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DESCONSTRUINDO
A por
Carlos Hollanda |
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"Assim
como em cima, é embaixo":
um breve olhar sobre a cultura e mentalidade medieval Entre as visões mais comuns acerca da Idade Média no mundo atual está a idéia de que as sociedades do período viviam num universo obscuro, repleto de superstições1, de civilização incipiente e, em função das tão famosas ações inquisitoriais (com as quais a maioria de nós tem contato através dos filmes e da literatura romanceada), um período de "horror" contínuo. É também lugar comum o conhecimento da forte presença da Igreja nas questões políticas, sociais e morais, e sua suposta oposição ao desenvolvimento da ciência e do pensamento racional conforme conhecemos hoje.
Se levantarmos uma discussão, numa turma de colégio, numa roda de amigos ou entre pessoas de uma mesma família, a respeito do que se considera "superstição", não raro, nos depararemos com o grupo dando a entender que é todo tipo de manifestação – ou até alguns saberes "pretensamente científicos" – não legitimados pelos poderes vigentes. Igualmente, classificar-se-á esses saberes em como aquilo que não está exatamente de acordo com as premissas e modelos rigidamente adotados para distingüir o que é “verdadeiro” do "imaginado". Grande parte disso depende de quem está no poder ou do que a cultura dominante impõe como sendo “verdade”. É interessante perceber que em
geral há pouco questionamento acerca do que realmente
deva ser "a verdade", um conceito, diga-se, bastante
relativo. Mas isso não se devia a uma questão
majoritariamente econômica, como quando falamos da grande
vendagem de almanaques (na fase pós Guttemberg e, ainda
mais tarde, no século XVII, quando editores não-astrólogos
assinavam seus próprios almanaques copiados dos tradicionais
ou com previsões que partiam de chutes bem, digamos,
"caras-de-pau"), pois muitos dos astrólogos
engajados na pesquisa das analogias entre o céu e a terra
não produziam esse tipo de publicação (até
porque os almanaques só seriam uma realidade a partir
do século XV). Ao contrário, seu status de ciência
fê-la manter-se por mais de dois séculos desde
a publicação das descobertas de Copérnico
(1543) como um saber legítimo perante muitos astrônomos,
médicos e letrados até que foi, aos poucos, sendo
relegada a segundo plano pelas universidades (o marco desse
declínio talvez seja o ano de 1666, quando Colbert, ministro
francês, proibiu o ensino da astrologia nas universidades).
A parte central do diagrama representa o resultado do encontro das culturas que formaram o medievo europeu. Nela vemos alguns termos dignos de nota: - Hagiografia = biografia ou estudo sobre biografia de santos; - Vernáculo = a língua própria de um país ou de uma região; língua nacional, idioma vernáculo; - Nominalismo = doutrina que afirma a irrealidade e o caráter meramente abstrato dos universais (conceitos, idéias gerais, termos abrangentes), que são caracterizados como nomes, entidades lingüísticas sem existência autônoma, ou simples meios convencionais para a compreensão dos objetos singulares (o nominalismo é uma espécie de oposição ao “realismo” da cultura clerical). As outras manifestações híbridas do medievo apresentam-se sob a forma da arte e arquitetura gótica e românica (das quais falaremos mais adiante), a poesia lírica e trovadoresca e a mitificação heróica, na figura do Rei Arthur, entre outras. UNIVERSIDADES
E Essas trocas culturais que viabilizaram o hibridismo do medievo possibilitaram o fenômeno da formação do pensamento ocidental. As cidades eram verdadeiros pontos de convergência de comércio, idéias, conhecimentos e trocas culturais entre pessoas de diversas localidades que ali estavam com diversas finalidades, entre elas, a de aprendizado. A disseminação das universidades medievais em várias cidades, como Paris, Bolonha, Oxford, Coimbra etc., contribuiu para o nascimento da intelectualidade e de todo um arcabouço de teorias que evidenciavam o processo de desenvolvimento científico e a gradativa divisão entre ciência e religião. No cerne de muitas dessas discussões, a astrologia ficava como uma corda retesada num cabo-de-guerra de potentes cavalos. Não se pensava ainda numa delimitação clara entre ciência e teologia, exceto no que tange à dupla filosofia e teologia, mas hoje é possível ver que essa cisão já estava se iniciando e que a astrologia era um dos problemas mais difíceis de serem resolvidos, sobretudo a partir das descobertas de gênios como Copérnico, no final do século XV, que contestavam gravemente a visão de mundo defendida pela Igreja que, inclusive, afirmava ser a Terra o centro do universo. O UNIVERSO
COMO UM TODO ORDENADO E O IMAGINÁRIO Entre as expressões da cultura medieval
podemos citar as especificidades da literatura, a mentalidade
místico-religiosa, o teatro medieval, a filosofia, as artes
e as universidades.
Na literatura, destacam-se a moral cavaleiresca da cultura vulgar, com o culto à imagem do herói, seus feitos e proezas e, sobretudo, a figura feminina como fator central, o amor cortês, em paralelo com o amor espiritual, idealizando a mulher, o amor impossível pela mulher já comprometida e temas semelhantes. Um bom exemplo disso é o já mencionado épico do Rei Arthur e o triângulo amoroso envolvendo Lancelot e Guinevere. No cinema, na figura dos super-heróis, temos uma bela referência da cultura medieval e, em 2004, com a segunda produção do "Homem-Aranha", mais uma vez o herói que salva a mocinha do terrível vilão volta à cena principal bo imaginário (detalhe: "vilão" era quem vivia nas "vilas", isto é, que não era nobre, normalmente tido como passível de corrupção e coisas parecidas). A mentalidade místico-religiosa do medievo compreendia
o mundo como uma totalidade integrada, onde os astros, a natureza
e o Homem eram partes indissociadas. O símbolo, que então
era quase tangível, muito mais do que mera alegoria, era
a base para estabelecer a união entre os aspectos do mundo
concreto ao ideal transcendente. Tudo era passível de ser
interpretado, tudo poderia consistir numa mensagem cifrada que
cabia ao homem decifrar para chegar mais próximo da divindade.
Muitas das noções matemáticas e astronômicas
atuais têm raízes na necessidade medieval de estabelecer
esta correlação entre o que estava “em cima”
com o que estava “embaixo” (coisa que já vinha
desde a Antigüidade, e que foi retomada pelos sábios
medievais). No caso, a astrologia, entre os eruditos, funcionava
como elemento de decodificação dessa natureza cifrada,
mostrando os desígnios divinos aos homens através
da lei das correspondências, onde as coisas, a natureza
e o homem estavam unidos por analogia de atributos. Por exemplo:
a coragem e a fúria, com o característico rubor
do rosto, associado ao vermelho do ferro em brasa, por sua vez
associado à fabricação de armas e à
guerra. Eis um dos atributos do amálgama cultural vindo
desde a Grécia Antiga: Marte, deus greco-romano da guerra,
estava associado ao planeta vermelho, visível a olho nu,
de mesmo nome. Este, por sua vez, estava vinculado aos atributos,
coragem, raiva, armas, guerra, ferro e outros fatores análogos.
Quando o assunto era a morte, a ausência de dúvidas sobre a vida eterna fazia com que ela fosse encarada com naturalidade. A esse respeito, a existência de pobres ou pessoas em situação de necessidade era vista como um dom divino que permitia aos nobres praticarem a caridade e, com isso, garantirem um lugar no paraíso, mais ou menos como se comprassem um lugar no céu. Muitas doações na forma de ouro e outros valores foram feitas à Igreja devido à crença no fato de que o templo era uma espécie de ante-sala do céu e que, por isso, deveria reproduzir todo o esplendor do mundo superior. Em geral, as igrejas eram ricamente adornadas em função disso. Com as doações e com as ações caritativas, o nobre visava o expurgo de seus pecados, o perdão divino e a entrada no reino celeste após a morte. |
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O teatro, com origens nas cerimônias religiosas e nos costumes pagãos, não raro ocorrendo por volta da metade do ano, durante o verão (no hemisfério norte - durante a passagem do Sol nos signos de Câncer e Leão, ambos fortemente associáveis ao conceito de imaginário), assumiu diversas modalidades, indo desde representações de festividades cristãs (Páscoa, Natal etc.) até peças de teor satírico. A ação do teatro nas praças e feiras contribuiu para a difusão tanto da fé cristã quanto da cultura vulgar, que, como vimos no diagrama, mesclava-se à cultura clerical.
BASES GERAIS
Na filosofia alguns dos nomes que se destacam na formação do pensamento medieval são Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Santo Anselmo e Abelardo: - Santo Agostinho (354 – 430)
– promove a síntese entre a filosofia clássica
(platônica) e a doutrina cristã. Para ele a natureza
humana é corrompida, estando na fé em Deus o perdão
dos pecados e a salvação eterna. Tendo vivido
na transição da antigüidade para o medievo,
sua obra é marcada pelo pensamento antigo, embora tenha
inovado, elaborando uma teologia da fé e da história.
Seu legado ao medievo comprende três fatores principais:
um ideal cultural, uma síntese doutrinal e uma orientação
filosófica.
- Santo Anselmo (1033 – 1109) – refletiu as profundas transformações do século X na Europa Ocidental, com o Renascimento Comercial e Urbano. Manifestava grande confiança na lógica e procurou, sem o recurso das Escrituras, mostrar as verdades que defendia por meio da razão. - Abelardo (1079 – 1142) – foi o primeiro a vulgarizar o emprego da palavra “teologia”. Distingüiu-se por suas interpretações dos textos de Aristóteles. - Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274) – Passou sua vida ensinando, tanto em Paris quanto na Itália. Em sua maior obra, a Suma Teológica, que ficou inacabada, Aquino procurou reconciliar os escritos metafísicos de Aristóteles com os princípios da teologia cristã. AS ARTES A arte medieval tinha, sobretudo, um caráter
pedagógico e não era produzida senão
por sua utilidade, tanto no que tange a seu atributo didático
quanto na arquitetura. Tal como na Antigüidade, o artista
medieval não era identificado, não assinava
suas obras. A maior parte dos trabalhos artísticos
era produzida nos mosteiros ou era elaborada para adornar
e construir as catedrais. Como vimos, a arte, assim como diversas
outras manifestações culturais da Idade Média,
tinha a função de mediar a comunicação
do Homem com Deus.
Enquanto a pintura românica notabilizou-se pela técnica “a fresco”, de pinturas nas paredes das catedrais, a gótica teve grande expressão nas iluminuras, isto é, na decoração de livros medievais, embora não deixasse a pintura a fresco. A arte gótica também já se mostrava menos bidimensional que a românica, especialmente nos séculos XIII e XIV, como se pode ver no afresco “Lamentação do Cristo Morto”, de Giotto di Bondone, considerado uma espécie de precursor do Renascimento:
UNIVERSIDADES
As universidades foram formadas a partir das corporações de alunos e professores (os universitas) atuantes nas escolas dos mosteiros. Os estudos eram divididos em “faculdade inferior” e “faculdade superior”. A primeira compreendia as sete artes liberais (mais uma vez o sete, número simbólico), subdivididas no TRÍVIO e QUADRÍVIO, como no quadro abaixo:
Já a segunda compreendia estudos de Medicina, Direito e Teologia, como no próximo quadro:
PERMANÊNCIAS E HERANÇAS Ainda hoje é possível encontrarmos permanências de práticas, costumes e imaginário medieval, tal é a importância do desenvolvimento cultural, artístico e intelectual daquele período. Entre as mais variadas heranças da Idade Média ao mundo contemporâneo temos a divisão setenária do tempo, especialmente na forma da semana (“setimana”, no italiano), coisa que os medievais receberam da Antigüidade romana e conservaram. Igualmente, a literatura heróica que inspira poetas, músicos e cineastas. É o caso de obras como “O Senhor dos Anéis”, de Tolkien, com toda uma simbologia calcada nos modelos medievais. A magia de Harry Potter e os estereótipos do mago medieval, na forma do diretor da escola do menino bruxo, Alvo Dumbledore, entre outros, também é uma dessas permanências. Em "Guerra nas Estrelas", entre os Cavaleiros Jedi, o que temos é uma alusão às ordens religiosas que comportavam monges guerreiros, muitos deles conhecedores de mistérios arcanos, medicina (astrologia) e filosofia. Há outras permanências, entre os super-heróis dos quadrinhos, corajosos e sempre atléticos, quase sempre trajando uma indumentária que ou lembra uma cota de malha (Capitão América), uma armadura (Homem de Ferro) ou alguma vestimenta de nobreza, como a capa (Super-Homem, Batman). Finalmente, no esporte, temos uma referência à lenda do Graal, da saga de Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, no culto às proezas dos astros do futebol e da fórmula 1, que, ao final do campeonato, recebem uma taça como prêmio. É o prêmio pela conquista heróica típica dos cavaleiros medievais, que cultuavam os dotes atléticos e as proezas nas batalhas. Curiosamente o piloto de fórmula 1 usa um capacete (“helmet” ou “elmo”, em inglês) e uma roupa que é praticamente uma armadura, resistente ao fogo e a certo grau de impacto.
Bibliografia: BLOCH, Marc, A sociedade feudal, Lisboa, Edições 70, 1987. BLOCH, Marc, Os reis taumaturgos, São Paulo, Companhia das Letras, 1999. CAMENIETZKI, Carlos Ziller, A cruz e a luneta - ciência e religião na Europa moderna, Rio de Janeiro, Access, 2000. CAROLINO, Luís Miguel, A escrita celeste - almanaques astrológicos em Portugal nos séculos XVII e XVIII, Rio de Janeiro, Access, 2002. DUBY, Georges, O tempo das catedrais – a arte e a sociedade – 980-1420, Lisboa, Editorial Estampa, 1979. FRANCO JÚNIOR, Hilário, A Idade Média – nascimento do ocidente, São Paulo, Brasiliense, 2001. STORCK, Alfredo, Filosofia Medieval- coleção filosofia passo a passo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003. Leia outro artigo com alusões ao imaginário clicando aqui |
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