
O sonho da vida em comunidade no campo empolgou centenas de jovens de classe média nos anos oitenta.
Para um ecologista urbano, comumente obrigado a dividir-se entre um sem-número de atividades, das quais a militância ecológica é apenas uma, os eventuais fracassos são encarados como acidentes de percurso. Um grupo que se dissolve, um abaixo-assinado que cai no vazio são acontecimentos frustrantes, mas não o suficiente para gerar uma crise de identidade. Para alguém que decidiu largar tudo e criar uma comunidade rural, é bem diferente: o fracasso pode representar uma ameaça a todo um projeto de vida.
É preciso lembrar que as comunidades rurais vivem uma vida alternativa 24 horas por dia. Elas representam a mais radical postura de rompimento com as contradições da moderna sociedade industrial e, em conseqüência, a mais difícil de ser levada a cabo. Trata-se de criar um estilo de vida novo, a partir do zero, e muitos dos que foram para o campo ao longo dos últimos dez anos tiveram de enfrentar simultaneamente as dificuldades da convivência grupal, do isolamento e da sobrevivência em uma realidade econômica totalmente adversa.
Os Encontros de Comunidades são de uma importância vital para estas pessoas: representam uma oportunidade única de reavaliação de uma opção vivencial pioneira, difícil e corajosa. Em nenhuma outra parte houve tanta expectativa, tanta tensão e tanta necessidade de botar pra fora a emoção guardada, neste IX ENCA, quanto nas reuniões da tribo das comunidades. Antes de tudo, era a necessidade de reencontrar, nos olhos dos companheiros, a certeza de que a utopia aquariana continua viva, de que tudo o que foi vivido valeu a pena.
Os ecologistas urbanos e as cooperativas, que não viviam o mesmo clima emocional, puderam ser mais produtivos e obtiveram – merecidamente – as honras de estrelas da festa. A tribo rural viu-se de repente cercada por toda aquela gente nova, cheia de propostas de participação política e sem nenhum compromisso de fidelidade com relação aos sonhos pós-hippies dos alternativos da década de setenta. O isolacionismo da tribo não foi uma alienada recusa dos novos tempos: foi uma atitude de autopreservação, que deve ser compreendida e respeitada. Mas as comunidades rurais precisam encarar de frente, também, o fato de que a discussão das propostas alternativas saiu do circuito fechado e circula hoje por toda a sociedade. Por trás da divulgação de visões folclóricas e estereotipadas, em que se compraz a grande imprensa, existem indicadores de um sincero interesse pelo modo de vida desses “malucos que vão pro mato pra meditar e comungar com a natureza”.
A questão das divergências também não deve ser exagerada. A perniciosa utopia de uma unidade mítica entre os alternativos faz com que pequenas diferenças de opinião sejam vistas como verdadeiras calamidades. Neste ponto, o Encontro serviu para abrir os olhos: a vida alternativa tem mil caminhos e cada cabeça é uma cabeça. Os pontos de contato podem ser poucos. Mas tão decisivos e essenciais que, em torno deles, os ecologistas, os cooperativistas, os místicos, os naturalistas e as comunidades rurais podem continuar se encontrando, discutindo, fazendo planos – e sonhando juntos.
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