OS AMANTES DA TORRE EIFFEL
por Angela Schnoor - Fale com a autora


Sentia como se, realmente, se lembrasse daquele dia.

A torre estava sendo inaugurada. A festa, irradiada por todas as estações, enchia o aposento pobre onde fazia sua estréia na vida, no momento em que sua mãe dela se retirava.

Passou a vida com aquela sensação de amor, festa e vida, em estreita sintonia com a face da morte.

Cresceu admirando a Torre em sua potência de ferro. - Dezoito mil peças fixadas em 250 milhões de parafusos, trezentos metros de altura, sem contar a antena! Seus ouvidos de recém nascido tinham registrado as palavras do radialista, e a Marselhesa ecoava em seus sonhos como canção de dormir, deixada como presente pela mãe a quem cultuava como santa.. Tinha dado sua vida por ele e, nenhuma prova de amor seria maior que essa.

Enquanto ia à escola, alimentava um único desejo: ainda seria o "dono da torre”.

Mais que a maioria dos Parisienses, se julgava com direito a ela. Tinham iniciado juntos, sua trajetória de vida e a grande separação de seu abrigo de amor estava, de forma indelével, associada ao monumento.

Conseguiu uma vaga de ascensorista na Torre e, invariavelmente, passava de seu turno, pois sentia aquele lugar como seu lar, mais que qualquer outro. Foi morar próximo ao trabalho para que, às noites, pudesse ficar olhando a silhueta iluminada de seu refugio de sonho.

Ele ERA a Torre. Sentia-se garboso e elegante, forte e grande como ela e, ao levar os turistas para cima e para baixo, era como se estivesse lhes mostrando a sua alma.

Aos poucos começou, às custas de tanto ouvir pessoas, a entender e falar vários idiomas, de modo simples e quotidiano e puxava conversa com os jovens que iam lá desgarrados, sem grupo ou guia, explicando as qualidades do monumento, e repetindo como um antigo eco:

- “... são cem metros quadrados de base, mil setecentos e noventa e dois degraus...”.

Parecia que descrevia as qualidades da mulher amada.

Esta, por sinal, jamais tivera. O retrato da mãe sobre a cama do pequeno quarto, recebia toda noite, sua oração devotada e esta era a única relação que mantinha com alguma coisa que não fosse a torre.

Mas, em seu íntimo, sabia ser alguém que conhecia o amor real, a absoluta dedicação que poderia transformar qualquer relação em união inseparável e, foi pensando nisto que começou a colocar anúncios nos jornais mais populares da cidade. E assim criou uma agencia de encontros que prometia aos que a procuravam a garantia do amor eterno.

Marcava os encontros no andar mais baixo da Torre e, uma vez feitas as parcerias, combinava prazos dependendo do envolvimento dos parceiros, para que os casais comparecessem à Torre a fim de receber suas instruções sobre o amor eterno.

O primeiro casal mostrou-se apaixonado ao final de quinze dias de encontros. Levando-os ao último andar da torre, ao final da tarde, uma hora antes do por do sol, mostrou-lhes os quase setenta quilômetros de amplitude de vista da cidade e, emocionado, ensinou-os o segredo do amor eterno.

Assim se seguiram uns cinco casais apaixonados, que recebiam o segredo prometido como um prêmio ao seu dedicado amor.

Até que, enfim, a polícia chegou a tempo de salvar o sétimo par, no exato momento em que um forte empurrão os lançaria em seu vôo para a eternidade, enquanto um velho gravador tocava a Marselhesa.

Em 29 de maio de 2002