Os Mistérios de Baphomet Carlos Raposo |
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Uma das imagens de mais forte presença no universo ocultista de nossa época, por vezes erroneamente interpretada como uma rebuscada representação do diabo católico, recebe o nome de Baphomet. Todavia, apesar de muito ter sido especulado sobre o lendário ídolo dos Templários, pouca informação confiável existe a respeito desta enigmática figura. Daí vêm as inevitáveis questões: o que de fato esta imagem significa e qual a sua origem? Além disso, o que ela hoje representa dentro das Ciências Arcanas? Há algum culto atualmente celebrado cujos fundamentos estejam calcados neste Mistério? Este pequeno exame sobre os Mistérios de Baphomet tem como principal objetivo fornecer algumas orientações iniciais ao tema, permitindo assim que cada Estudante possa encontrar subsídios para ir, aos poucos, formando sua própria opinião, de modo a melhor poder avaliar o que normalmente é encontrado ou divulgado nos círculos iniciáticos atuais. Em relação a seus aspectos históricos, mesmo não sendo possível estabelecer com precisão uma inequívoca e incontestável ascendência do termo, é sabido que talvez a origem do que veio a se tornar um mito esteja enraizada no princípio do século XIV da Era Cristã. Em 1307 uma série de acusações daria início a cruel perseguição imposta pelo Papa Clemente V (Arcebispo de Bordéus, Beltrão de Got) e pelo Rei de França Felipe IV, mais conhecido como Felipe o Belo, contra a Ordem dos Cavaleiros do Templo, também chamada de Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, ou, simplesmente, Templários. O processo inquisitorial movido contra os Templários foi encerrado em 12 de setembro de 1314, quando da execução do Grão Mestre da Ordem do Templo, Jacques de Molay, juntamente com outros dois nobres Cavaleiros, todos queimados pelas chamas da Inquisição. No longo rol de acusações estavam: a negação de Cristo, recusa de sacramentos, quebra de sigilo dos Capítulos e enriquecimento, apostasia, além de práticas obscenas e sodomia. [1] O conjunto das acusações montaria um quadro claro do que foi denominado de desvirtuação dos princípios do cristianismo, os quais teriam sido substituídos por uma heterodoxia doutrinária de procedência oriental, [2] sobremodo islâmica. No entanto, dentre as inúmeras acusações movidas contra os Templários, uma ganharia especial notoriedade, pois indicava adoração a um tipo de ídolo, algo diabólico, entendido como um símbolo místico utilizado pelos acusados em seus supostos nefastos rituais. Na época das acusações, costumava-se dizer que em cerimônias secretas, os Templários veneravam um desconhecido demônio, que aparecia sob a forma de um gato, um crânio ou uma cabeça com três rostos. [3] Todavia, examinando a acusação movida por Clemente V, encontraremos originalmente [4] o seguinte: item quod ipsi per singulas provincias habeant idola; videlicet capita quorum aliqua habebant tres facies, et alia unum; et aliqua cranuim humanum habebant. [5] Na acusação, embora seja feita menção a adoração de uma “cabeça”, um “crânio”, ou de um “ídolo com três faces”, nada é mencionado, especificamente, sobre a denominação Baphomet. De onde, então,
Não se sabe com precisão onde surgiu o termo Baphomet. Uma das possíveis origens, entretanto, é atribuída a pesquisa do arqueólogo austríaco Barão Joseph Von Hammer-Pürgstall, [6] um não simpatizante do ideal Templário, que em 1816 escrevera um tratado sobre os alegados mistérios dos Templários e de Baphomet, [7] sugerindo que a expressão proviria da união de dois vocábulos gregos, Baphe e Metis, significando “Batismo de Sabedoria”. A partir desta conjectura, Von Hammer especula a respeito da possibilidade da existência de Rituais de Iniciação, onde haveria a admissão, seja aos mistérios seja aos segredos cultuados pela Ordem do Templo. Dada a aversão de Von Hammer em relação aos Templários, os estudiosos do tema aceitam com reservas sua tese, embora a mencionem como referência original possível ao termo Baphomet. A tese de Von Hammer, todavia, ainda que muito criticada por alguns, encontra boa receptividade por parte de outros ocultistas, principalmente entre os teósofos de Madame Blavatsky, dado seu entendimento apontar para a Grécia Antiga como a plausível origem de Baphomet. Relacionando-o com o deus grego Pã, Blavatsky vê em Baphomet um andrógino, com um enorme aparato de ensinamentos de ordem hermética e filosófica. [8] Também da pesquisa de Von Hammer [9] vêm algumas ilustrações, as quais, provavelmente, cerca de quatro décadas mais tarde, serviram de base para Eliphas Levi conceber sua própria ilustração de Baphomet, da qual logo trataremos. Segundo Von Hammer, [10] de acordo com suas descobertas, os ídolos Templários se tratavam de degenerações de ídolos gnósticos valentinianos, sendo que, de todos eles, o mais imponente formava uma estranha figura de um homem velho e barbudo, de solene aspecto faraônico. Um traço bem marcante de todas as figuras era a forte presença de caracteres de hermafroditismo ou androginia, traços que, ainda de acordo com a descrição de Von Hammer, endossariam cabalmente as acusações de perversão movidas pelo clero contra os Templários. Desta descrição aparece outra referência que muito diz sobre o mistério que cerca o nome Baphomet: ela aponta para a imagem de um “homem velho”, o qual seria adorado pelos Templários. Este “homem velho” possuía as mesmas características de Priapus, aquele criado “antes que tudo existisse”. Contudo, a mesma imagem, por vezes aparecendo com armas cruzadas sobre o peito, sugere proximidade com o Deus egípcio Osíris, havendo até quem afirme ser Osíris o verdadeiro Baphomet dos Templários. [11] Seguindo a mesma lógica e pensamento de que o vocábulo Baphomet teria vindo da Grécia Antiga, também existe a hipótese de que sua procedência esteja na conjunção das palavras Baphe e Metros, algo como “Batismo da Mãe”. [12] Por sua vez, a partir deste raciocínio, surge uma outra proposição poucas vezes mencionada nos estudos sobre Baphomet, a qual aponta ser Baphe e Metros uma corruptela de Behemot, [13] um fantástico ser bíblico [14] de origens hebréias. Esta teoria é importante, visto Behemot ser citado (e por vezes traduzido) como uma grande fêmea de Hipopótamo que habitava as águas do Rio Nilo, sendo uma das representações da “Grande Mãe”, esposa do Deus Seth. [15] Na concepção egípcia dos Deuses, a fêmea do Hipopótamo faz uma espécie de contra-parte do Crocodilo (Typhon), da mesma forma pela qual existem os bíblicos Behemot e Leviathan. [16] De acordo com o pesquisador Raspe, [17] outra definição que ganha importância, principalmente na abordagem dos cultos que atualmente são rendidos a Baphomet, mostra o suposto ídolo dos Templários como uma fórmula oriunda das doutrinas Gnósticas de Basilides. Neste sentido as palavras anteriormente apresentadas, que originaram o termo Baphomet, seriam Baphe e Metios. Assim, teríamos a expressão “Tintura de Sabedoria”, ou o já apresentado “Batismo de Sabedoria”, como o significado de Baphomet. O Bode Expiatório do Deserto Blavatsky ainda relaciona Baphomet com Azazel, [18] o bode expiatório do deserto, de acordo com a Bíblia Cristã, [19] cujo sentido original – segundo a célebre ocultista russa – foi deploravelmente deturpado pelos tradutores das Sagradas Escrituras. Blavatsky ainda explica que Azazel vem da união das palavras Azaz e El, cujo significado assume a forma de um interessante “Deus da Vitória”. Não obstante a esta definição, em seus preceitos, Blavatsky vai além, quando equipara Baphomet – O Bode Andrógino de Mendes - ao puro Akasha, a Primeira Matéria da Obra Magna. [20] Em meio a tantas referências, não podemos deixar de mencionar a curiosa tese que diz ser o vocábulo Baphomet nada mais do que uma simples corruptela francesa para o nome Mahomet. [21] Tal conjectura, sustentada por Mackey, [22] vem em encontro com a suposição de que os Templários estariam sob influência das doutrinas islâmicas, conseqüência de suas freqüentes incursões no oriente por ocasião das Santas Cruzadas. No entanto, como bem lembrado por Mackenzie, [23] esta suspeita entraria em franco conflito com a premissa Templária de combate a fé Islâmica. Há de se ressaltar ainda que a religião islâmica não adota a prática de venerar ídolos, o que representaria uma contradição, considerando que Baphomet fosse de fato um ídolo adorado pelos Templários. Considerando que a palavra Baphomet possua raízes árabes, especula-se também que ela seja a corruptela de Abufihamat (ou ainda Bufihimat, como pronunciado na Espanha), expressão moura para “Pai do Entendimento” ou “Cabeça do Conhecimento”. [24] Se nos lembrarmos das acusações movidas contra os Templários, de que eles adoravam uma “Cabeça”, veremos nesta hipótese algo plausível de ser aceito. Apesar de todas as alusões até aqui feitas, a figura de Baphomet que se tornou mais famosa, servindo de principal referência para os ocultistas atuais, é mesmo aquela cunhada no século XIX pelo Abade Alfonse Louis Constant, mais conhecido pelo nome Eliphas Levi Zahed, ou simplesmente Eliphas Levi. De acordo com a descrição do Abade, publicada pela primeira vez em 1854, a imagem de Baphomet, o Bode de Mendes ou ainda o Bode do Sabbath, é feita do seguinte modo: [25] "Figura panteística e mágica do absoluto. O facho colocado entre os dois chifres representa a inteligência equilibrante do ternário; a cabeça de bode, cabeça sintética, que reúne alguns caracteres do cão, do touro e do burro, representa a responsabilidade só da matéria e a expiação, nos corpos, dos pecados corporais. As mãos são humanas para mostrar a santidade do trabalho; fazem o sinal do esoterismo em cima e em baixo, para recomendar o mistério aos iniciados e mostram dois crescentes lunares, um branco que está em cima, o outro preto que está em baixo, para explicar as relações do bem e do mal, da misericórdia e da justiça. A parte baixa do corpo está coberta, imagem dos mistérios da geração universal, expressa somente pelo símbolo do caduceu. O ventre do bode é escamado e deve ser colorido em verde; o semicírculo que está em cima deve ser azul; as pernas, que sobem até o peito devem ser de diversas cores. O bode tem peito de mulher e, assim só traz da humanidade os sinais da maternidade e do trabalho, isto é, os sinais redentores. Na sua fronte e em baixo do facho, vemos o signo do microcosmo ou pentagrama de ponta para cima, símbolo da inteligência humana, que colocado assim, em baixo do facho, faz da chama deste uma imagem da revelação divina. Este panteus deve ter por assento um cubo, e para estrado quer uma bola só, quer uma bola e um escabelo triangular”. Devido a eficiência de sua ideação, Levi propositalmente faz com que se acredite que exatamente esta forma de Baphomet era a presente na celebração dos Antigos Mistérios. Apesar de Levi ter conseguido conceber uma arrebatadora e sintética efígie, recheando-a de múltiplos significados, não há como aceitá-la como sendo o “verdadeiro” Baphomet, senão um fruto da fértil imaginação religiosa do Abade. Indo um pouco além, diríamos até que esta idéia foi, entre outras influências, livremente inspirada pela curiosa representação do Diabo, esculpida alguns anos antes, em 1842 no pórtico da Igreja de Saint-Merri, em Paris. [26] De qualquer modo, pelo texto de Levi, fica claro que para conceber a “figura exata deste imperador da noite”, para usar as palavras do próprio Abade, [27] ele recebeu forte influência de uma série de informações advindas das mais diversas culturas. Assim, seja sua fonte os desenhos e ídolos descobertos por Von Hammer, seja o Egito ou a Grécia, ou as culturas hebréia, cristã ou gnóstica e até mesmo de Zoroastro, Levi, de cada uma delas foi extraindo elementos para conceber o seu extraordinário Bode do Sabbath. Os Primeiros "Bodes" Contudo, apesar das variadas fontes alegadas, valerá ao estudante mais atento examinar, com cuidado redobrado, a gravura denominada “Hermafrodita de Khunrath”, [28] citada como fonte pelo honesto Abade, visto ela guardar notáveis semelhanças com a concepção do Bode de Mendes, de Levi. A figura emblemática do Bode de Mendes de Eliphas Levi foi uma das primeiras, senão a primeira, que associou o bode ao ídolo Templário. É muito provável, dada a condição de sacerdote católico do Abade Alfonse Louis Constatnt, que a imagem Bíblica do sacrifício do Bode Expiatório tenha lhe servido de inspiração. O bode no Egito, entretanto, não possuía um significado religioso grande, exceto por este culto sacrificial, promovido na cidade de Mendes. [29] Daí a denominação escolhida por Levi, o Bode de Mendes. Porém, é significativo mencionar que o bode, do mesmo modo como atribuído ao carneiro, sempre foi símbolo de fertilidade, de libido e força vital. Contudo, enquanto o carneiro assume características solares, o bode se relaciona às lunares. [30] Em outras palavras, é costume relacionar carneiros, ou cordeiros, como símbolos de aspectos considerados “positivos” das divindades, enquanto que aos bodes estariam reservados os “negativos”. Assim, se naquele convencionou-se associar uma imagem de pureza, vida e santidade, neste são associados luxúria, sacrifício e perversão. Em ambos os casos, contudo, é importante salientar que tanto o carneiro quanto o bode são claros símbolos de divindades solares, sendo que no primeiro tem-se a exaltação da divindade, enquanto que no segundo a expiação e morte do deus. Numa variação deste símbolo, o carneiro é substituído por outro bode, passando-se assim a dois bodes utilizados ritualisticamente. A primeira menção deste culto ocorre no Levítico, exatamente no mencionado Culto do Bode Expiatório. [31] Nesta ocasião, durante as festividades, o Sacerdote recebia dois bodes e de acordo com o resultado de uma escolha aleatória um deles seria imolado enquanto o outro era posto em liberdade. Não deixa de ser interessante se lembrarmos do Rito de escolha entre Jesus e Barrabás, onde um foi sacrificado e o outro posto em liberdade. O mais importante para o momento, entretanto, é lembrar que tais considerações trazem, em si mesmas, um eterno jogo de contrários, apresentados ora na forma de um aspecto luminoso, ora na forma de um feitio sombrio. O dualismo é a característica mais evidente da gravura de Eliphas Levi. Nela encontramos propriedades masculinas e femininas, diurnas e noturnas, sugerindo o equilíbrio da criação através do retorno a androginia primordial. A mística sufi, inclusive, uma herança islâmica supostamente absorvida pelos Templários, menciona que apenas existirá a salvação se for superada a ilusão da dualidade deste mundo de aparências e erros, pelo retorno à unicidade original. [32] As inscrições SOLVE e COAGULA da imagem de Eliphas Levi são outro claro exemplo do enfoque dualista de seu Baphomet. Originalmente presentes nos antebraços do “Hermafrodita de Khunrath”, estes dois preceitos misteriosos mostram que o Andrógino domina completamente o mundo elementar, agindo sobre a natureza, de modo inteiramente onipotente. [33] As inscrições são dois pólos que marcam o clico solar de Vida, composta de Geração, Nascimento e Morte, para depois haver uma nova Geração que dará continuidade ao interminável ciclo da Vida. A fórmula Solve et Coagula, todavia, não se resume apenas na vida material. Podemos entender aqui que o espírito pouco evoluído, ou primário, encontrará os meios pelos quais possa ser transformado em espírito evoluído, superior. A esta propriedade de transformação, ou melhor, ao elemento que permite esta transformação, os Mestres deram o nome de Mercúrio Filosofal, ou Água dos Sábios, [34] a mesma Tintura de Sabedoria, da qual falava o gnóstico Basilides ainda no século II. A imagem do Baphomet de Eliphas Levi, enfim, é a representação emblemática deste Mercúrio Filosofal ou do Andrógino Primordial. Também de Eliphas Levi vem outra curiosa explanação sobre a origem do nome Baphomet, que se tornou voga nos dias de hoje. Segundo o erudito Abade, esta palavra era a forma cifrada de se dizer TemOHPAB, [35] uma espécie de acróstico inverso de Baphomet, que formaria a sentença iniciática Templi Omnium Hominum Pacis ABbas. [36] A explicação do acróstico, contudo, não traz maiores esclarecimentos ao termo Baphomet, senão a já bem conhecida menção a Unidade Primeira. Seguindo com a teoria que aponta Baphomet como o Hermafrodita, pode ser feito um extraordinário paralelo entre esta efígie e a citação bíblica “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher”. [37] Mas examinando o texto em latim encontraremos: ad imaginem suam Dei creavit illum, masculum et feminam creavit eo, ou seja “à sua imagem Deus o criou, o criou macho e fêmea“. Assim, conforme mostram as Sagradas Escrituras, Deus criou um Adão que era, ao mesmo tempo, macho e fêmea, um Andrógino. Adão, portanto, o primeiro "homem" criado, foi dotado com as duas naturezas do andrógino. [38] Baphomet então surge como um ícone tardio para o homem primordial, Adão. Magia e Iniciação As alusões sobre a expressão Baphomet, ora apresentadas, são de extrema valia para os estudantes do simbolismo mágico e iniciático. Não obstante o volume de ponderações feitas já ser considerável, uma nova e recente forma de abordagem destes Mistérios vem ganhando terreno no estudo da Tradição, principalmente nos aspectos relacionados ao que hoje se convencionou chamar de neo-templarismo e neo-gnosticismo. No século XX, o controvertido ocultista inglês Aleister Crowley, desenvolveu um culto e uma religião que têm como um de seus principais fundamentos exatamente o alegado ídolo templário, segundo sua própria e peculiar concepção de Baphomet. O entendimento de Crowley por certo lançará mais matéria à reflexão sobre este discutível tema, bem como ajudará a avaliar o modo polêmico de abordagem deste mistério, modo este típico de uma crescente vertente de ocultistas contemporâneos. Ao longo das obras de Crowley, são fartas as referências a Baphomet, por ele chamado de “Mistério dos Mistérios”, no cânone central de sua religião, cânone este composto na forma de um missal denominado Liber XV – A Missa Gnóstica. [39] Tal era sua identificação com Baphomet, que este nome foi adotado como um de seus mais importantes pseudônimos, ou Motes Mágicos. O assunto é tão relevante que nos Rituais de Iniciação da Ordo Templi Orientis, uma das Ordens lideradas por Crowley, praticamente todas as consagrações são feitas em nome de Baphomet, não importando se os consagrados estejam conscientes ou não a respeito do sentido de tal ato e muito menos de suas implicações futuras. Tamanha é a proeminência do conceito implícito ao termo que no VI Grau da referida Ordem, a título de ilustração, numa clara referência a suas supostas raízes orientais, a palavra Baphomet é declarada como sendo aquela que comporta os Oito Pilares (as oito letras que formam a palavra) que sustentam o Céu dos Céus, a Abóbada do Templo Sagrado dos Mistérios, no qual está o Trono do Rei Salomão. [40] Ainda em sua Missa Gnóstica, Crowley identifica Baphomet com um símbolo chamado “Leão-Serpente”. [41] O Leão-Serpente, assim como Baphomet, é a representação do andrógino ou hermafrodita. Mais especificamente, ele é um composto que possui em si mesmo o equilíbrio das forças masculinas e femininas transmutados num só elemento. O Leão-Serpente, na verdade, é uma forma cifrada de mencionar a concepção humana, a união dos princípios masculinos (Leão) com femininos (Serpente), ou do espermatozóide com o óvulo, formando o zigoto. Há, seguindo com os preceitos de Crowley, diversos modos de mencionar esta dualidade: Sol e Lua, Fogo e Água, Ponto e o Círculo, Baqueta e Taça, Sacerdote e Sacerdotisa, Pênis e Vagina, além de várias outras duplas de eternos polares. Originalmente, o símbolo representado pelo Leão-Serpente, consta em alguns dos mais antigos documentos gnósticos, os quais remontam a começos do século II d.C. Apresentado sob a forma de uma figura arcôntica com cabeça de leão e corpo de serpente, o Leontocéfalo era a própria imagem do Demiurgo do Mundo, sendo a versão gnóstica para o Jeová mosaico. [42] Crowley, ao se utilizar deste mesmo simbolismo, pretendia assim resgatar os cultos de um cristianismo hoje considerado primitivo. Crowley e seus adeptos, entretanto, não se detêm apenas em demonstrar o Mistério de uma forma puramente alegórica. A “Luz da Gnose”, como é chamada, é celebrada de modo literal. Assim, o ponto máximo da encenação de seu missal consiste na celebração do Supremo Mistério, ou seja, durante a realização das Missas Gnósticas ocorre a comunhão, por parte de todos os partícipes da Cerimônia, das hóstias, também chamadas de Hóstias dos Céus, ou Bolos de Luz, preparadas com sêmen e fluido menstrual. [43] De acordo com Crowley, Baphomet, sob o nome Leão-Serpente, surge deste composto, da Matéria Primeva, oriunda da Grande Obra, ou seja, do ato sexual entre Sacerdote e Sacerdotisa. Através dos alegados poderes mágicos dos Operantes do Rito da Grande Obra, a Matéria Primeva é transmutada em “Elixir”, ou Amrita. [44] A Grande Obra, contudo, através das propriedades mágicas da fórmula de Baphomet, ainda teria a capacidade de transmutar também os Operantes do Rito e não apenas as substâncias que o compõem. [45] Baphomet, assim como concebido por Crowley, é então o Elixir ou Tintura da Sabedoria, o veículo da Luz da Gnose, a qual compõe o Mistério Místico Maior, também chamado segredo central de sua Ordo Templi Orientis. Crowley também considerava Baphomet como o supremo Mistério Mágico dos Templários, segredo este que estaria concentrado nos graus superiores de sua Ordem. Da mesma forma, ele clamava que este era o mesmo mistério oculto aos graus superiores da Maçonaria. [46] Crowley e os Gnósticos Crowley e seus discípulos se consideram herdeiros deste conhecimento, o qual, segundo eles, foi transmitido de geração em geração, desde tempos remotos até eles mesmos, seus sucessores, através dos Santos Gnósticos. Curioso constatar é que, dentre os inúmeros Santos relacionados por Crowley em sua Missa Gnóstica, [47] estejam presentes os nomes Valentin e Basilides, os mesmos gnósticos citados, cujas doutrinas supostamente deram origem ao termo Baphomet. Inclusive, no Credo de sua religião, recitado nesta mesma Cerimônia, há referência oculta a Baphomet ou Leão-Serpente, na forma do mencionado “Batismo de Sabedoria”, ato responsável pelo Milagre da Encarnação [48] (a reprodução humana). Crowley também usa uma forma particular de grafia para Baphomet, forma esta que segundo o seu relato, lhe fora revelada em visões obtidas durante a realização de determinados trabalhos mágicos. [49] Assim, esta palavra aparece curiosamente grafada como BAFOMIThR. [50] Com isso, Crowley - externamente - sugere que o termo Baphomet seja para ele equivalente ao que Pedro representou para Cristo, [51] ou seja, analogamente, sobre esta “pedra” fundamental, Baphomet, Crowley edificou a sua Igreja. [52] Internamente, contudo, em um dos Graus Superiores de sua Ordem, dado ao caráter supostamente Templário, de acordo com a interpretação de Crowley deste tipo de mistério, em seus diários a palavra BAFOMIThR [53] por vezes aparecia para indicar Ritos de Magia Sexual onde havia prática de sodomia. [54] As concepções de Crowley, entretanto, não param por aí. Ao que tudo indica, tal é a amplitude de valores presentes em seus ensinamentos relacionados a Baphomet, que se tem nítida impressão de que ele valeu-se de todas as atribuições cabíveis a esta imagem, para dali avocar alguma mensagem, apropriada tanto a difusão quanto a justificação de sua religião. Apesar de muito ter sido dito concernente a questão Baphomet, apenas uma única certeza aparece de modo irrefutável: Os Mistérios de Baphomet ainda seguirão, dando a oportunidade para que cada um de seus Estudantes penetre num rico e fantástico universo de signos, símbolos e enigmas a serem desvelados. O próprio enigma da Esfinge Egípcia nos desafia e ameaça, prometendo maravilhas conquanto nos indaga sobre sua misteriosa natureza. Talvez o que de melhor tenhamos a fazer neste momento, após tanto considerar sobre esta outra enigmática Esfinge, Baphomet, é seguir o sábio exemplo de um dos maiores Mestres Gnósticos, o próprio Basilides, conhecido como o Mestre do Silêncio, [55] e quedar-nos em sossego. Abrindo espaço ao Silêncio, damos vez à reflexão. Refletindo, confiamos que a verdadeira Fraternidade, aquela que se reúne na Igreja Invisível do Espírito Santo, continuará sempre a providenciar nosso sustento espiritual, sem os excessos tão comuns a falsa religião, mas com a tranqüilidade da Verdadeira Sabedoria, que garantirá justiça e perfeição para todos os seus Reais Adeptos. Notas: [1] Demurger, Alain. Os Cavaleiros de Cristo.
Jorge Zahar Editor (Rio de Janeiro, 2002); p. 191. Bibliografia: Angebert, Jean-Michel. Hitler et la tradicion
Cathare, Editions Robert Laffont (Paris, 1971). |