Monstro? Insano?
Hitler antes da guerra

Carlos Augusto Ferreira Figueira


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14 DE DEZEMBRO DE 2003

ALGO
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ASTROLOGIA E REVOLUÇÃO


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DE

EMMA
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(entrada franca)


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Adolf Hitler: da infância na Áustria aos primeiros passos no exército alemão
Neste artigo o autor analisa desapaixonadamente um dos personagens mais controversos e problemáticos do século XX. Seria possível ser imparcial ao tratar do assunto "Hitler"? Carlos Augusto levanta a trajetória do líder nazista e deixa o leitor com a questão: "seria ele 'mau' por natureza ou, como homem de seu tempo, um fruto de uma época cujo contexto permitiu a ascenção de tamanho poder destruidor a partir da Europa central?"

Em setembro de 1908, um rapaz entrou no magnífico edifício da Academia de Belas-Artes de Viena. Ele sabia que as exigências para ser admitido como aluno da escola eram grandes
-principalmente porque ele já tentara ingressar nessa famosa instituição no ano anterior e não conseguira. Dos 112 candidatos que haviam participado do teste com ele apenas 27 foram aceitos.

O jovem não era um artista de todo ruim, como provam suas pinturas remanescentes, mas nunca fizera nada de original, nem demonstrara grande criatividade. Era capaz de copiar fotografias ou gravuras e fazer desenhos precisos dos edifícios públicos de Viena. No entanto, em 1907, seus testes haviam sido considerados “insatisfatórios”, criticados não só por não incluírem suficientes figuras humanas, como também por não retratarem tais figuras nas proporções corretas.

Após esse revés inicial, o rapaz trabalhara com afinco para melhorar sua arte e chegara a tomar aulas particulares de desenho. Muita coisa dependia de sua entrada na escola. Dissera à família, quando estivera na pequena cidade onde vivia sua mãe viúva, que estudava na Academia e que se mantinha com uma pensão estatal para órfãos, à qual tinha direito por ser um estudante de tempo integral. Agora, precisava justificar sua vida em Viena.

Saiu-se ainda pior na segunda tentativa. O diretor da escola impressionou-se tão pouco com os novos desenhos que nem lhe permitiu participar dos testes escritos. Sugeriu que tentasse a Escola de Arquitetura, já que gostava tanto de desenhar edifícios. “Você nunca será um pintor”, disse ele. Mas, infelizmente, a Escola de Arquitetura também estava fora do alcance do rapaz. Não podia ingressar numa instituição técnica daquele nível sem um abitur, o equivalente a um diploma de ensino médio, pois abandonara os estudos depois do primeiro ano. Parecia haver chegado a um beco sem saída. Impedido de preparar-se para uma carreira artística, o jovem não tinha perspectivas de escapar a uma vida de pobreza e à cansativa rotina de um operário.

Durante os 35 anos seguintes, Adolf Hitler não esqueceu o golpe que recebeu no gabinete do diretor naquele dia de outono. Alimentou um forte ressentimento contra o elitismo educacional, mesmo após ter sido nomeado chanceler da Alemanha e dirigente de um dos mais poderosos países do mundo. Alguns historiadores, em interpretação posterior, argumentam até que a rejeição sofrida na Academia de Viena influenciou sua tentativa futura de refazer a cultura alemã, de acordo com gostos e idéias próprios. No entanto, examinando a infância de Hitler, é difícil compreender as razões da intensidade dessa amargura. Embora seus escritos sobre a própria juventude apresentem um quadro de pobreza cruel e humilhação, a evidência atualmente disponível mostra que ele teve uma educação austríaca completamente convencional.

Mas, se não houve nada de muito extraordinário ou trágico no passado de Hitler, existiram, porém, alguns elementos negativos que possivelmente, deixaram-lhe marcas: seu pai, Alois Hitler, foi o filho ilegítimo de Ana Schicklgrüber, que mais tarde casou-se com um moleiro desempregado, chamado Hiedler. A identidade do pai de Alois nunca foi definitivamente esclarecida, mas ele tomou o nome do padrasto, que escreveu Hitler. Alois casou-se três vezes, a última delas com Klara Pölzl, 23 anos mais moça do que ele e filha de seu primo-irmão. Desse casamento nasceu Adolf Hitler, em 1889.

O pai tirano

De acordo com a maioria dos relatos, Alois Hitler foi um tirano que dirigia sua família tão despoticamente quanto agia no escritório alfandegário, onde era inspetor-chefe. Era”um decidido campeão da lei e da ordem”, como a notícia de sua morte o descreveu. Morreu quando Adolf tinha 14 anos. Sob a vigilância constante do pai, o menino havia sido um bom estudante nos primeiros anos de curso, mas, quando chegou aos 12 anos, mesmo a pressão paterna foi inútil para mantê-lo junto aos livros. E, depois da morte do pai, permaneceu na escola por apenas dois anos mais.

As pessoas da cidadezinha austríaca onde o menino Adolf cresceu lembram-se dele como um garoto independente, mas muito solitário. Os livros que lia limitavam-se a aventuras e histórias militares. Sobre essas leituras, ele escreveu mais tarde: “Eu parecia viver as gigantescas batalhas no mais íntimo do meu ser”.

Esse traço militarista do caráter de Hitler era visível, mesmo quando ele brincava. Os únicos jogos que o atraíam eram os jogos de guerra, nos quais ele mesmo nunca era um combatente, sempre um estrategista. E era sempre o chefe. Um de seus professores do colégio recordou mais tarde: “Ele era teimoso, arrogante e irascível... Além disso, era preguiçoso... Reagia com indisfarçável hostilidade ao conselho ou à punição”.

Nos dois anos que se seguiram à sua saída do colégio, Adolf levou a vida copiando desenhos e aquarelas e sonhando com sua carreira de artista. Embora convivesse intimamente com a mãe e a irmã, Paula, socialmente tornou-se mais solitário que nunca. Não via os antigos colegas de colégio e não freqüentava nenhum dos vizinhos. Seu único amigo dessa época foi August Kubizek, o filho de um tapeceiro. Gustl, como Adolf o chamava, era a companhia ideal para o jovem Hitler. Também abandonara os estudos, alimentava ambições artísticas- queria ser músico- e, o mais importante, era um ouvinte nato. Naquela altura o dom natural de Hitler para a oratória já começara a aparecer e Gustl ouvia as efusões do amigo durante horas. “Não era o que ele dizia que mais me atraía”, lembrou-se Kubizek muitos anos depois, “mas a maneira como dizia”.

Embora tivesse uma mãe que o amava, uma audiência atenta, nenhuma responsabilidade e a família estivesse estabelecida em Linz, capital da Alta Áustria, Adolfcontinuava inquieto. Aquela era a maior cidade em que já vivera; mas essa capital provincial não poderia oferecer-lhe os canais necessários à sua realização como artista. Foi assim, então, que o jovem partiu para a cidade grande: Viena.

Na primeira década do século passado, a capital da Áustria era uma das mais brilhantes cidades da Europa. Assemelhava-se a Paris, enquanto centro cultural. Música, literatura e pintura floresciam ali e, após algumas visitas, Hitler decidiu que aquele era o lugar para ele. Em 1907 completou 18 anos e herdou sua parte de dinheiro deixada pelo pai. Imediatamente tirou tudo do banco- 700 kronen eram suficientes para viver confortavelmente durante um ano- e partiu para se tornar um estudante na famosa Academia de Belas-Artes de Viena.

A vida de Hitler em Viena começou com um insucesso. Quando sua admissão na Academia foi recusada foi recusada pela primeira vez, sofreu um duro golpe. “Eu estava tão certo de ser bem sucedido”, escreveu mais tarde, “que a notícia de minha reprovação pegou-me completamente de surpresa, como um raio vindo do céu”. Mas o destino reservava-lhe ainda outro desastre: poucos meses depois, em 21 de dezembro de 1907, sua mãe morreu.

Gustl Kubizek continuou morando com o amigo em Viena por uns tempos, mas Hitler parecia ter pouca capacidade para relacionamentos pessoais. A segunda rejeição da Academia foi a última gota. Quando Kubizek viajou a Linz para visitar os pais, Adolf desapareceu sem deixar vestígios.

Excentricidades e revoltas

Os seguintes cinco anos e meio viram o jovem Hitler tornar-se cada vez mais isolado e excêntrico. Ele tinha algum dinheiro mas vivia como um vagabundo, perambulando sem objetivo pela cidade grande, dormindo em quartos baratos ou abrigos municipais, alimentado-se de pão, leite e daquilo que conseguia arranjar nas sopas das cozinhas de igreja. Mesmo depois que a sua pequena pensão foi suspensa, em 1911, nunca teve um trabalho regular. Mantinha-se como artista autônomo, pintando cartazes de propaganda ou fazendo cópias de edifícios em aquarela para vender como cartão-postal. Ocasionalmente aceitava empregos como limpador de neve ou para carregar bagagens na estação ferroviária e, como último recurso, pedia dinheiro a uma tia solteira de Linz.

Aparentemente não fez amigos durante esse período, nem se interessou por mulheres. Os outros desocupados que o conheceram nos abrigos da cidade recordam-se dele como preguiçoso e mal-humorado, mas muito austero. Nunca fumou, nem bebeu, e parecia apreciar pouco os prazeres da vida. Seu único entretenimento era a ópera. Não tinha gosto especial pela música, mas amava o espetáculo- especialmente as grandiosas e melodramáticas obras de Richard Wagner, que glorificavam o passado mitológico da Alemanha.

Foi nessa época que a honra da Alemanha e dos alemães começou a preocupá-lo de forma crescente e a política tornou-se seu assunto favorito. Além disso, Viena era uma das muitas cidades européias cheias de desajustados solitários e infelizes, e de organizações cujos membros imaginavam poder resolver os problemas do mundo. Por isso, não é de se surpreender que o jovem solitário de Linz, sem amigos, sem ocupação, sem dinheiro e sem perspectivas fosse atraído por um desses grupos.

Uma das opiniões mais generalizadas entre os pobres e desesperançados de Viena- e também entre muita gente da classe média e alta- era a de que os problemas da Áustria e da Alemanha decorriam da mistura racial. Hitler lia regularmente uma revista popular de Vienana chamada Ostara , que afirmava ser o louro povo alemão (os arianos, como então eram chamados) uma raça superior, destinada a dominar a terra, e que todos os problemas da sociedade eram conseqüência contaminação dessa raça por pessoas inferiores, mais escuras. Como resultado disso, ciganos, eslavos e principalmente judeus foram apontados como inimigos da pureza étnica da “raça ariana”.

O anti-semitismo- ódio aos judeus- tinha uma longa história na Áustria. Na verdade, esse era um preconceito comum naqueles dias, especialmente entre aqueles que se consideram membros de uma “sociedade bem-educada” e modelos de respeitabilidade. Oanti-semitismo tornou-se uma das obsessões de Hitler.

Embora, nessa época, Adolf falasse sobre política, a qualquer hora, com qualquer pessoa que o escutasse, e tendesse a ficar particularmente histérico quando discutia o destino glorioso dos alemães e a terrível ameaça representada por judeus e comunistas, não havia ainda pensado em abraçar ativamente uma carreira política. Ainda se considerava um artista à espera de reconhecimento. O governo da Áustria, no entanto, via-o apenas como mais um jovem desempregado e como alguém que estava na época de prestar serviço militar. Hitler deixara de se inscreverem Linz e havia perdido todo o contato com a família. Por isso, a polícia seguira sua pista até Viena e, embora ainda não o houvesse localizado entre os vadios dos abrigos municipais, isso era apenas uma questão de tempo.

Em 1913, o jovem Adolf decidiu que estava na hora de se mudar. Mais tarde ele escreveu que fora atraído por Munique, além da fronteira com a Alemanha, por causa da vida artística que ali se desenvolvia e pela esperança de encontrar melhores oportunidades para sua carreira. Alegava também ter sido “repelido pela mistura de raças” existentes em Viena, e que sempre tivera um ardente desejo de viver na pátria do povo alemão. Contudo, parece que sua principal razão para ir a Munique foi simplesmente evitar o serviço militar no exército austríaco.

Idéias populares na época:
anti-semitismo e glória alemã

De qualquer forma, um mês depois de seu vigésimo quarto aniversário, com todos os seus pertences numa maleta, Adolf Hitler deslizou silenciosamente através da fronteira. Durante os cinco anos que vivera em Viena não fizera amigos, não ganhara dinheiro, não aprendera nenhum ofício e não adquirira um rumo na vida. O que Viena lhe havia ensinado só se tornaria visível anos depois: ensinara-o a sobreviver. A vida na capital austríaca endurecera-o, aguçara seus sentidos e, talvez o mais importante, fornecera-lhe argumentos para sua satisfação. As duas idéias populares na capital austríaca- o anti-semitismo e a glória alemã- acabariam por modelar o seu destino.

“Viena foi uma dura escola, mas ensinou-me as lições mais profundas de minha vida”.
Adolf Hitler em Mein Kampf, 1924

Em Munique, Hitler voltara ao seu circuito sem destino de quartos baratos e tentativas de vender seus desenhos em bares. Viveu assim por oito meses, até que, em janeiro de 1914, as autoridades austríacas finalmente o localizaram e o prenderam como desertor do serviço militar. Mas ele conseguiu sair da enrascada. Em vez de ser deportado para Linz e, muito provavelmente, posto na cadeia, foi perdoado e recebeu permissão para apresentar-se em Salzburgo, onde o médico do exército considerou-o inapto para qualquer tipo de atividade militar. No relatório, o examinador afirmou que Adolf Hitler era muito fraco, incapaz de carregar armas.

Depois desse episódio, e sem uma palavra para a família ou conhecidos, Adolf imediatamente voltou a Munique e à sua vida de artista faminto. Continuou lendo avidamente os jornais, apregoando suas crenças políticas a qualquer um que o escutasse, e dizendo que pretendia entrar numa escola de arte. Mas não fez nenhum esforço real nesse sentido.

Se a vida pessoal de Hitler não mostrava possibilidade de mudança, o mundo a sua volta estava em vias de desintegração. No dia 28 de junho de 1914, seis meses depois de ele ter voltado a Munique, a Europa foi abalado com a notícia de que o arquiduque Francisco Ferdinando, o herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, fora assassinado por um terrorista sérvio. Exatamente um mês depois, a Áustria declarou guerra a Sérvia. Era o início da Primeira Guerra Mundial.

Hitler entusiasmou-se. Após uma vida monótona de pobreza e humilhações, ele via a oportunidade de se envolver ativamente em alguma coisa. Uma guerra na Europa transformaria tudo, talvez destruísse a ordem social existentee produzisse a ascenção daquele grande poder alemão que acreditava ser a esperança do mundo. Dez anos mais tarde, em seu livro Mein Kampf (Minha Luta), ele descreveria sua emoção quando soube que a guerra havia rebentado: “Tomado de um entusiasmo arrebatador, caí de joelhos e agradeci aos Céus, com o coração transbordando, por ter-me concedido a fortuna de poder viver nesse tempo”.

Hitler não desejara lutar pela Áustria- fugira de Viena para evitar isso-, mas era aproximadamente leal à causa da Alemanha. Estava disposto a se engajar numa luta pelo nacionalismo alemão e pela antiga glória da “pátria”. Por isso, mesmo não tendo sido convocado para apresentar-se para o serviço militar- fora declarado incapaz na Áustria e ainda não era um cidadão da Alemanha-, apresentou-se como voluntário para servir no exército alemão.

Em tempo de guerra, os registros médicos não eram rigorosamente conferidos e os exames físicos eram quase fortuitos. Foi aceito sem comentários e, em uma semana, era o soldado Hitler, do 16 Regimento de Infantaria da Reserva da Baviera.

Adolf Hitler foi um soldado. Mais tarde, seus inimigos políticos tentaram provar que havia sido covarde, mas os arquivos do exército alemão mostram claramente que ele foi um homem de infantaria dedicado, leal e corajoso. Hitler lutava por uma causa e nenhum soldado luta tão bem quanto aquele que realmente acredita em sua missão. Ele havia sonhado com batalhas, quando ele era apenas um garotinho, e agora, seu sonho de infância tornou-se realidade. Um membro do regimento, lembrando-se como o jovem Adolf reagiu ao receber seu primeiro fuzil, contou: “Ele olhou a arma com prazer, como uma mulher olhando suas jóias”.

Carlos Augusto Ferreira Figueira é estudante de história e vem pesquisando o nazismo e a Segunda Guerra em todas as suas problemáticas.

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