ESPÍRITO E MATÉRIA

Emanuel Tadeu Borges


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5o. Simpósio Nacional de Astrologia do Sinarj:

16 e 17
de agosto
de 2003

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MITO PESSOAL E INDIVIDUAÇÃO

Como a microbiologia e a física quântica nos mostram, a vida, ou devemos mesmo dizer, a consciência, pulsa no íntimo da matéria. As células são organismos em atividade, constituídas de pequenos órgãos com funções específicas que em seu conjunto atendem aos objetivos para os quais a célula está voltada. Em termos de microfísica, ou da física das partículas, sabemos da natureza vibratória que se esconde sob a aparente inércia dos corpos materiais. Além do caráter ambíguo ou incerto das próprias
partículas (ora aparecendo sob a forma de partículas, ora de forma ondulatória).

Ora, a ação específica ou função diferenciada (animação da vida: energeia, dynamis, pneuma) e ambigüidade de comportamento (como indivíduo – partícula; ou multiplicidade – ondas) podem ser definidas como características da consciência. Portanto, desde que não se confunda consciência com autoconsciência (humana), consciência de si (animal) ou consciência vegetativa, três modalidades do fenômeno da consciência, pode-se afirmar que a matéria tem consciência, ou, dito de outro modo, há uma forma de consciência da vida inorgânica: a consciência da matéria.

Um dos postulados da física quântica afirma a interferência do observador sobre o observado. Não só o observado afeta o observador (o sujeito que pensa, sente, experimenta), como o contrário também acontece: o objeto é afetado em sua dynamis, talvez possamos dizer “em sua sensibilidade”, em sua forma de consciência, pelo observador. Disso nos falam claramente os povos primitivos, quando constatam que as coisas têm mana, isto é, poder ou espírito.

“Entre os africanos, certos objetos são diabólicos, demônios. Há uma relação peculiar entre o objeto e os homens. (...) Os primitivos estão tão conscientes em sua relação de sangue com os objetos, que estes estão vivos ou mortos. (...) Agora chegamos ao ponto que eu gostaria de elucidar, de que isto é psicologicamente genuíno. Estas coisas comportam-se como se estivessem carregadas com o poder do homem, assim uma espada fala com ele. Um homem tem um intercurso com sua arma. Da mitologia sabemos que as armas do herói são vitalizadas de forma mágica, são quase vivas. Pode-se falar da alma de um objeto e no nível primitivo isto significa que os objetos possuem vida própria. (...) Se você coloca a mão numa coisa, ela começa a mover-se, aquecida pelo seu mana, você simplesmente aumenta o poder vital dela. Para os povos ditos “primitivos” nada há de estranho nisso, pois eles acreditam que o objeto é vivo.” (trecho sobre a relação erótica, no sentido junguiano; isto é, vital, energética com o objeto no seminário sobre análise de sonhos dado por Jung).

Talvez possamos dizer, acerca do acima relatado, que os “selvagens” são incultos, impressionáveis, ignorantes e portanto supersticiosos. Mas é essa justamente a sua vantagem sobre nós, homens ditos “civilizados”: eles estão abertos para um campo de experiência, num espectro sensorial em que têm acesso a sensações e sentimentos que o racionalismo unilateral exacerbado de nossa cultura nos barrou.

Assim Jung aponta para a necessidade de abrir o leque de possibilidades de aplicação do conceito de libido. O que é libido? É a energia psíquica, a força vital que emana dos sujeitos humanos e talvez agora devamos dizer, de tudo o mais. É neste momento que a psicologia e a física se interpenetram. Os seres humanos não só investem como são investidos pela vibração, pela animação, pelo espírito dos objetos. Em outras palavras, os objetos têm libido. O Eros é onipresente, tudo está numa relação, ora de atração, ora de repulsão, ora de indiferença, em relação a tudo o mais. É o que Spinoza já definia, do ponto de vista do visível e do verificável (consciente) e também do ponto de vista do invisível e do inverificável (inconsciente), como potência de um indivíduo na natureza ou “poder de afetar e ser afetado”.

Um poder invisível

Há, portanto, um poder latente, inconsciente, uma potência invisível, um poder de afetar e ser afetado, inconsciente, que se comunicam, sob a forma visível ou potência consciente do sujeito (sua persona respeitável). É em Jung o poder da sombra e o contágio do inconsciente coletivo sobre nossa racionalidade moderada. Há o irracional vibrando sob o razoável, em cada um de nós. Assim como o “homem de bem” e o “homem infame” se compensam na natureza.

“ – Eu disse a ele ‘Preste atenção, este sonho aponta para a possibilidade de incesto, de assassinato com motivações sexuais.’ Certas muralhas são tão espessas que é impossível atravessá-las. Humanamente não se pode esperar de um homem que ele violente sua filhinha amada, por isso o analista tem que intervir revelando que isto está incluído no escopo humano de ações possíveis; estes assassinatos sexuais estão no nosso sangue. Qualquer um pode ter tido um assassino desses entre seus ancestrais. Este é o lado horrível do homem. (...) Talvez contribuamos com nossa decência ou indiretamente na coleta assídua de riqueza que faz dos homens ladrões. De um lado, a natureza nos faz muito virtuosos, para que possa ser dada a chance a que outros sejam desonestos, pois se todos fossemos virtuosos, a natureza perderia o seu equilíbrio.” (Seminário sobre análise dos sonhos dado por Jung)

Do ponto de vista junguiano, “chegar ao limite daquilo que se pode” ou “realizar plenamente a própria potência” (Spinoza) corresponde ao que Jung denomina individuação. Isto é, que a existência envolva o máximo de cada função psicológica, de modo que a experiência seja uma mescla do intelecto, da ação prática, do sentimento e da intuição, em medidas proporcionais e de acordo com a forma do que se experimenta. Aquilo que nos mobiliza (que “mexe conosco”, como se diz) é o que é feito, dito, sentido e pressentido com afetividade, quer dizer, com o máximo de canais sensíveis (de funções psicológicas) sendo acionados e se compensando. Pois a afetividade é “aquilo que nos afeta ou aquilo que em nós afeta o outro”, portanto ela será tanto mais plena quanto mais funções incluir, ou quanto mais “formas de vibração” estiverem envolvidas. As formas humanas do Eros ou de união com o objeto, são o intelecto, o sentimento, a ação prática e a intuição. Assim sendo, pode-se falar, pensar, sentir, agir ou intuir sobre as coisas, as situações, a existência, a vida em geral.

Por exemplo, uma maçã pode ser significada ou definida e isso é papel, digamos, dos filósofos (pensamento dominante); pode ser sentida, e o artista, o esteta assim desempenhará seu papel (sentimento dominante); pode ser utilizada, o que será feito pelo cientista (sentido prático dominante); ou pode ser simbolizada, talvez, pelo poeta (intuição dominante). Ela será então dita “uma fruta”, “uma forma vermelha”, “um alimento” ou “o pecado original”. Mas considerada psicologicamente ela é, tanto um significado, quanto um sentimento, um apetite ou um símbolo simultaneamente. Na individuação ela pode ser vivida como aquilo que é (que significa) o proibido, como o que provoca o desejo, promove a transgressão, leva à perda da ingenuidade natural dos instintos e faz emergir a consciência, a divisão, a vergonha e a culpa. A individuação é a descoberta do mito como força propulsora; a presentificação do eterno, ou seja, da relação do indivíduo com a totalidade. Ela corresponde ao rompimento da participation mystique, da identificação projetiva, ao rompimento com o mundo da indiferenciação infantil entre sujeito e objeto, ou melhor, entre eu e outro. É a dolorosa constatação da cisão entre a consciência e o inconsciente, primeiro passo a ser dado na trabalhosa reintegração entre psique e corpo, espírito e matéria, homem e mundo, indivíduo e cosmos, para a imersão consciente, integrada e coordenada no oceano vibratório da vida.

A realização da totalidade

Integrar em si as quatro funções é a imagem da realização da totalidade em si mesmo e da conseqüente compreensão da totalidade maior. Isso sempre se faz através de um mito ou drama pessoal, única maneira de ativar as quatro atitudes coordenadamente, uma vez que só o mito desenvolve uma idéia, transmite um sentimento, uma tensão, uma emoção, refere-se a um desenrolar factual e possui um sentido global em que o herói acaba por realizar sua função no destino ou na obra coletiva. O herói deve, portanto, aprender a pensar, sentir (ou atribuir valores), agir (ou superar os obstáculos e dificuldades em si e fora de si e desenvolver seus talentos, aplicando-os na medida correta) e compreender (ou simbolizar: apreender o sentido global daquilo que faz). O mito pessoal deve responder à seguinte pergunta: “Qual a minha tarefa, função e sentido na vida?”. Por isso Jung diz que quando se formula o próprio mito pessoal a vida não pertence mais ao indivíduo. Ela responde a uma vontade maior. Ou nas palavras do Cristo no Getsemani: “Pai, que se cumpra a tua vontade, não a minha”.

“Memórias, sonhos e reflexões” se inicia com as seguintes palavras: “A minha história é a história de um inconsciente que se realizou”. O mito pessoal, ou a individuação, é a realização da vontade inconsciente, o nascimento do Indivíduo na pessoa, ou da Vontade de Deus no indivíduo.

Cristo encerrou sua obra com as seguintes palavras: “Eu e Meu Pai Somos Um”. E assim indicou a todos os homens que o fizessem na medida em que estivesse a seu alcance: realizar a vontade do Pai no âmago inconsciente de si mesmo.

Leia outro artigo sobre o simbolismo das formas e objetos:

- O simbolismo da Estrela de 5 pontas

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