ANIMA
PEQUENAS ESTÓRIAS FEMININAS

por Angela Schnoor - Fale com a autora


Na maioria das mulheres as cicatrizes se encontram na alma.

ANIMA

Sua mãe era linda e delicada. Quando pequeno gostava de vê-la arrumar-se para ir às festas com o tio mais novo, de quem era afilhado e pelo qual nutria amor e admiração. Gostava de vê-los juntos, pois era belo como a mãe, embora seu temperamento fosse forte e determinado, bem oposto ao dela.

Só se lembrava do pai, por causa da imagem contida no porta retratos que permanecia na mesinha da sala e pelas histórias contadas, em família, sobre seus feitos esportivos que foram a causa de sua morte prematura.

O tio, volta e meia, o levava ao futebol, mas não substituíra a figura paterna pois era muito jovem e tinha uma vida intensa, sempre cercado de amigos, além de muito ocupado com seu trabalho. Era um profissional bem sucedido, tinha uma sólida conta bancária e morava só.

Decidida a cultuar a imagem do marido, a mãe dedicou-se completamente ao filho, que era a lembrança viva do jovem companheiro que lhe fazia tanta falta.

Assim, o viu crescer como um bom e estudioso menino, transformar-se em um rapaz gentil e delicado que, espelhando-se em seu exemplo e conselhos, cuidava da saúde do corpo para manter a juventude e a forma. Não faltavam garotas à sua volta mas era muito exigente quanto à beleza, graça, educação e apresentação das mulheres.

Nas festas, adorava ver os olhares cobiçosos dos homens às suas acompanhantes e sentia-se tão mais seguro quanto mais paquerada fosse sua companhia. A inveja dos homens o deixava cheio de contentamento !

Um dia, encontrou uma jovem discreta e linda como sua mãe. Apresentou-a à família : resolvera se casar. A escolha foi completamente aprovada. A mãe esmerou - se para que tudo saísse perfeito e, sempre pensando na felicidade do filho, tirou dos guardados sagrados do antigo matrimônio, sua mantilha de noiva para que a futura nora a usasse no grande dia. O casamento foi lindo!

Na primeira recepção para a qual foram convidados depois de casados, surpreendeu a esposa, trazendo de presente o vestido que ela deveria usar. A moça estranhou o modelo. Não estava acostumada à ousadia do feitio, à cor forte e sensual, tudo muito distante de seu natural recato. Ainda assim, para agradar ao marido, vestiu o modelo e embora se sentisse constrangida com os olhares e cochichos masculinos, ficava alegre ao ver o orgulho e felicidade do marido que era tão meigo e gentil.

Aos poucos esta atitude foi virando um hábito cada vez mais radical e, disfarçadamente, autoritário.

Um dia, o decote quase lhe deixava à mostra os pequenos seios, de outra vez a bainha da saia deveria ser encurtada ao exagero e o pior aconteceu quando os tecidos se tornaram transparentes demais e ela em pânico, chorava escondida, quando eram convidados a qualquer evento social.

Quanto mais ela chamasse atenção maior era a felicidade dele, embora em sua vida privada a intimidade estivesse cada vez mais rara e difícil.

Uma tarde enquanto ele estava fora, descobriu em seu guarda roupa uma caixa de loja feminina. Pensando ser mais uma daquelas “surpresas” abriu-a e se deparou com uma belíssima lingerie. Ficou contente pois não era pudica na intimidade, apenas a exposição pública a incomodava. Curiosa, começou a vestir as peças quando percebeu que o tamanho era bem maior que o seu.

Não sabia o que pensar... A vida sexual estava péssima, mas ela atribuía este fato às preocupações com o trabalho pois ele estava sempre a seu lado, presente e atencioso, gentil como nunca.

Acabou por guardar tudo na caixa como encontrara pois estava certa de que tinha havido um engano da vendedora e de que ele estava aguardando a troca para fazer a surpresa.

Esqueceu o incidente pois a vida ficou tumultuada com a súbita doença da sogra. Um acidente no trânsito com sérias conseqüências acabou levando-a à morte.

A tristeza tomou conta dela e do marido. Gostava da sogra, nunca se esquecera do seu casamento...da “mantilha sagrada” e de seu constante apoio nas horas difíceis.

O marido começou a mudar, andava cada vez mais quieto, embora já houvesse passado um bom tempo após a perda.

Ele estava distante, demorava mais para chegar em casa e ficava ao telefone durante muito tempo, trancado no escritório.

Sempre que perguntava ele dizia que eram crises da empresa e que seu sócio de escritório precisava muito da orientação dele.

Era um tempo em que vivia insegura e muito só. Aquela tarde, estava no cabeleireiro quando alguém falou em roupas íntimas. De repente, lembrou da lingerie no armário! Correu para casa e foi direto ao quarto. Entrou de rompante e se deparou com o marido vestindo a lingerie, num longo beijo com o querido tio, tendo por cima do corpo a mantilha da mãe.