O EcoArraial 1997 reuniu especialistas de diversas entidades e órgãos de governo, com uma preocupação comum: discutir e mostrar alternativas simples, baratas, não poluentes e saudáveis para a solução dos problemas tecnológicos e de saúde.
O evento foi aberto, no dia 27, com uma apresentação do Coral do Colégio Pedro II e um debate sobre a questão da água potável. Discutiu-se a poluição e o desperdício, assim como as propostas para atacar tais problemas. Johan Van Lengen (foto), arquiteto holandês que fundou o Instituto Tibá, acabara de chegar de Amsterdam e contou que a Holanda já vinha importando água potável da França. Dado o esgotamento das disponibilidades francesas, a água está sendo trazida agora do Himalaia – isso mesmo, do Himalaia – em navios, a um custo absurdamente alto. Água limpa, na Holanda, já custa tanto quanto petróleo.
Déa, da Recicloteca do Eco Marapendi, chamou a atenção da platéia para os pequenos desperdícios domésticos que, somados, representam uma grande sangria nas reservas disponíveis: pessoas que fazem a barba ou escovam os dentes com torneiras abertas o tempo todo, ou ainda que lavam seus carros – desnecessariamente – três vezes por semana, e com mangueira. A lavagem a jato, segundo Déa, deveria ser abolida. E, nas palavras dela, “as pessoas estão invertendo os valores. Quem precisa de água são os seres vivos. E carro não é vivo.”
A representante da Secretaria de Meio Ambiente falou da importância da água como fonte de restabelecimento energético para o ser humano. E não do ponto de vista da geração de energia em hidréletricas, mas de algo muito familiar aos adeptos de práticas holísticas: o contato com a água como elemento matriz da vida, a ressintonia com o cosmos através do mergulho nas fontes naturais do líquido.
Milu, do Instituto Nacional de Tecnologia, disse que o indicador numérico mais importante de desenvolvimento nao é o consumo de energia elétrica ou a renda per capita, mas o índice de mortalidade infantil. E, infelizmente, em meados dos anos 90 o Brasil voltou a ocupar o segundo lugar no mundo, em termos percentuais, nas mortes de crianças de menos de um ano. Um triste recorde.
Valdo Felinto, arquiteto do Instituto Tibá, destacou a necessidade de trabalhar a tecnologia com o lado direito do cérebro. Desenvolvimento criativo de aplicações tecnológicas depende de intuição e de sensibilidade. Contou também sobre as aplicações das técnicas alternativas em saneamento básico: o sanitário seco, por exemplo, ao contrário da “casinha” da roça (onde os dejetos caem simplesmente num buraco no chão e acabam contaminando o lençol freático), é um aparelho sanitário acoplado a um biodigestor, sem qualquer contato com o solo. O resultado é economia de água, redução de doenças infecto-contagiosas e geração de adubo. De ótima qualidade, diga-se de passagem.
Nos dois dias subseqüentes, várias oficinas práticas movimentaram o público e fizeram com que os participantes pudessem descobrir que não é tão complicado agir de uma forma ecologicamente orientada. Raquel Bittar, da Cooperativa Mãos Mineiras, ensinou a fazer deliciosos pratos aproveitando integralmente cascas e talos que em geral vão acabar na lata de lixo. O almoço de domingo, preparado pelos participantes da oficina, foi um sucesso. As oficinas de tear e bambu também estiveram concorridas, assim como as visitas guiadas ao programa de vídeos ecológicos da PUC.
Raquel Bittar também destacou em sua palestra a fórmula que vem permitindo aos integrantes da Cooperativa Mãos Mineiras (município de Lima Duarte, região de Juiz de Fora) a geração de renda a partir do aproveitamento de materiais baratos, que antes eram descartados como refugo da produção agrícola. Para Raquel, a criatividade, a perícia técnica e o talento artístico são os fatores que agregam valor à cadeia produtiva, fazendo com que matérias-primas de custo irrisório – como a palha de milho utilizada para a confecção da bolsa da foto – se transformem em produtos capazes de abrir novas perspectivas econômicas para as artesãs envolvidas.
Os alunos do curso de primeiros socorros mostraram o que aprenderam, auxiliando a médica Roseane Debatin na apresentação das técnicas de atendimento de emergência. Já os alunos do curso de tecnologias alternativas encerraram o evento inaugurando uma caixa d’água de baixo custo (apenas nove reais) construída de acordo com a milenar técnica dos astecas trazida para o Brasil pelo Instituto Tibá.
A chuva de sábado impediu atividades ao ar livre e afugentou a garotada. Mas os poucos que apareceram acabaram ganhando um presente inesperado: os jogos cooperativos, trazidos pela astróloga paulista Paula Falcão, que também acabaram por envolver os adultos (mais até do que as crianças!).
PROGRAMA
Sexta- feira 27 de junho de 1997
19:30 – Abertura – Celi Bomfim (Presidente da CFA)
19h45 – Apresentação do Coral Cant’Art – coral dos professores do Colégio Pedro II, sob a regência de Maria Emília de Souza.
20h – Manifesto das Águas – Leitura de manifesto por Fernando Fernandes seguida de mesa-redonda com Carmen Lúcia Roquete Pinto (INT), Guido Gelli (Secretaria Estadual do Meio Ambiente), Valdo Felinto (Instituto Tibá) e representante da Associação Projeto Lagoa de Marapendi (Recicloteca).
Sábado, 28 de junho de 1997
9h – Tai-Chi, com Marcos Medeiros.
9h – Oficina de Relógio de Sol – com a equipe do Projeto EcoArraial.
9h – Visita guiada à exposição “O papel de todos nós” – vídeo e dinâmica – com Miriam Langenbah, do Programa de Vídeos Ecológicos da PUC/RJ.
9h30 – Oficina de Alimentação (parte teórica) – com Raquel Bittar, arquiteta e fundadora da Associação Mãos Mineiras para o Eco Desenvolvimento.
12h30 – Intervalo
14h – Primeiros Socorros – com a Dra. Roseane Debatin.
Demonstração prática de técnicas de primeiros socorros com uso de medicinas alternativas, apresentada pelos participantes da turma de Primeiros Socorros sob a coordenação da Dra. Roseane Debatin.
14h – Oficina de Tecelagem Manual – com Heitor Moraes.
16h – Oficina de Luminárias de Sucata – com Jaqueline Carrara.
16h – Criação conjunta de um herbário – com Douglas Carrara, antropólogo e pesquisador de botânica e fitoterapia.
19h – Brincadeiras e quadrilha.
Domingo, 29 de junho de 1997
9h – Tai-Chi – com Marcos Medeiros.
9h – Visita guiada à exposição “O papel de todos nós” – vídeo e dinâmica – com Moema Quintanilha, do Programa de Vídeos Ecológicos da PUC/RJ.
9h30 – Oficina de fotografia sem câmera – com Regina Alvarez (Funarte).
9h30 – Oficina de Alimentação (parte prática) – com Raquel Bittar, arquiteta e fundadora da Associação Mãos Mineiras para o Eco Desenvolvimento.
12h30 – Inauguração de caixa d’água alternativa – com a turma de Ecotécnicas do projeto EcoArraial.
12h45 – Intervalo
14h – Oficina de fotografia sem câmera (2ª parte) – com Regina Alvarez (Funarte).
14h – Oficina de Tecelagem Manual (2ª parte) – com Heitor Moraes.
14h15 – Manuseio de bambu e suas aplicações – com Claudio Vieira.
16h – Encerramento – com Celi Bomfim, presidente da CFA.
Manifesto das Águas
Nota: este documento foi elaborado pelo grupo de trabalho EcoArraial e previamente discutido com dezenas de entidades ambientalistas, recebendo correções e acréscimos. Finalmente, foi aberto para assinaturas de apoio e apresentado publicamente no início do EcoArraial 2007.
Pela difusão das tecnologias eco-orientadas
Mais do que nunca, a água fará por merecer, nas primeiras décadas do próximo século, a popular denominação de precioso líquido. Os recursos mundiais disponíveis não são infinitos, nem renováveis na mesma velocidade do aumento do consumo.
Um americano gasta, em média, trinta a quarenta vezes mais água potável do que um árabe ou um indiano. Na raiz da desproporção, está um modelo predatório de produção industrial, assim como os comportamentos de consumo dele decorrentes.
A poluição industrial, o uso de agrotóxicos e as deficiências da rede de saneamento – alvos das denúncias do movimento ambientalista há várias décadas – respondem pela contaminação dos lençóis freáticos, pelo comprometimento da qualidade da água de rios e lagos e pelo fenômeno da chuva ácida.
Contudo, o modelo de produção em dessintonia com a natureza não poderia existir sem a contrapartida do consumo irresponsável, sintoma, por sua vez, da perda de percepção do planeta como um sistema de relações de interdependência.
Um pequeno exemplo: a simples introdução dos aparelhos sanitários com descarga hidráulica, no século passado, trouxe consigo um aumento de aproximadamente 100% no consumo doméstico de água potável. Ainda hoje, metade da água destinada ao atendimento das áreas residenciais urbanas perde-se nos esgotos ou nas valas negras, cumprindo a missão de transportar dejetos. Na prática, o aperfeiçoamento técnico resultou na criação de uma verdadeira bomba biológica.
É fácil defender a necessidade de despoluição da Baía de Guanabara ou do Rio Tietê. Mais difícil é conscientizar cada indivíduo a assumir sua parcela de responsabilidade na reversão do quadro, especialmente num país em que ainda predomina a cultura do desperdício e onde aproximadamente um quarto de tudo o que se produz acaba transformado em refugo.
O manejo racional de recursos e a adoção intensiva de técnicas de reciclagem poderiam minimizar os fatores de pressão sobre o ambiente, responsáveis tanto pela redução progressiva das reservas hídricas quanto pelas inundações que assolam periodicamente as grandes cidades brasileiras, com trágicas conseqüências.
Entretanto, as tecnologias eco-orientadas – também chamadas de tecnologias alternativas, doces, apropriadas ou de escassez – são vistas, ainda, muito mais pelo aspecto folclórico do que pela avaliação objetiva de sua efetividade. Nesta ótica distorcida, simplicidade tende a ser confundida com limitação, probreza e primitivismo.
A utilização das tecnologias eco-orientadas sinaliza para algo mais do que um movimento nostálgico de retorno a saberes pré-industriais. Trata-se de uma verdadeira mudança de paradigmas, só tornada possível pela consciência dos riscos trazidos pela devastação de recursos em escala planetária. Neste sentido, o resgate de elementos enraizados na cultura popular, longe de ocorrer de forma indiscriminada, precisa ser compreendido como um movimento seletivo, validado por critérios éticos, científicos e sócio-econômicos.
No aspecto ético, destaca-se a necessidade de priorizar técnicas cuja disseminação possa beneficiar indistintamente toda e qualquer comunidade que delas queira fazer uso, sem restrições de acesso, sem ampliação das desigualdades já existentes e sem violentar o direito à vida das gerações futuras.
No aspecto científico, impõe-se aos poucos um novo paradigma que substitui o mecanicismo e o racionalismo estreito por uma visão mais sistêmica, integrativa e abrangente.
Há que considerar, finalmente, a nova abordagem do conceito de relação custo/benefício. Em vez de apenas contabilizar o preço dos insumos ou as despesas imediatas incorridas em cada etapa da produção, trata-se de ponderar custos socioculturais e ambientais, o que exige a releitura da questão econômica com base em critérios efetivamente holísticos.
A conjugação desses critérios aponta para a validade da agricultura orgânica, da arquitetura de terra, das medicinas alternativas e tradicionais, do modelo de desenvolvimento auto-sustentável, das causas pacifistas e do resgate de antigas cosmovisões marginalizadas pelo academicismo ortodoxo.
Os últimos vinte e cinco anos viram surgir no Brasil uma crescente consciência ecológica, resultado do esforço coletivo e tenaz de centenas de pequenas organizações. A primeira etapa deste movimento caracterizou-se pelo trabalho de mobilização da opinião pública, que aos poucos passou a tomar contato com a problemática ambiental e a lançar um olhar crítico sobre indústrias poluentes e agricultores irresponsáveis.
Se bem que tal etapa não se tenha ainda esgotado, cumpre dar maior atenção, agora, à proposição de alternativas funcionais, acessíveis e de baixo custo. É necessário, em primeiro lugar, desmistificar as tecnologias eco-orientadas, retirando-as do rol das práticas exóticas e identificando-as, aos olhos da opinião pública, como opções viáveis.
Quantos brasileiros já viram de perto um biodigestor? Quantos já tiveram oportunidade de fazer uso de um sanitário seco e comprovar sua praticidade? Quantos saberiam fazer a coleta, secagem e acondicionamento de ervas medicinais, sem precisar adquiri-las nas casas especializadas?
A questão da água aparece, aqui, como um ponto de convergência para ações conjuntas, em que entidades das mais variadas orientações podem ampliar espaços de divulgação, sem abrir mão da diversidade de propostas e sem perder sua identidade específica.
Projetos-piloto já existem, em pleno funcionamento. Experiências bem sucedidas no uso de tecnologias apropriadas espalham-se por todo o Brasil. Está na hora de mostrá-las.
Ocorre, porém, que a carência de recursos humanos e materiais da maioria das ONGs, somada às dimensões continentais do país e ao uso ainda incipiente de recursos de informática, tem gerado um quadro de deficiência nas comunicações de que resulta a restrita circulação de material técnico, informativo ou didático, sem falar na dificuldade de compartilhamento da experiência prática obtida com a execução de projetos.
Verifica-se, por outro lado, um crescente interesse na temática ambientalista por parte de indivíduos atuantes em instituições educacionais, culturais, científicas e religiosas. Tais indivíduos, como formadores de opinião e disseminadores de novas atitudes, deveriam representar, de maneira sistemática, o público-alvo de informações que digam respeito às tecnologias apropriadas e, em particular, à questão da água. Cabe municiá-los de informação e promover o intercâmbio, o que pressupõe várias estratégias de atuação.
É preciso otimizar o uso dos recursos de informática – em especial a Internet – para disponibilização de diretórios de referência, boletins informativos e material didático. Propõe-se também a maior aproximação das ONGs voltadas para a saúde, meio ambiente e tecnologias apropriadas com as demais instituições atuantes na comunidade, como escolas e organizações religiosas. Da cooperação mútua, podem resultar projetos de fácil execução e largo alcance, como cursos-relâmpago para reciclagem de professores de primeiro grau ou programas comunitários de prevenção de enchentes.
A crise das reservas de água potável já é uma realidade para muitos países. O tema, pelos aspectos dramáticos de que se reveste e pela urgência com que precisa ser enfrentado, é emblemático e revelador da significação do pensar globalmente. Discutir o problema e propor alternativas é um exercício de consciência planetária.
A preservação das reservas de água potável para as futuras gerações é um tópico que vai muito além da pauta dos grupos ambientalistas: faz parte da agenda dos profissionais envolvidos nas áreas de educação, saúde, pesquisa e produção cultural. É assunto compatível com o ideário de todas as religiões e de todas as correntes filosóficas comprometidas com princípios éticos. Sem água, não há futuro.
Comissão Organizadora do EcoArraial
Junho de 1997
Apóiam este manifesto (até 13.06.97):
CFA – Casa de Francisco de Assis (RJ) – COOVIDA – Centro de Pesquisas de Plantas Medicinais (RJ) – TIBÁ – Tecnologias Intuitivas e Bio-Arquitetura (Bom Jardim – RJ) – Pensamento Ecológico (Luiz Carlos Barros – Arraial do Cabo, RJ) – Quark Design (RJ) – DCE da Universidade Federal Rural de Pernambuco – Associação Amazônia Xixuau-Xiparinã (Amazonas) – Popyguá – Projeto Comunidade (Paula de Pinho Falcão – SP) – PANGEA (Porto Alegre, RS) – Agrupamento de Umbanda do Cruzeiro do Sul (Curitiba – Paraná) – Creche Comunitária Santa Clara (RJ) – Cláudia Thaumaturgo (ABMTENC – Associação Brasileira de Materiais e Tecnologias Não Convencionais, RJ) – Luiz Camargo de Miranda (IBAMA, Goiânia-GO) – Angela Joana Maria Grosser (psicóloga, Porto Alegre – RS) – Alberto Cupani (Prof. do curso de mestrado em ecologia, Universidade Federal de Santa Catarina) – Regina Valverde (homeopata, Salvador – BA) – Angela Nassim (Fé Baha’i – MG) – Moema Quintanilha (arquiteta e educadora, RJ) – Cláudia Luna e Miriam Langenbach (Programa de Vídeos Ecológicos – PUC-RJ) – Carmen Lúcia Roquete Pinto (engenheira-química) – Sérgio Frug (astrólogo, SP) – Mauro Vieira (homeopata, Bombinhas – SC) – Sandra Mirandola (bióloga, Campinas – SP) – Nélson Falsarella (homeopata, S. José do Rio Preto, SP) – Roswitha Alvarez Puccinelli (ecologista, Embu, SP) – Maria Eliza Gagliardi (ecologista, SP) – Edson Carpes (homeopata, RJ) – Douglas Carrara (antropólogo e escritor, Maricá – RJ) – Silvia Renate Ziller (engenheira florestal, Curitiba) – Sergio Luís Boeira (Mestre em Ecologia Política – Florianópolis, SC) – Luiz Olympio Guillon (homeopata, RJ) – Deusiana Abrahao Vargas Rodrigues (pós-graduanda em Ecoturismo, Vila Velha – ES) – Yeda Lopes Guarisi (astróloga, SP) – Bárbara Abramo (astróloga e antropóloga, SP) – Cláudia França (astróloga, USA) – Antonio Carlos Siqueira Harres (astrólogo, RJ) – Eny M. Feliz (astróloga e técnica em nutrição – Campo Grande, MS).
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