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- Crise
Abissal:
Um Conto de Astro-Síntese
à Luz da Astrologia
Vanessa Tuleski - fale
com a autora
Vanessa Tuleski em seu conto "Uma
Crise Abissal", publicado em Astro-Síntese
edição 3, de outubro de 2002, retrata
uma verdadeira crise no estilo plutoniano. Neste artigo
ela mesma analisa o processo pelo qual passa seu personagem.
Aproveite e leia o conto clicando aqui.
- Este conto seria um bom exemplo de como atua um trânsito
em nossa vida, particularmente, um trânsito de Plutão.
Plutão é o planeta ligado a profundas transformações.
Entretanto, para fazer isto, Plutão primeiro precisa
erodir desgastadas estruturas. E o primeiro efeito disso seria
revelar o que não vai bem.
Nenhum trânsito começa ‘do nada’,
e isto é ainda mais verdadeiro em se tratando de
trânsitos de Plutão. Enquanto Plutão
se aproxima de um planeta, começa a enviar seus
sinais. Os bons filmes de suspense, tema plutoniano por
excelência, exploram isto muito bem. Antes que uma
determinada situação culmine, há
pequenos sinais de que ‘algo está errado’,
de que ocorre, de maneira quase silenciosa, alguma coisa
fora do comum. Os personagens mais sensíveis sentem
isto, mas a maioria ignora, tal como na vida real. E tal
como o protagonista do nosso conto.
Antes de conhecer Júlia – o agente que irá
detonar o trânsito de Plutão que é
dele, mas que ele insiste em apontar como obra exclusiva
da amada (ou odiada) – a vida do protagonista está
dando sinais de desgaste. A excessiva banalidade em que
ele está imerso e a insatisfação
com o novo comportamento da mulher de se dedicar excessivamente
à carreira são indícios de que algo
vai mal em sua vida. Tal insatisfação é
visível no seu comportamento dentro do supermercado.
Enquanto a moça a sua frente – Júlia
– conversa com outros e descontrai, ele está
soturnamente pensando em sua esposa, pessoa com quem tem
clara dificuldade em discutir de forma mais profunda,
o que parece ser uma característica do relacionamento
em si mesmo. A esposa parece ser uma mulher típica
do Ar: articulada, intelectualizada, racional, no domínio
de seus impulsos. Ela desdenha da queixa dele, de que
ela estaria mudada demais, dedicando-se excessivamente
ao trabalho. Segundo ela, ele é apenas machista,
e embora o protagonista não concorde com esta classificação,
de alguma forma ele aceita esta classificação
simplista e não se aprofunda. Ou seja, este conflito
não é discutido, e o protagonista não
dá vazão a profunda insatisfação
que o novo comportamento da mulher lhe causa, a qual desperta
seus próprios assuntos mal resolvidos. A partir
da sua insatisfação, haverá algo
de não expresso, de primitivo, de não trabalhado,
cuja via de escape será a relação
afetiva e sexual mantida com Júlia, a futura amante
do protagonista.
Voltando, porém, a cena do supermercado, há
algo significativo no fato de o protagonista conhecer
Júlia lá. Supermercados são estabelecimentos
lunares, uma vez que estão ligados ao abastecimento
do lar. E, justamente, o protagonista se encontra extremamente
carente do elemento lunar de sua vida. Sua mulher está
afastada, física e emocionalmente, sendo que a
Lua representa intimidade, proximidade e a chance de se
expressar sentimentos, que, em seu caso, encontram-se
fortemente reprimidos. Ele se sente carente. E lá
está Júlia, em um supermercado. Diferente
de sua distante esposa, que freqüenta o ambiente
acadêmico, Júlia circula nos lugares comuns,
fala com pessoas comuns, relaciona-se com donas de casa
e porteiros. Na descrição física
de Júlia, também predomina seu lado feminino.
Júlia tem quadris largos, um símbolo de
feminilidade, da mulher parideira, da mãe em potencial,
enquanto a esposa do protagonista é longilínea
e mais etérea. Júlia é mais carnal,
até em um sentido de ser uma pessoa mais presente.
Entretanto, o protagonista não se interessa por
Júlia enquanto está no supermercado. Lá
ela é apenas um elemento periférico, enquanto
ele está ensimesmado, sendo este, aliás,
um outro sintoma de Plutão. Tanto é um sintoma
de Plutão que será acentuado quando Júlia
partir, fazendo com que o protagonista viva aprisionado
em seu próprio mundo. Mas, voltando a narrativa
da história, o protagonista nota Júlia na
medida em que ela tropeça e cai – tornando-se,
portanto, humana, acessível, tudo o que sua mulher
naquele momento não está lhe parecendo ser.
A hesitação de Júlia em aceitar o
convite dele para uma carona, já que ela havia
se machucado, atiça o interesse do protagonista,
que descobre que ela mora no prédio em que o amigo
recém-separado também mora. Este, aliás,
seria apenas mais um dos componentes plutonianos presentes
no conto. A separação é um tema de
Plutão, e o protagonista só está
se envolvendo com pessoas alinhadas com este tema. Seu
amigo não é um feliz recém-casado,
e sim, um recém-separado, condição
que em breve ele próprio irá alçar.
Não é com seus amigos felizes que ele está
identificado, e sim, com este, a quem ele passa a encontrar
mais seguidamente. Saem para beber, talvez para extravasar
suas mágoas, ou encenar uma pretensa liberdade
feliz de homens ‘livres’. Em todo caso, não
se trata de um ruidoso encontro em um grupo, e sim, de
uma solitária parceria dois amigos que andam se
sentindo meio rejeitados.
Voltando a narrativa, o protagonista acaba encontrando
novamente Júlia, que não o reconhece, e
para quem ele é obrigado a se reapresentar. Ela,
como da primeira vez, logo lhe desperta o interesse (talvez
até por este detalhe de não lhe ser imediatamente
acessível), e ele passa a disputá-la com
o amigo nas noites em que os três saem para tomar
chope. Novamente, cria-se um contraponto com a mulher.
Ela está distante, e Júlia, próxima.
Júlia acaba se tornando um ponto de interesse,
de motivação, em sua vida esvaziada. Ela
também representa a possibilidade de reavivar um
erotismo – e os trânsitos de Plutão
costumam mexer com este tema também – que
está um tanto apagado e abalado, já que
o protagonista não se sente mais valorizado como
homem. Em suma: ele tem uma chance de reformular uma idéia
que tem de si mesmo.
Até o momento em que se envolve afetiva e sexualmente
com Júlia, porém, todos os traços
plutonianos encontram-se ocultos. Esta mornidão
excessiva pode ser um sinal perigoso de que algo vai explodir,
se intensificar, emergir. Quando o protagonista se apaixona
por Júlia, o trânsito de Plutão é
detonado. Em primeiro lugar, surge nele uma intensidade
que ele não estava manifestando. Em um certo sentido,
é uma ‘injeção de vida’
em um contexto que parece estar precisando de transformações,
mas em que uma palha sequer é movida para isto,
seja por ele ou pela esposa.
A forma como o protagonista se envolve com Júlia,
por sua vez, é tipicamente plutoniana. Há
uma sede por domínio. Ele se sente ‘tomado
por Júlia’, e por isto quer sugar a vida
dela também. Ela, percebendo isto, coloca limites,
como os encontros em dias programados, o que, no mínimo,
significa que entende os processos plutonianos, e a respeito
disso vamos falar em breve. O que o protagonista não
percebe, porém, é que quer retirar de Júlia
algo aquilo que faltava em sua vida, e que não
pode não pode ser tirado de outra pessoa, e sim,
somente de dentro dele mesmo, de uma nova atitude que
ele precisa ter perante ele mesmo. É ele quem precisa
mudar. Em trânsitos de Plutão, porém,
é comum que um elemento externo surja com as qualidades
que nós temos de explorar em nós mesmos.
O outro vai encarnar aquilo que está oculto em
nós. Porém, faz parte do próprio
processo do trânsito, em algum momento, e muitas
vezes da forma mais difícil possível, se
perceber que aquilo que estamos desesperadamente tentando
tirar do outro tem de ser buscando lá no fundo
de nós mesmos, e desenvolvido em nós.
E o que o protagonista precisa desenvolver? Poder, vitalidade,
confiança. Faltam qualidades ‘yang’
(masculinas) a sua vida, tanto que ele vai procurar isto
na amizade com o amigo recém-separado. Conforme
já falamos, o início da manifestação
externa do trânsito de Plutão deu, ao protagonista,
‘uma injeção de vida’. Mas não
apenas isto: Plutão é o planeta do poder,
e o envolvimento com Júlia despertou no protagonista
sua própria potência. Ele se tornou mais
agressivo nos negócios, passou a perseguir mais
diretamente seu sucesso, a ter mais clareza a respeito
do que queria. Porém, como tudo isto é acionado
por um elemento de fora, e não compreendido internamente,
ele não tem noção de que esta energia
vem dele mesmo, e por isto se esvazia totalmente quando
Júlia o abandona. Ele aprendeu a acionar estas
características através da energia fornecida
na relação. Nas temáticas afetivas
que envolvem Plutão, esta ‘intermediação’
costuma fazer parte do cenário. É a relação
quem dá força. Pessoas com Plutão
forte podem achar que estão na completa escuridão
sem uma relação intensa que as mobilize.
Mesmo que as mobilize de uma forma negativa. É
o efeito ‘tudo ou nada’. Ou estão em
uma relação ‘importante’, não
importam as conseqüências, ou não são
nada. Como elas têm verdadeiro horror ao nada, ficam
com o ‘tudo’, e tudo MESMO.
-
Paixão:
um tema plutoniano
A paixão é um tema plutoniano por excelência.
Em trânsitos de Plutão, você está
sujeito a se apaixonar de uma forma cega, violenta, que
é o que ocorre com o protagonista. Porém,
o que está por detrás desta paixão
é um processo de mudança interior, com conteúdos
psíquicos emergindo. São suas compulsões,
seus medos, é o que está reprimido, é
o seu sentimento de desvalorização e rejeição
que está vindo junto com a tal paixão. Esta
paixão, portanto, tem algo de catártica.
E, por isto, com o tempo, poderá expor o pior de
cada um dos amantes. Suas fraquezas, necessidades de manipulação,
falhas, inseguranças. Se, porém, o trânsito
de Plutão não for utilizado conscientemente
para se mudar algo, depois de se VER o que estava dentro
de si mesmo, toda este ‘lixo psíquico’
irá emergir para depois se acomodar novamente no
fundo. Entretanto, Plutão sempre realiza alguma
forma de limpeza, ainda que mínima. Uma parte do
lixo psíquico é necessariamente eliminada.
Não é possível se entrar em contato
com coisas que andavam ocultas sem tomar alguma decisão
mais construtiva a respeito delas.
Outro fato comum durante um trânsito de Plutão,
é que aquele elemento externo terá um papel,
ainda que muitas vezes passageiro, de ‘curar a dor
de rejeição’. Porém, este elemento
servirá apenas como um ‘tampão’
se esta rejeição não for realmente
trabalhada, e no próximo trânsito de Plutão
ela novamente virá à tona. Porém,
inicialmente, a paixão vivida em um trânsito
de Plutão tem um efeito de descoberta, de elevamento,
de se experimentar algo de maneira mais ‘pura’,
mais forte. A intensidade causa a impressão de
que se vive algo que não é comum, e que
tanto você como o amado não são comuns.
Cria um mundo à parte, cheio de significados. Acabou-se,
aparentemente, ‘a dor da rejeição’,
está-se em um mundo especial, até que a
rejeição vai voltar com tudo, pois trânsitos
de Plutão muitas vezes têm um efeito ‘bumerangue’:
aquilo que aparentemente foi uma solução
ou algo maravilhoso gera tal apego que a ameaça
da perda daquilo descobre novamente a rejeição.
É como se descobrir um remédio muito potente
para um mal que se tem e, a seguir, saber que o frasco
do remédio acabou... É assim que os trânsitos
de Plutão atuam. O objetivo final talvez seja que
o remédio seja secretado de dentro de si mesmo.
Porém, o efeito inicial será, necessariamente,
o de abstinência, que se imaginará ser eterna.
Parte da beleza de um trânsito desafiador de Plutão
é descobrir que, contrariamente ao que se imaginava,
aquilo que se pensava perdido ou incurável pode
ser refeito. Mas até que se chegue a este ponto,
o indivíduo não pode crer nisso, e por isto
se lança freneticamente atrás de seu pretenso
‘remédio’: o outro que nos magoou,
traiu, que nos rejeita. ‘Precisa-se’ do outro
mesmo que não se queira. Ele tem o que não
temos. O que temos de recriar a partir de um trânsito
de Plutão.
Mas por que exatamente Plutão tem este efeito
inicial de, perigosamente, preencher o terrível
sentimento de rejeição? Plutão é
aquele que descobre o tesouro nos escombros, que representa
o petróleo na terra que ninguém quer, o
tesouro naquilo que é desprezado. Os trânsitos
de Plutão muitas vezes pegam esta ‘dor’
da rejeição e levam-na a gloriosa iluminação,
e por isto o outro, que funciona como intermediário
deste processo, tem tanto impacto. Está se vendo
nele a luz que é nossa. Ele está significando
algo que queríamos alcançar dentro de nós.
O nosso ‘remédio’, como já dissemos.
A pessoa ‘atingida’ por um trânsito
de Plutão tende, assim como ocorre com o protagonista,
a se redescobrir de alguma forma. A soma da sua energia
com a energia da outra empresta a ela vivacidade, poder,
magnetismo. Na realidade, não é o outro
quem faz isto por ela, e sim, a própria situação
quem libera esta energia aprisionada. É o príncipe
que fora engolido pelo sapo que de repente salta para
fora, em uma intensidade incomum, em um processo impessoal,
que é como os trânsitos de Urano, Netuno
e Plutão atuam. Entretanto, como é a paixão
quem a alimenta o notável desabrochar, tem-se a
ilusão de que é o outro quem dá sentido
a nossa vida, quem faz com que sejamos mais, que vivamos
mais, que queiramos mais. Ou que,em palavras ainda mais
fortes, que ‘existamos’. O outro tem o poder.
O outro é tudo. É exatamente este o processo
que o protagonista está vivenciando, e que as pessoas
com Plutão envolvido com planetas pessoas e com
a casa sete, tendem a repetidamente viver. Elas não
suportam ‘não existir’ para o outro.
Quando escreve ou conta para alguém a sua história,
o protagonista se encontra ainda sob o impacto profundo
desta energia inicialmente reparadora, preenchedora, de
Plutão. A completa ausência de luz após
a partida de Júlia é o sentimento de algo
lhe foi retirado. Algo que ele ainda não aprendeu
a manejar em si mesmo, e que Júlia, com uma varinha
de condão, havia descoberto como manipular. Mas
como ele ainda não sabe fazer isto, como não
descobriu aquilo de bom que há em si mesmo (ou
não quer descobrir), e que pertence unicamente
a ele, o protagonista tem a impressão de que sua
vida foi roubada quando Júlia parte. E, assim,
o protagonista empresta a Júlia traço sobre-humanos,
ora ela é um anjo, um demônio ou um ET. Pessoas
que vivem relações plutonianas podem reconhecer
este padrão, pois fazem isto o tempo todo com o
ser amado. Júlia, na realidade, é uma projeção
do protagonista. Ela não tem toda a força
e poder que ele enxerga nela. Em boa parte, a razão
do ressentimento que ele tem é porque ela leva
embora aquilo que ele colocou ‘em si mesmo’,
sendo uma nova pessoa que se via através dos olhos
de Júlia, ou do que ele achava serem os olhos de
Júlia. Em processos plutonianos, queremos reter
o outro, pois há uma parte dele em nós.
É como um ‘pacto de sangue’.
Porém, Júlia não poderia ser uma
projeção se não pudesse se encaixar
perfeitamente nela. Júlia é plutoniana,
pois, sob o efeito de um trânsito de Plutão,
seria somente um plutoniano que o protagonista poderia
encontrar. Como ser plutoniano que é, Júlia
passa por metamorfoses sutis, mas, ainda assim, metamorfoses.
Em trânsitos de Plutão, o outro, quando conhecemos,
nos parece mais ingênuo, inocente, do que é.
A pouca importância que damos a ele, porém,
é o que acaba nos enredando mais tarde. Ficamos
dependentes dele sem perceber. Plutão tem muito
a ver com os processos de subestimar e de se enxergar
com mais poder do que se tem. Esta é uma das maiores
armadilhas de Plutão. Júlia começa
sendo lunar, quando o protagonista a encontra no supermercado.
Emotiva, simples, descomplicada. Porém, ela é
mais complexa do que aparenta ser. Inclusive, o protagonista
claramente se ressente disso. Ele sente que ‘levou
gato por lebre’, mas, nisso tudo, ele não
vê a própria arrogância com que conduziu
todo o processo, e que, em última instância,
é o que o leva a ruína. Esta é outra
temática plutoniana: onde somos hiperconfiantes,
onde nos vemos como superpoderosos, estamos sujeitos a
grandes tombos. Não podemos controlar o poder da
forma como imaginamos que podemos.
Mas por que Júlia seria plutoniana? Júlia
tem componentes de Sagitário e de Urano, na medida
em que deixa claro que valoriza a liberdade acima de tudo
(embora o protagonista não suporte ver isto, porque
isto agride sua onipotência). Seu interesse religioso,
sua ânsia por conhecer o mundo, são componentes
de Sagitário. Júlia também é
solta, bem humorada, se relaciona com todos, não
cria raízes e está sempre de bem com a vida,
traços sagitarianos bem evidentes. Entretanto,
por detrás de tudo isto está Plutão.
Em primeiro lugar, a história de Júlia parece
ser altamente plutoniana: ela já teve um marido
violento, de quem teve de fugir, e a mãe a impediu,
provavelmente exercendo algum tipo de coerção,
que ela se tornasse freira. Além disso, ela se
sente abandonada pelo pai, a quem despreza e tem ódio.
Há elementos plutonianos de sobra em seu passado.
-
Plutonianos
se escondem
Entretanto, não é somente nisso que Júlia
é plutoniana. Ela revela seu passado só
sob insistência. Plutonianos se escondem. Não
são evidentes. Na medida em que não revela
seu passado, Júlia também evita ficar vulnerável,
evita precisar de alguém. E ser magoada por alguém
falível. Ela incita o protagonista a ‘esquecer
o passado’ (em um possível recado para ele
mesmo no futuro, o que ele não nota), o que aparentemente
teria a ver com uma atitude positiva. Entretanto, Júlia
utiliza isto, na realidade, para calar este diálogo.
Trata-se de alguém que esconde a sua parte mal
resolvida, negativa, vulnerável, machucada, ao
menos do progatonista. Se o protagonista estimula isto
ou não (conforme ele mesmo questiona), isto não
teria influência, pois temos o perfil de uma personalidade
que, na realidade, é mais contida e voltada para
dentro do que a princípio pareceria. Pode ser que
a ação do protagonista a tenha deixado mais
assim, mas pode ser que ela não quisesse mesmo
se abrir. Em todo o caso, o protagonista não tentou,
ou tentou muito pouco. Foi mais movido por uma necessidade
de dominá-la (que ela, como boa plutoniana, pressente)
do que realmente de conhecê-la, abraçá-la
como pessoa. Ele ama a figura que ele criou para si mesmo,
e tudo o que pode retirar dela. Ele a classifica claramente
como ‘amante’, e não como uma pessoa,
uma mulher de quem goste. Ela é uma ‘função’
na vida dele, e somente ele não se dá conta
disso, nem durante, nem depois, a não ser vagamente
e de um modo ressentido. Ele tem raiva porque ela desfez
este papel como se este papel nunca estivesse existido.
No fundo, isto o humilha.
Outro elemento flagrante de Plutão em Júlia
é a forma como ela intervém na vida do protagonista.
Embora a sua atuação seja positiva, auxiliando-o
nos negócios e até no casamento, é
uma interferência, e Plutão é conhecido
por sua profunda necessidade em interferir, de entrar
na vida do outro. Além disso, em uma pessoa insegura
e com baixa auto-estima como o protagonista, a intervenção
gera dependência. Tanto que ele perde totalmente
o rumo com a partida de Júlia. Não é
apenas o abandono e a raiva que causam isto, pois, passado
o primeiro impacto, o protagonista poderia recuperar sua
vida e sua personalidade. Mas não, ele volta para
um emprego inferior e começa a ter uma atuação
apagada, o que em boa parte é sintoma do ressentimento
por ter sido abandonado, mas também é uma
inconsciência de seu próprio poder, que ele
só podia acessar através da encenação
com Júlia, do papel de amante que eles estavam
representando juntos. Tornou-se dependente da interferente
e fulgurante Júlia. Só há algo que
ele não percebe: os conselhos que Júlia
dá são possíveis porque ela não
sente nada em sua própria pele. Júlia está
livre de riscos. Ela não tem nenhuma vinculação
com os resultados de seus conselhos, principalmente levando-se
em conta que havia dentro dela a possibilidade de partir,
que se concretizou. Ou seja, ela pode usar a sua visão
sagitariana de um modo livre, incentivado-o a melhorar
sua vida, mas sem nenhum compromisso com a parte interna
do amante. Tanto é assim que ela o abandona, o
descarta. Ela dá ‘dicas’ para a vida
dele, mas, assim como a sua esposa, ela não entra
em contato com os sentimentos mais profundos dele, e nem
ele com os dela. A mesma superficialidade que há
em seu casamento há, igualmente, em sua relação
de amante.
Ou seja, Júlia era muito plutoniana (embora tenha
um pouco de Urano e Sagitário, também).
Porém, o retrato que o protagonista pinta dela
é excessivo. E neste retrato há também
um outro contraste deste planeta. Enquanto o protagonista
é excessivamente humano, sofredor, vulnerável,
passional, quase abjeto, Júlia é sobre-humana.
Estes dois traços, aquele mais abaixo do nível
do chão, que não teme se arrastar ou se
desagradar, e aquele de sutil elevação e
ocultação das próprias fraquezas,
vulnerabilidade e defeitos são obras de um mesmo
Plutão. São faces opostas de uma mesma moeda.
Os outros elementos de Plutão na história
são percebidos através do vocabulário
usado. O protagonista diz que ‘nunca’ esquecerá
Júlia. Ele também compara sua dor emocional
a algo irreparável. De fato, Plutão pode
trazer situações deste tipo. Psiquicamente,
ele sente que a passagem de Júlia por sua vida
deixou marcas tão profundas quanto um acidente
ou outro acontecimento trágico teria deixado. O
fato de ver a si mesmo como um monstro ou um ser deformado
é também uma visão da típica
deste planeta.
O trânsito de Plutão se mostra, no protagonista,
como uma profunda e prolongada dor. Nem todos os trânsitos
de Plutão teriam de ter necessariamente este efeito,
embora eles sempre impliquem em revisões de conteúdos.
Obrigam a que algo seja visto, constatado. Todos eles
mexem com conteúdos não resolvidos. Solicitam
profundidade. E irão ‘doer’ até
que esta profundidade ocorra. ‘Veja’, é
o que dizem. Mexem com o que NÃO queremos ver,
mas que sabemos que existe. Um trânsito de Plutão
tem uma força centrípeta: enquanto não
se olhar para dentro, o ‘externo’ irá
ter cada vez mais desdobramentos ‘fora de controle’,
como é a situação que o protagonista
experimenta. Algo ficará tão evidentemente
errado que a pessoa será obrigada a refletir.
Os trânsitos de Plutão, porém, puxam
para dentro, mas não obrigam ninguém a realmente
ser capaz de toda a profundidade necessária. A
pessoa pode ficar na superfície de intensos conflitos,
e perderá uma chance preciosa de ir ao âmago
de uma questão, de se transformar a partir das
dinâmicas trazidas pelo trânsito. A constatação
da dor, no caso de Plutão, é o início
da cura. No caso do protagonista, há uma clara
recusa a transformação. Sua vida paralisada,
o fato de dizer que passa o tempo todo fingindo, que não
se sente como as outras pessoas, são sintomas disso,
de que seu próprio interior se paralisou pelo choque
e resiste bravamente a se transformar através dele.
Há, nos trânsitos de Plutão, um cabo
de guerra que tende a ser travado entre manter uma visão
superficial dos acontecimentos e admitir as próprias
culpas neles, o próprio ‘eu’ colaborando
para os desdobramentos que surgiram. Isto que Plutão
solicita é um supremo sacrifício, que nem
todos são capazes de fazer. Em um certo nível,
a pessoa tem de ‘dobrar-se’, humilhar-se (ainda
que perante uma verdade, que é algo impessoal).
Porém, aqueles que conseguem fazer isto ganham
a força. Em trânsitos de Plutão, aquele
que se eleva, cai, e aquele que admite sua submissão,
se reergue. Este conhecimento é sabiamente utilizado
pelas associações anônimas de cura.
Na medida em que se assume inteira e condicionalmente
sua fraqueza, submissão, torna-se possível
livrar-se do vício. O protagonista, porém,
recusa-se a ‘dobrar-se’, a ver onde ele mesmo
errou. Faz isto com reticências, com dureza, e culpa
Júlia ao invés de buscar enxergar sua verdadeira
face. O modo como vem agindo, como elabora a vida, como
lida com o feminino e com o masculino. Seus ‘pecados’
são mínimos, e sempre justificáveis,
em face ao monstro (e ao deus poderoso, também)
que ele cria em Júlia. Em suma: ele projeta Plutão
em Júlia. Júlia é Plutão,
e por isto é tão poderosa, destrutiva e
construtiva ao mesmo tempo. Em certo sentido, ela é
um aspecto dele mesmo. Pessoas com Plutão forte
costumam ter extrema dificuldade em se verem subjugadas,
enfraquecidas, perdedoras, humilhadas, talvez porque experimentaram
isto à fartura em suas infâncias. Não
suportam mais. Só que o fato de resistirem a isto
só agrava este ‘ponto de dor’, pois
em muitos momentos de suas vidas elas se verão
presas por seus intensos orgulhos e poderosas obsessões.
E muitos momentos irão despertar esta temática
de poder, subjugação e intensidade.
A transformação que deveria acontecer ao
protagonista, trazendo à tona uma nova pessoa,
mais profunda (já que ele mesmo alega que era raso),
mais conectada aos próprios sentimentos, entra
em curso, mas se congela (pois ele prefere culpar Júlia
e ser atormentado por esta Júlia fantasmagórica),
e, com isto, o deforma. O protagonista fica a meio caminho
entre a lagarta e a borboleta, não sendo mais nenhuma
coisa, nem outra, e, em várias passagensm é
visível a sua profunda crise de identidade. Ele
não consegue mais ser o ‘homem velho’,
mas tampouco é um homem novo. Se apenas se abandonasse
a dor, e se abrisse aos seus próprios erros, tendo
a coragem de se examinar e a sua vida (ele faz isto em
grau muito inferior ao que utiliza para atacar Júlia),
ele viveria uma enorme e profunda crise de culpa, mas
a transformação plutoniana entraria naturalmente
em curso, pois ele estaria focalizando a si mesmo. Plutão
ou transforma ou endurece. Alguns distorcem ainda mais
a si mesmos a partir de trânsitos de Plutão,
porque não querem aprender, ver, fazerem uma limpeza
em suas vidas, desnudarem-se, aprofundarem suas motivações.
-
Perda
e Abandono
O abandono, a perda, são temas comuns deste trânsito.
O problema é que o protagonista não consegue
ir além deste abandono, e sente todas as pontadas
plutonianas da agressividade (dirigida a Júlia
e também a si mesmo), compulsão e prisão
emocional. Viciou-se em Júlia e sente-se privado
dela como se ela tivesse sido um entorpecente em sua vida.
Este efeito de vício também é um
sintoma comum a trânsitos de Plutão, ou a
relacionamentos em que Plutão é forte. A
pessoa tem de lutar intensamente contra si própria
para vencer o vício. E esta luta só pode
ser feita quando ela mesma se provê de altas doses
de consciência. Ela precisa saber o que ela, e o
quanto ela está disposta a se sacrificar (que é
se conter), se quer para sair do labirinto. Ela precisa
se relembrar mil vezes do que quer para não sucumbir
ao vício. Porém, enquanto ela estiver no
emaranhado e não tiver sofrido o suficiente para
DESEJAR estar consciente, não há possibilidade
de cura. É a exaustão emocional que vai
conduzir a pessoa a tentar buscar a luz ou a consciência.
Mas ainda a respeito da questão da transformação
que ficou no meio, o protagonista faz referências
a pessoa que era no passado. Fala que era ‘tão
profundo quanto um pires’. Ele não nota que
o trânsito de Plutão (ou a passagem de Júlia,
como queira) alargou-o por dentro. Independente da dor
que trouxe, ele, como pessoa, ficou ‘maior’,
melhor, mais profundo. Os trânsitos de Plutão
muitas vezes trazem ganhos disfarçados de perda.
Muitas vezes, levam-se anos para se perceber isto. O ressentimento,
os sentimentos feridos, impedem que o ganho seja visto.
A pessoa também tem raiva do ganho, que para ela
é perda, por isto não o admite, o esconde,
como o protagonista faz flagrantemente neste conto. Para
ele, Júlia, embora tenha trazido coisas maravilhosas,
foi algo ‘ruim’ em sua vida. É o que
ele diz já no primeiro parágrafo, quando
compara Júlia a um acidente. A recusa dele em ver
algo de bom no que aconteceu mostra o quanto ainda está
preso a dor e à própria intensidade de seus
sentimentos. Ele não consegue perdoar.
Porém, voltando a questão da transformação,
para o protagonista, o trânsito de Plutão
vem somente para destruir, aniquilar, e não para
transformar. ELE não escolheu isto. Enquanto estiver
preso ao ressentimento e a ‘temática Júlia’,
em que sequer o próprio nome dele tem importância,
não conseguirá modificar nada em sua vida.
Será um mero reagente, como tem sido. Enquanto
achar que foi Júlia quem fez isto ou aquilo, não
conseguirá entender que Júlia foi apenas
um agente que detonou um processo psíquico dentro
dele. Não tomará posse da sua vida. Na realidade,
se ele foi vulnerável a uma tempestade psíquica
como esta, é porque já não estava
de posse da sua vida, em um sentido de conhecer seus sentimentos,
sua essência, e estar próximo disso.
Qualquer trânsito de Plutão tem o efeito
de desnudar. O protagonista passa por isto. Através
de Júlia, metáfora para o trânsito
de Plutão, ele conheceu aspectos de si mesmo, e
também aspectos de sua esposa, de sua vida. Entretanto,
ele dirige o foco deste desnudamento para Júlia,
algo comum entre os plutonianos ou durante o trânsito
de Plutão. A tentativa de desnudar Júlia
seria, metaforicamente, um modo de destruí-la.
Entretanto, como boa plutoniana que é, Júlia
não se deixou desnudar, terminou como um enigma,
abandonou-o. Júlia nunca se deixou penetrar. Só
que ao invés de o protagonista perguntar POR QUE
Júlia fez isto, ou quem ela era, ele teria de se
perguntar porque ELE aceitou uma relação
unilateral, em que Júlia era a fonte geradora (e
pessoas com Plutão forte freqüentemente se
colocam nesta posição), em que ele se meteu
em uma armadilha de apenas receber. Ou seja, quem ELE
era. Utilizando uma imagem, é como se o protagonista
tivesse se envolvido com um agiota que lhe abrisse as
portas, mas depois o espoliasse, o submetesse, o humilhasse.
A partida de Júlia teve este efeito, e ele culpou
o agiota, mas não a si mesmo, ao seu próprio
comportamento. Fica claro que ele enxerga Júlia
como um ‘acidente’. Tanto que alerta o leitor/ouvinte
para tomar cuidado com supermercados... Mas ele não
vê que algo dentro dele permitiu que este acidente
acontecesse, e que talvez Júlia tenha partido porque
ele apenas retirou, não deu. Porque talvez a concepção
que ele tenha de relacionamentos seja muito pobre ou tenha
algum problema. Ele não quer descobrir que problema.
Talvez ela o tivesse abandonado de qualquer forma, por
ser tão incapaz de se relacionar quanto ele. Talvez
não. Ele mesmo não lembra, não quer
lembrar ou não prestou atenção a
este tipo de sinal. Ele não faz este tipo de ‘mea
culpa’. Queria ter Júlia ‘até
o fim’. Ela tinha de estar à disposição
dele. De um certo modo, inconscientemente, ele queria
se vingar da raiva da esposa na amante, e Júlia
não permitiu isto, pois não assumiu a condição
de amante. Ao não fazer isto, ela ‘inverteu
o jogo’, algo também pertence a temática
plutoniana. Viradas, armadilhas, rasteiras, inversões
são típicas deste planeta. Quanto a Júlia,
ou ela não queria nada desta relação,
ou queria mas foi incapaz de comunicar, aprisionada em
seu próprio mundo tanto quanto o protagonista.
Estes enganos, estas coisas não ditas, esta distância
entre duas pessoas também são temas de relações
marcadas por Plutão. São ‘relações
de abismo’, de profundos silêncios, equívocos,
mas tudo isto em um cenário de muita intensidade.
Mas, não raro, cada um pode estar apenas se relacionando
consigo mesmo, como parece ser o caso de Júlia
e do protagonista.
Nas entrelinhas do texto, fica muito claro que o protagonista
se relaciona mal. Não consegue, ao menos não
naquele momento, entrar em contato com a esposa. Quando
Júlia o abandona, e ele descobre a traição
potencial (Plutão, novamente) da mulher, ambos
não conseguem vivenciar a dor que isto significou
e apenas se separam, ‘civilizadamente’, uma
negação do deus do submundo, Plutão.
Mas acabam com os restos psíquicos disso. Talvez
a ex-esposa tenha de se haver com Plutão em algum
momento da vida, mas aquela seria a hora dele. E ele não
o fez. Ficou obcecado por Júlia, e não questionou,
somente muito de leve, o próprio comportamento
que ele teve na relação, e outras relações,
na vida, ou algo ainda mais importante, quem ele era e
quem queria ser. Aquele teria de ter sido o tempo para
uma grande revisão, para o surgimento de uma nova
pessoa. Mas Plutão só entrega suas dádivas
quando a pessoa se permite enxergar a verdade. No caso
do protagonista, a verdade era que, enquanto Júlia
se comportou como uma fonte geradora, e não teve
nada que tirar da relação (o poder, tão
cobiçado por Plutão, ficou com ela), o protagonista
se comportou como um verdadeiro vampiro, outro comportamento
típico deste intenso e pequeno planeta. Ao encontrar
‘Júlia mãe’, Júlia lunar,
Júlia sempre acolhedora, achou que poderia sugá-la
sempre que desejasse. Que era apenas retirar, em um comportamento
predador comum a Plutão. Plutão, muitas
vezes, atua com uma falta de respeito, de sem cerimônia.
Relações plutonianas passam por fases e
momentos assim, de destruição, de abuso,
de desrespeito, de ultrapassagem de limites. A segunda
verdade que o protagonista não quis ver é
que ele esperava de Júlia um comportamento de amante
sôfrega que ela nunca teve. Quem era sôfrego
era ele. Achou, inclusive, que podia ter a petulância
de tirar férias com a esposa e acreditar que estaria
tudo bem para Júlia (e talvez Júlia tenha,
de fato, contribuído para que ele acreditasse nisso),
e que ela estaria esperando. Ou seja, viu em Júlia
a figura de uma amante dócil, submissa e apaixonada
que ela jamais foi. Ter constatado esta verdade foi o
maior golpe em seu ego que ele poderia ter recebido.
Quando a ‘mão’ nutridora e sempre
presente se foi, este homem, tão interessado no
sucesso externo e na sua imagem1
(como forma de esconder sua angústia e sentimento
de inferioridade interior) desmoronou, como uma criança.
Novamente, o déficit lunar se fez presente. Este
trânsito deveria ser o ponto de partida para o protagonista
trabalhar sua fragilidade, vulnerabilidade, carência,
seu feminino mal resolvido. Mas não. Provavelmente,
quando o efeito dele passar, alguma coisa ele terá
se transformado, pois ele jamais poderá se relacionar
de forma diferente depois de Júlia (ou de Plutão),
mas ele terá perdido a oportunidade de ressurgir
como outra pessoa de fato. De revisar mais a si mesmo.
De remover outros detritos. De encarar problemas que continuarão
a repercutir na sua vida.
1-
Que se reflete na inveja que ele sente pelo impulso
que a esposa dá à própria carreira.
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Podemos especular que tipo de transformação
o protagonista sofrerá: ele poderá a aprender
a ser como a mulher que o magoou. Muitos homens (e mulheres),
ao encontrarem suas ‘Júlias’, seguem por
este caminho. Jamais voltarão a ficar vulneráveis,
jamais mergulharão novamente na insensatez, que tanto
os castigou. Aprenderão a controlar a si mesmos e a
outra pessoa. Aprenderão a se disfarçar, a manipular.
Viverão o amor somente até certo limite, muitas
vezes o limite de um casamento que os protege de um amante
que queira ultrapassar esta barreira. Poderão aprender
a serem pretensamente mais ‘fortes’, auto-suficientes,
mas de vez em quando se verão na beira do abismo das
emoções, do qual irão fugir. E suas vidas
serão ‘congeladas’, refletindo a rigidez
interior que os habita. Aprenderão a forjar uma imagem
melhor de si mesmos, coisa que o próprio protagonista
parece estar fazendo, na medida em que se classifica como
uma farsa, como algo ‘montado’. Aprenderão
a se proteger de maneira a nunca mais serem apanhados por
nenhuma outra Júlia. Ou pela vida. Só há
um detalhe: o demônio que eles tanto odeiam ocupa o
mesmo espaço que o anjo, e eles terão de renunciar
também ao anjo, ou seja, a delicadeza, a sinceridade,
a uma dose de vulnerabilidade, de entrega, de inocência
e até de amor, para fazerem tudo isto. Esta temática,
de ‘vender a alma ao diabo’, é profundamente
plutoniana. O próprio nome diz: vende-se o melhor de
si mesmo para se transformar em uma pessoa morta, rígida,
congelada, resistente. Plutão, utilizado negativamente,
pode congelar a vida. Eventuais momentos de abertura serão
apenas isto: momentos, até que se recobre o controle,
e se ‘feche a torneira’. Ou seja, se o protagonista
entrasse em contato com a própria vulnerabilidade poderia
reconstruir a si mesmo e a sua capacidade de amar. Entretanto,
como se recusa a se abrir para uma visão diferente
dos fatos (talvez para a verdade a respeito de si mesmo),
a se reelaborar, a aprender a se enxergar através da
dor, ao invés de Plutão ‘limpar’
alguns conteúdos, irá encapsular outros, até
que, provavelmente, no fim da vida, ele se arrependerá
do não vivido, do excessivamente contido, do não
dado, do não mostrado. Tal como Júlia, que ele
tanto odiou e amou.
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