– Olá, José Menezes, olá Wanderley
Mayhé. Contem como foi que vocês começaram
a se interessar por quadrinhos. O que os levou a tal interesse?
–
Ah, isso vem desde que eu era criança. Epa, falamos juntos
(risos)!
Mayhé
– Eu me lembro de colecionar as HQ’s do Superboy
da Ebal. Meu negócio na época era Superman. Eu
sabia tudo dele, até quem eram os tios do miserável.
(risos). Colecionava tudo. Acho que aquilo foi o estopim para
eu querer aprender a desenhar.
- Como foram seus primeiros contatos e tentativas de publicação
com editoras? Vocês conseguiram publicar de uma vez ou
padeceram um pouco?
– Eu saí do quartel aos 22 anos e consegui uma
vaga na Rio Gráfica e Editora pra fazer o trabalho de
paste-up, que é adaptar os desenhos originais ao formato
dos quadrinhos brasileiros, por volta de 1976. Havia a diferença
entre o formato deles e o chamado “formatinho”,
no Brasil, aquelas revistinhas tipo as da Mônica e Cebolinha
que todo mundo conhece. Na hora de fazer a adaptação
os desenhos originais precisavam ser completados ou cortados
em certos pontos. O paste-up serve para manter a estética
do trabalho, inclusive alterando o formato dos balões,
para adaptar a tradução. Desenhávamos sobre
o original. O paste-up era o primeiro passo para quem queria
transformar-se em desenhista.
– Hum... era uma forma muito bacana de fazer o treinamento
dos futuros profissionais. Hoje damos nomes estrangeiros a isto:
mentoring, coaching e coisas do tipo. Mas ao que parece, como
as editoras brasileiras não têm interesse em criar
títulos nacionais e muito menos abrir espaço para
novos talentos. Muita gente com potencial não tem uma
chance porque normalmente se quer que já tenha publicado
algo, por exemplo. Mas como é que alguém vai publicar
algo se não há uma chance de entrada no meio ou
uma chance de aprender fazendo? Hoje os editores preferem receber
projetos já prontos para ver se vale ou não a
pena publicar. E você, Menezes? Chegou a criar personagens
tipicamente brasileiros?
Menezes
- Criei uma história baseada na Invasão Holandesa
a Pernambuco, passada em 1630. Nunca foi publicada porque os
editores acharam que o assunto não interessaria a ninguém...
– Imagino o quanto eles subestimavam o público...
Ainda hoje muitos subestimam. Quando criança sempre adorava
ler HQ`s em livros didáticos. Era muito mais informativo
e facilitava enormemente o aprendizado, pois a associação
entre imagens e textos comunica mais. Excetuando-se os personagens
do Ziraldo e, mais ainda, os do Maurício de Souza, praticamente
nenhuma outra HQ genuinamente brasileira teve longevidade...
- O
editor quase sempre quer o retorno em curto prazo. É
mais fácil importar. O Maurício de Souza teve
suporte comercial da Cica quando o Jotalhão passou a
ser veículo para o extrato de tomate elefante. O Ziraldo,
que agora vem tentando manter o Menino Maluquinho, teve muitas
dificuldades com o Pererê. Hoje meio sumido...
- Ah, você ainda não falou sobre sua “origem”
como quadrinhista.
- Meu
pai também desenhava e foi o grande incentivador. Foi
olhando os desenhos de bichos que ele fazia que me interessei
pelo assunto. Eu ganhava sempre a revista "O Tico-Tico",
olhava as figuras e já gostava dos quadrinhos. Depois
que aprendi a ler, juntava as moedas que ganhava fazendo tarefas
domésticas e ia comprar os gibis. Gostava muito de "Chiquinho
e Benjamin", desenhada por Loureiro que era uma cópia
de "Buster Brown" de Outcault, editado na América.
e
– Caramba! Nessa época nem pensávamos em
nascer! (risos)
–
Ah, você já estava programado, hein, Wanderley.
Só o Hollanda que é garoto é que os deuses
ainda estavam projetando (risos). Mas continuando, eu gostava
das histórias ilustradas por Oswaldo Storni. Muitos anos
depois, viria descobrir Alex Raymond, do Flash Gordon, que passei
a copiar...
– Menezes, no meu caso tive a sorte de conseguir aquele
“treinamento”, como o Hollanda falou. Mas no seu
caso parece que não foi um mar de rosas, não é?
–
Os primeiros contatos foram um tanto frustrantes. Bem cedo fiz
uma história passada na Amazônia, baseada no desaparecimento
dos explorador Fawcett, que me motivou a fazer umas sessenta
tiras, mas ninguém quis publicar. Na verdade, comecei
com quadrinhos em 1952, na revista O Sesinho, patrocinada pelo
Sesi, onde publiquei curiosidades sobre animais. Fiz outras
histórias sobre assuntos brasileiros e só consegui
vender uma para o México.
– Na RGE acabávamos tendo que copiar mesmo. Só
depois de um tempo é que passamos a desenhar com nosso
próprio traço. Mesmo assim o traço tinha
que ser um tanto semelhante ao do Sy Barry e de outros desenhistas
clássicos do Fantasma, do Mandrake e por aí afora.
Só ao Júlio Shimamoto, de quem o Hollanda é
fã, é que permitiam o uso do próprio estilo
sem ressalvas. Ali ele usava bastante aquele desenho bem escuro,
como fazia com as HQ’s de terror que produzia, com o Fantasma
todo musculoso. Ficava legal. Mas enfim, copiávamos muito
dos americanos antes de ser possível fazer algo nosso
mesmo. Depois das revistinhas do Mandrake e do Fantasma, tinha
a Bolota, Riquinho, Popeye, Recruta Zero...
Clique
na imagem e veja-a ampliada. Aguarde uns 20 segundos para
total abertura. |
– Enfim, vocês desenvolveram estilos extremamente
variados de trabalhos. No Brasil a gente tem que fazer de tudo.
Os quadrinhistas norte-americanos têm uma equipe meio
grande, não?
–
Eles tinham roteirista, desenhista, arte-finalista, colorista
e letrista. Hoje, talvez por causa do computador, esse monte
de gente pra fazer uma história deve ter-se reduzido,
mas mesmo assim ainda é uma equipe de que nós
aqui normalmente não dispomos. Os desenhistas de lá
costumam utilizar-se de modelos vivos. Aqui a gente não
pode arcar com esses custos. Quadrinhista brasileiro vive numa
correria danada e as editoras normalmente põem os preços
lá embaixo. A gente olha pro desenho que fez e nunca
fica satisfeito, nunca acha bom, mas a pressão é
tão grande que acabamos por entregar assim mesmo. Mas
nossos artistas são tão bons que mesmo com toda
essa correria eles conseguem fazer trabalhos de alta qualidade.
– É verdade. Mas falta em muitos quadrinhistas
brasileiros de hoje o que costumo chamar de “injeção
de autonomia”. É claro que há casos diferentes
e há pessoas que realmente não tiveram oportunidade.
Mas é preciso que todos se conscientizem de que são
profissionais liberais. No seu tempo se justificava a busca
por um patrono ou um patrão, pois era uma outra conjuntura
e não havia outro jeito. Mas hoje não podemos
ficar à espera de uma autoridade, de um padrinho. Temos
que fazer por nós o que os grandões não
se interessam em fazer. Quem já pode dispor de um computador
com uma boa performance em programas gráficos tem em
mãos uma possibilidade de ser mais ou menos independente.
–
Pois eu também acho assim. Na época em que eu
desenhava o Jim das Selvas volta e meia me pegava achando que
a lâmpada do estúdio estava muito forte. Só
depois é que notava que havia virado a noite trabalhando
e o sol já tinha nascido fazia tempo. Tomava um banho
bem frio pra me manter acordado e ia trabalhar em outras coisas
mais rotineiras. Mesmo assim ficava doido pra que chegasse a
noite para poder retornar aos quadrinhos. É a vida da
gente. É a fantasia de quem ama o que faz.
Alguns trabalhos de Menezes expostos no dia 6 de agosto na ABI,
no Rio de Janeiro.
Clique para ampliar
–
Na Rio Gráfica nunca houve intenção em
publicar quadrinhos genuinamente brasileiros, como foi o caso
da Vecchi?
– Não. Exceto talvez na época do Menezes,
acho, quando era publicado o GIBI, aquela revista enorme, do
tamanho de um jornal. Os personagens estrangeiros vendiam bem,
não interessava a eles produzir coisas nacionais. Como
já dissemos, não podíamos nem mesmo ter
um estilo próprio, exceto se ele fosse muito próximo
ao do americano.
- Agora uma coisa meio besta, mas que sempre me intrigou: por
que cargas d’água o Fantasma usa aquela cueca listrada
pra fora das calças? Ela parece com aquelas faixas de
“proibida a entrada” ou “não ultrapasse”,
com listras pretas e amarelas. (risos)
– Isso o Menezes deve saber melhor do que eu. Quando eu
trabalhei lá ele escrevia as histórias do Fantasma
e eu e mais alguns caras da equipe desenhávamos. O que
fiquei sabendo é que aquelas listras não foram
colocadas aleatoriamente. Há um motivo que é explicado
em algumas histórias antigas, que falam sobre os primórdios
da saga dos primeiros Fantasmas. Aquelas listras têm a
ver com pirataria, com a idéia de caça aos malfeitores.
Me parece que aquela estampa era usada por alguns piratas, nos
lenços de suas cabeças. A própria caveira
é um símbolo pirata.
– É como se o Fantasma estivesse fazendo o pirata
provar de seu próprio veneno, então.
–
O que o Wanderley disse é correto. Só que as listras
amarelas só eram dessa cor no Brasil. No original são
azuis e pretas. De qualquer modo a alusão a símbolos
de pirataria está correta.
– E aquela “marca do bem”? Pelo que sei ela
é um ícone com quatro espadas cruzadas. Aquelas
pontas com formato de “P” são os cabos das
espadas. Mas aquilo me sugere também uma derivação
do monograma do Cristo, aquela figura que entrelaça as
letras gregas “X” (qui) e “P” (rô).
Repito: uma derivação, não estou dizendo
que é igual. No monograma a figura parece um "X"
(xis) trespassado por um "P" (pê).
–
Só conheço a versão das espadas, mas como
você disse antes da entrevista, o artista muitas vezes
acaba representando um arquétipo sem perceber. Talvez
tenha mesmo um pouco disso.
– Agora vamos mudar um pouco o rumo de nossa conversa
e falar de um reflexo muito interessante que acontece no trabalho
artístico. Como vocês se sentem quando estão
desenhando? Quero dizer, quando fazem determinado tipo de cena,
por exemplo, uma cena de luta, vocês assumem o comportamento
dos personagens? Pergunto porque isso é extremamente
comum nas artes cênicas. Quando desenho e escrevo também
acontece muito. Volta e meia meu rosto assume uma forma coerente
com a imagem que ponho no papel. No caso do Fantasma, para vocês,
como era?
– Isso acontecia comigo mais na hora em que o fazia brigando.
Eu me pegava fazendo caretas. Me transformava bastante mesmo.
Lá no estúdio nós tínhamos um espelhinho
em cada prancheta. Eles serviam para copiarmos nossos rostos,
mãos, detalhes... enfim, era para ter referenciais como
modelos vivos (improviso de brasileiro...). Aí quando
eu olhava para o espelho durante a cena de luta era fatal: estava
fazendo careta. Nesse ponto eu me transferia mesmo. Parece que
isso acontece com todo desenhista. Já li numa reportagem
que os profissionais da Disney quando fazem uma passagem triste
fazem cara de choro sem perceber que fazem. Acho que isso acontece
porque o artista tem que sentir de fato o que faz, senão
a coisa não sai. Observe a si mesmo ao fazer uma cena
de luta. Se você desenha com a mão direita, pode
ter certeza de que seu punho esquerdo está cerrado.
– Sem dúvida. E eu pensei que essa coisa do punho
era só comigo...
– É como se a gente ficasse pronto pra dar um soco
em alguém.
– O Will Eisner, criador do “The Spirit”,
naquele trabalho “Quadrinhos e Arte Seqüencial”
tem umas revelações sobre este tipo de coisa,
especialmente sobre as mensagens subliminares que o desenhista
imprime às vezes sem saber na imagem. E muito disso vemos
na escrita também.
– Eu vi um documentário na televisão sobre
o Eisner quando ele veio ao Brasil. Ele explicou o desenho de
uma forma que eu nunca tinha imaginado. Eu sempre pensei que
desenhar quadrinhos era pegar o roteiro, desenhar e ponto final.
Mas ele fazia uma análise sobre a forma de desenhar que
nada para ele era por acaso, tudo tinha um significado.
– Pois é isso. O desenho e também o personagem
literário, tem um apelo arquetípico, mexe com
o inconsciente de quem produz e de quem lê. O processo
de identificação do fã é com a imagem,
não com a pessoa ou com o boneco, mas com o arquétipo.
Para se ter uma idéia da força das imagens sutis
contidas nas grafias, a letra “A” é a cabeça
de um boi virada de cabeça para baixo. Em sua origem
era de fato uma cabeça de boi. E olha que a primeira
letra do alfabeto hebraico, o aleph, quer dizer “boi”.
As letras gregas derivam dos mesmos caracteres que deram origem
ao hebraico que se conhece hoje e as letras de hoje no ocidente
derivam das letras gregas. Ora, o alfabeto é uma história
em quadrinhos. Cada letra tem uma pequena história, pode
representar um animal, um objeto, uma pessoa, o sol ou a lua...
Partindo desta premissa, e sabendo que ideogramas chineses,
assim como a escrita da própria Bíblia em hebraico,
encerram em si um grande conjunto de significados a cada letra
e palavra, entende-se que nunca as imagens transmitem uma só
informação. Sempre há, principalmente quando
se usa iconografia, um apelo a padrões, subconscientes
em alguns casos, inconscientes em outros, que o ser humano traz
consigo desde o alvorecer das sociedades.
– Puxa! Então, pra completar, não sei se
você sabe de um detalhe bem esquisito sobre o Eisner e
a criação do Spirit. Eu já observava isso
quando entrei na Rio Gráfica e Editora. O pessoal de
lá também percebia isso, não é,
Menezes? Posteriormente ele mesmo disse numa entrevista o que
vou dizer agora: quando ele criou o Spirit, o fez à sua
própria semelhança física. E no contexto
do personagem há o comissário Dolan. Eisner contou
aquilo que nós havíamos percebido, mas estávamos
um tanto incrédulos para associar uma coisa à
outra: “Spirit era minha imagem quando eu era jovem. Hoje,
com a idade que tenho, estou idêntico ao comissário
Doyle”. Hollanda, ele ficou igualzinho mesmo! Isso até
hoje me impressiona. É como se ele tivesse previsto a
forma que tomaria quando velho.
- Será que ele, de algum modo, se condicionou a assumir
aquela forma? Bom, realmente não sei explicar isso.
– Eu não sei o termo certo, mas o personagem é
a alma do criador, é tudo do criador, tanto física
quanto mentalmente. Para Eisner ficar ainda mais parecido com
o personagem só faltaria levantar aquele topetinho.
O Comissário Dolan com Spirit e
sua namorada. |
– Acho que é bem por aí mesmo. Os quadrinhos
são como uma versão moderna de práticas
sacerdotais antigas. Principalmente se os compararmos à
prática dos escribas. Os escribas costumavam representar
dramas divinos, até porque a escrita era uma coisa atribuída
aos deuses, especialmente Toth, no Egito, ou Hermes, na Grécia.
E a própria narrativa da vida de um faraó era
a narrativa de um épico divino, pois para os antigos
egípicios o faraó era uma representação
divina na Terra. O Menezes me contou também um episódio
muitíssimo interessante sobre esse tipo de identificação
psicológica com os personagens...
–
Fiquei só escutando, porque é impressionante o
quanto isso que vocês falaram me toca. Quando você
desenha, você incorpora o que está fazendo, não
tenham dúvida. A gente incorpora. Vou lhes dar dois exemplos
rápidos só pra ilustrar. O Gutemberg Monteiro
desenhou por mais ou menos 15 anos a dupla Tom & Jerry.
Até que a Hanna Barbera propôs “sutilmente”
a ele que se mudasse para Orlando, na Flórida. “Ou
você vai pra Orlando desenhar por computador os personagens,
ou vai deixar de desenhar a tirinha”. Ora, ele morava
com a família em Nova Iorque e eles não queriam
ir para Orlando. Gutemberg ficou numa situação
muito difícil e preferiu não viajar, perdendo
a chance de continuar a desenhar as tiras dos personagens. Agora,
ele me disse que durante umas duas semanas ele sonhava, ele
tinha a impressão de que o gato e o rato ficavam ao lado
dele se lamentando. Ele disse: “Menezes, eu sentia os
personagens tão fortes dentro de mim que eu sofria muito.”
Tenho uma caricatura dele lá em casa que tem justamente
os personagens ao lado dele chorando ao lado dele e ele também
chorando por causa da separação. Aquilo lhe era
tão inerente que ele dizia sentir como se tivesse perdido
um parente próximo.
Com relação a mim esse tipo de coisa aconteceu
muito fortemente com o Jim das Selvas. Um dia eu estava dentro
da RGE e criava o departamento de arquivo e documentação
de lá (sempre fui muito chato, um pesquisador compulsivo)
quando fui chamado à redação. “Deixou
de vir o Jim das Selvas dos Estados Unidos. Você quer
fazer?” - foi o que ouvi. Olha, Carlos, eu só não
dei um pulo e um berro dentro da redação porque
ficaria ridículo. Eu teria que desenhar e escrever. Fui
pra casa aos pulos de alegria. Bom, pra variar, o tempo era
escasso. “São trinta e duas páginas e você
só tem 15 dias pra fazer” – disse o editor.
Argh, era tudo pra ontem! Ficava várias noites sem dormir,
mas não me cansava. Leve-se em conta que um desenhista
que produz normalmente, sem correr, faz umas duas páginas
por dia, no máximo. Tem uns que fazem mais, mas para
outros isso é correr demais. Mas eu me sentia o próprio
Jim das Selvas de tanto entusiasmo.
– Você diz ser um pesquisador compulsivo. Como assim?
–
Ah, só pra você ter uma idéia, quando recebi
o “presente” de fazer o Jim das Selvas não
me contentei em fazer como o Alex Raymond, que focalizou mais
o lado aventureiro do herói. Eu queria dar um tom de
realismo na coisa e por muito tempo me correspondi com Kuala
Lumpur, na Malásia, recebendo material de pesquisa sobre
os costumes, dados turísticos, termos de linguagem, as
imagens típicas, as formas e coisas do tipo. Vou a fundo
numa pesquisa. Trabalhei por um bom tempo, seis anos, com departamentos
de pesquisa jornalística, chefiando o setor. Recebia
cartas de embaixadores e tudo. Procurei levar o Jim por toda
aquela região da Malásia. Depois de dois anos
voltou a vir o material americano e eu deixei o personagem.
Mas confesso que senti uma saudade imensa do herói.
–
E nas cenas de luta? Era como o Wanderley falou?
–
Vou te contar... soco na mesa eu dava (risos). A gente fica
muito envolvido, não tem jeito.
– Tem gente (como eu) que nos primeiros cinco minutos
após deixar a prancheta ainda pensa e age mais ou menos
como o personagem. Dizem que o Marlon Brando mantém a
personalidade fictícia por um bom tempo, quando faz um
filme.
–
Ainda mais da maneira que a gente trabalha aqui, fazendo tudo:
texto, desenho etc. Se você é tudo, você
é o Deus daquele universo e se o Deus se infunde naquela
realidade, ele é aquela realidade.
- O Fantasma tem uma série de símbolos que astrologicamente
podemos associar à dinâmica do signo de Escorpião.
Wanderley, você é escorpiano, isto é, tem
o Sol neste signo. É curioso o fato de haver uma identificação
entre seu subconsciente e o personagem e, mais ainda, é
curioso o fato de artistas com ênfases em determinados
signos colocarem-se inconscientemente em circunstâncias
tais que os levem a desenhar personagens condizentes com suas
próprias naturezas. Assim foi com Steve Ditko, um outro
escorpiano que desenhou as primeiras histórias do Homem-Aranha.
Ora, escorpiões e aranhas são aracnídeos
e nas historinhas do herói ele enfrenta umas crises de
culpa típicas do signo. Tem também o elemento
capricorniano, no que se refere a escalar (as paredes). Já
o Menezes tem muito mais a ver com o Jim das Selvas mesmo. Esse
personagem sempre me pareceu uma espécie de Tarzan vestido.
Aliás, era o Johnny Weissmuller quem fazia o personagem
no cinema e no seriado que passava na TV, o mesmo ator de Tarzan.
Ambos eram “reis das selvas” e bem que isso tem
a ver com o Sol em Leão do Menezes. Menezes, aliás,
tem um mapa típico de um escritor que também é
pesquisador. Com aquele planeta Mercúrio retrógrado
e Vênus, regente do Ascendente dele em Virgem, além
de Plutão na casa 3 temos um quadro bastante comum para
quem gosta de escrever e contar histórias após
pesquisar muito. Ah, também tem a Lua em Peixes, que
está no mapa de gente muito imaginativa, o Sol em Leão,
que sente necessidade do mito, do grandioso. São alguns
dos fatores. Notem algumas coincidências nos mapas de
vocês: Plutão, no mapa de Mayhé também
está na casa 3 e o Mercúrio dele também
está retrógrado. Quem tem essa configuração
para o “mensageiro dos deuses” normalmente tem maior
habilidade para comunicação por imagens ou por
intermédio de metáforas, de poesias. Isso não
quer dizer que não seja capaz de abstrair matematicamente,
mas a capacidade de percepção global costuma se
desenvolver mais rapidamente que o raciocínio sobre coisas
muito objetivas, como Física ou Engenharia. O Carl Sagan,
aquele astrônomo que apresentava o programa “Cosmos”
na TV, também tinha Mercúrio retrógrado.
Não admira o fato de seus escritos, especialmente o livro
“Contato” ser delicioso de se ler.
Carta astrológica de José Menezes.
Dados: 06/08/1933 - 23:40 - Rio de Janeiro-RJ
Bom, gente, pra finalizar: Wanderley, respondendo rápido:
por que no Brasil o Fantasma trajava vermelho ao invés
de roxo, que é a cor original:
– Porque no Brasil naquela época não se
encontrava o roxo original. Resposta rápida e rasteira,
mas foi isso mesmo. Foi preciso improvisar. Depois tentaram
trocar a cor, mas aí os leitores reclamaram e ficou assim
mesmo. Uma vez habituado, o leitor não gosta muito de
grandes modificações no personagem. Há
exceções. Parece que no caso do Aranha o uniforme
preto teve um tempinho de sucesso, mas logo os editores optaram
por voltar ao original.
– Menezes, os cariocas tiveram o prazer de ver seus trabalhos,
além dos de outros mestres do traço, na exposição
“Seis Ilustradores - Quadrinhos e Arte Publicitária”,
na sede da ABI - Associação Brasileira de Imprensa.
Foi no dia 6 de agosto de 2002. Você estava ao lado de
uma turma muito boa mesmo. O Benício, por exemplo, faz
cartazes sensacionais para cinema. Atualmente você tem
se dedicado mais a que tipo de trabalho?
- O
Benício têm estúdio próprio e é
sempre requisitado para cartazes de cinema. Mas, seu trabalho
está dirigido para a publicidade. Quanto a mim, faço
ainda argumentos para editoras de São Paulo, ilustrações
para livros-didáticos e desenhos de autores brasileiros
para o Jornal de Letras, editado pela Academia Brasileira de
Letras.
- Na época em que vocês começaram a trabalhar
no Fantasma, Menezes desenhava e escrevia, não? Wanderley
só desenhava, correto? Sabemos que muitos artistas tendem
a viver situações um tanto paralelas ao que vêm
produzindo (por escrito, nos desenhos ou no palco). Como andava
a vida de vocês nas respectivas épocas? Refiro-me
à vida conjugal, aos amigos, saúde, finanças...
- O
Fantasma foi um caso curioso. Passei a me interessar pelo herói
quando trabalhava na Rio Gráfica, pois era a revista
que mais vendia. Em 1970, entrevistei em São Paulo, Lee
Falk, e curiosamente, ele me disse que gostava mais do Mandrake.
Em 1971, passei a desenhar e escrever o Fantasma, por coincidência
quando nasceu o meu caçula. Meu relacionamento dentro
da Rio Gráfica era ótimo e, nessa época,
era também coordenador editoral da Editora Expressão
e Cultura, ganhava bem e o Rio não tinha nenhuma violência.
Era, então, a Cidade Maravilhosa...
– Foi um dos melhores períodos em minha vida, onde
trabalhos freelancer não faltavam. Eu era uma máquina
de trabalho na época. Virava noite como o Menezes e,
pelo jeito, como você faz atualmente. Estava com 24 para
25 anos. Minha primeira TV a cores eu paguei trabalhando pra
uma empresa que tinha um escritório na Av. Presidente
Vargas, no Rio, fazendo letrinhas pra balões de HQ’s
americanas. Eu fazia os textos e minha esposa ia colando nos
quadrinhos. Depois, com o desenho mais apurado, passei a pegar
freelas de desenho mesmo. Enfim, foi uma época muito
boa, seja em termos financeiros, seja afetivamente. Não
tinha filhos na época, então estávamos
namorando bastante. Gozado que eu não me ligava muito
em carro. Na época não estava motorizado e mesmo
assim não tinha tempo ruim para passear. Não tinha
preguiça de nada.
Rapaz, eu sempre tive um pé atrás com aquele
pessoal que costuma dizer que prevê futuro, que resolve
a vida e “traz o amor em três dias” (risos).
Isso que você faz me parece interessante...
Wanderley Mayhé - Dados: 10/11/1953
- 19:30 - Rio de Janeiro - RJ
– Você é escorpiano com Ascendente em Gêmeos
e Lua em Capricórnio. Não é tão
incomum esta sua reação. A combinação
Escorpião/Capricórnio geralmente está no
mapa de pessoas um tanto desconfiadas. Quanto a seu bom humor
ele está bastante de acordo com seu Ascendente. Você
é bastante comunicativo. Note que todas as vezes que
nos falamos pelo telefone nunca conseguimos levar menos que
20 minutos, mesmo que seja falando abobrinhas. Gêmeos
é por excelência o signo da comunicação.
O comportamento do tipo geminiano também costuma ser
bastante cético, questionador e com bem menos certezas
que dúvidas. Só precisa se aprofundar um pouco
mais nas coisas para que suas dúvidas não o atormentem
tanto. Bom, não vamos interpretar seu mapa todo, mas
tem muita coisa a ser vista nas configurações,
especialmente aquela artística conjunção
de Vênus com Netuno que o Menezes também tem. Aqui
só falei rapidamente de alguns pontos isolados.
Bom, gente, agradeço a presença de vocês
aqui e o fato de compartilharem algumas de suas experiências.
Espero que os leitores possam extrair daqui um bom material
para reflexões.
Um grande abraço.
Veja como complemento a
esta entrevista,
a matéria “Arte e Significado”.