meus filhos crescerem livres desta parafernália toda que o Sistemão criou.
(Jane, de uma comunidade em Pirenópolis, GO, durante um debate em Nova Gokula)
Falar a linguagem dos “caretas”
O encontro das cooperativas rurais e urbanas, as transmissões de programas ambientais em redes piratas (clandestinas) de rádio, a ampliação dos serviços de medicina preventiva, a criação de novas reservas ecológicas, a proibição do uso de agrotóxicos organaclorados em território nacional e ampliação da reforma agrária a todas as terras improdutivas. Estas foram as principais propostas aprovadas no encerramento do IX ENCA.
(Hélio Belik, Folha de São Paulo, 1º. 8.85)
O país mudou. Está na hora de sairmos do gueto alternativo. Se nós acreditamos nas propostas e soluções que temos, é hora de aprender a falar a linguagem daquelas pessoas que a gente sempre considerou caretas e criar pontes de comunicação. Os problemas que estamos discutindo não são só nossos, mas de toda a sociedade.
(Fernando Gabeira, em palestra no dia 30.7.85)
Nunca se discutiu tanto anteriormente. Nem se aprendeu tanto a necessidade da discussão para um movimento que até pouco tempo encerrava muito ranço da rebeldia herdada dos movimentos hippies da década de sessenta e que agora assume foros de importância além dos guetos de iniciados. (…) As novas tendências do movimento alternativo se fixaram na intervenção política. E foi assim desde o começo, quando subiram ao palco o assessor especial do governador Franco Montoro, de São Paulo, Carlos Figueiredo, e o secretário de Descentralização e Participação, José Gregori.
(Ary Pararráios, Correio Braziliense, 3.8.85)
Resta agora dar sequência a uma proposta importante deste ENCA: torná-lo mais aberto, ampliar o leque da cultura alternativa e tocar mais a cabeça das pessoas. (…) Todo movimento que pretende fechar-se sobre si mesmo corre o sério risco de perpetuar sua casta de líderes e está fadado a desaparecer.
(Walter Vetillo, em texto original para Vida & Cultura Alternativa, 1985).
Pedro diz
Eu fui em 1984 e 1985
Vocês teriam fotos ??
Foram publicadas fotos desses encontros na Revista Vida e Cultura Alternativa.
Abraço.