Há um tempo, estive conversando sobre arte e artistas sob a visão de Freud e outros da psicanálise. Havia textos de referência e um deles dizia: "O artista, como o neurótico, abandonou a realidade insatisfatória e retirou-se para um mundo imaginário. Mas, ao contrário do neurótico, consegue reencontrar o caminho de volta e recupera o pé na realidade. As suas criações, as obras de arte, são compensações imaginárias de desejos inconscientes, tal como os sonhos (...). Mas, ao contrário das produções associais narcisistas do sonho, elas suscitam a simpatia dos outros homens, porque têm o poder de despertar e de satisfazer neles as mesmas aspirações inconscientes de desejo".(Freud - A minha vida e a psicanálise).

Então, me ponho a delirar... Realmente, não deixa de ser um fato curiosíssimo, a mulher ser menos freqüente nas artes, ou melhor, não ter a mesma notoriedade, em termos quantitativos, que o homem. E daí, desconsiderando todos os incidentes históricos de uma sociedade essencialmente machista, e considerando apenas a essência humana, fico pensando neste "abandono da realidade insatisfatória", dito acima, como cabível ao homem na questão da maternidade. A mulher acaba sendo a maior responsável pela criação maior, gerando e "assinando" a obra admirável e admirada, que é a vida.

A mulher é vista, quase sempre, como a inspiração. Sendo assim, é a arte em pessoa a ser revelada pelo artista. Pela lei natural, o homem pára, admira e revela o belo de sua musa, enquanto esta o abastece de elementos para tal, o que não deixa de ser pura arte. Ela é continente do belo. E, tranqüila por já ser a artista do milagre da natureza humana (embora tendo tido também a colaboração do homem),sente-se duplamente contemplada e satisfeita. Portanto, neste caso, sem a necessidade da fuga artística subliminar.

Em outro trecho de "A criação literária e o devaneio", Freud afirma : "O criador de arte atenua o caráter redundante do devaneio diurno egoísta por meio de alterações e véus, e seduz-nos através de um benefício de prazer, puramente formal, isto é , através de um benefício de prazer estético que nos oferece com a representação dos seus fantasmas".

Visto isto, torna-se coerente acreditar que, através de "alterações e véus", também as mulheres se sintam mais à vontade, para se colocarem no mundo historicamente machista das artes. Como seres humanos que são, estas mulheres também podem se beneficiar deste mesmo processo velado, de sedução. Os habitantes fantasmagóricos dos devaneios , criaturas aprisionadas no inconsciente, que escapolem às vezes, assombrando sonhos e desejos , também existem nelas. Assim, através de “alterações e véus”, inclusive para lidar com as relações de poder, a mulher vem conquistando seu espaço. Seja nas artes plásticas, cênicas, literária, na criação de moda, etc, etc, etc, e hoje até na política.

Enfim, nenhuma artista terá que perder sua feminilidade para passear pelo mundo das artes. Talvez, apenas tenha que assumir suas insatisfações e seus fantasmas e liberá-los artisticamente, entre véus, cores, palavras, formas, movimento, sons, e mais, com a mesma sensibilidade que lhe é peculiar.

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