Arte e Significado
Por Antony e H.W. Janson
Extraído do
livro: "Iniciação à História da Arte"
- ed. Martins Fontes
Imaginação
Todos nós sonhamos. Sonhar é uma das formas de atividade
de nossa imaginação. Imaginar significa simplemente
formar uma imagem - um quadro - em nossa mente. Os seres humanos não
são as únicas criaturas dotadas de imaginação.
Até mesmo os animais sonham. No entanto, é claro que
existe uma profunda diferença entre a imaginação
humana e a dos animais. Somente os homens são capazes de comunicar
entre si o conteúdo de sua imaginação, através
de relatos orais ou criação de imagens.
Há muitas formas diferentes de ativar nossa imaginação.
Quando estamos doentes e acamados, sem nada para fazer, uma simples
fenda no teto, na qual concentramos nosso olhar, pode começar
a adquirir a forma de uma árvore ou de um animal. Nossa imaginação
acrescenta os traços que antes não se encontravam ali.
O mesmo acontece com uma mancha de tinta que nos faz lembrar de outras
coisas, embora tenha sido feita por acaso.
Os
psicólogos sabem disso e criaram testes com manchas de
tinta para descobrirem como funciona nossa mente, já
que cada um de nós, dependendo do tipo de pessoa, vê
uma imagem diferente na mesma mancha.
A imaginação é uma das facetas mais misteriosas
da humanidade. Pode ser vista |
Mancha feita aleatoriamente em papel dobrado. Método
de investigação da projeção psicológica
da personalidade conhecido como Teste de Rorschach
ou Teste dos Borrões.
E você, leitor, o que vê? |
como o elo de ligação entre o consciente e o subconsciente,
onde se dá a maior parte de nossa atividade cerebral. É,
por assim dizer, a cola que mantém unidos a personalidade, o
intelecto e a espiritualidade do homem. Por ser suscetível de
reagir aos três, a imaginação atua segundo formas
sistemáticas, embora variáveis, que são determinadas
pela psique e pela mente.
A imaginação é importante porque nos dá
condições de conceber todos os tipos de possibilidades
futuras e compreender o passado de um modo realmente valioso para a
sobrevivência. É uma parte fundamental de nosso modo de
ser. A capacidade de produzir arte, entretanto, deve ter sido adquirida
há relativamente pouco tempo, no curso da evolução.
Não temos acesso ao registro das formas mais primitivas da arte
criada pelo homem. Há aproximadamente dois milhões de
anos, o homem vive na Terra, mas a arte pré-histórica
mais antiga de que temos conhecimento foi criada há somente cerca
de vinte e cinco mil anos*, embora tenha sido, sem dúvida, a
culminação de um longo processo de evolução
a cujas origens somos incapazes de remontar. Até mesmo a arte
etnográfica mais "primitiva" representa um estágio
tardio de desenvolvimento no interior de uma sociedade estável.
Quem eram os primeiros artistas? Com toda probabilidade, eram os xamãs.
Como o lendário Orfeu, acreditava-se que eles tivessem uma capacidade
divina de inspiração, podendo descer às profundezas
do subconsciente através do transe e, ao contrário dos
simples mortais, retornar em seguida ao mundo dos vivos. Com sua capacidade
exclusiva de penetrar o desconhecido e com seu talento excepcional para
expressá-lo através da arte, o xamã adquiriu o
controle sobre as forças ocultas da natureza e do homem. Mesmo
hoje, o artista continua sendo um mágico cuja obra é capaz
de nos seduzir e emocionar - fato embaraçoso para o homem civilizado,
que não renuncia facilmente à sua veneração
pelo controle racional.
Arte e Significado
O que é a arte? Por que o homem a cria? Poucas perguntas são
capazes de provocar um debate tão caloroso e resultar em tão
poucas respostas satisfatórias. Mas se não conseguimos
chegar a uma conclusão definitiva, há, no entanto, muitas
coisas que podemos dizer. Certamente, uma das razões pelas
quais o homem cria é um impulso irresistível de reestruturar
a si próprio e a seu meio ambiente de uma forma ideal.
A arte representa a compreensão mais profunda e as mais altas
aspirações de seu criador; ao mesmo tempo, o artista
muitas vezes tem a importante função de articulador
de crenças comuns. Eis por que uma grande obra contribui para
nossa visão de mundo e nos deixa profundamente emocionados.
Uma obra-prima tem esse efeito sobre muitas pessoas. Em outras palavras,
ela é capaz de suportar a análise mais minuciosa e resistir
ao teste do tempo.
A arte nos dá a possibilidade de comunicar a concepção
que temos das coisas através de procedimentos que não
podem ser expressos de outra forma. Na verdade, uma imagem vale por
mil palavras não apenas por seu valor descritivo, mas também
por sua significação simbólica. Na arte, assim
como na linguagem, o homem é sobretudo um inventor de símbolos
que transmitem idéias complexas sob formas novas. Temos de
pensar na arte não em termos de prosa do cotidiano, mas como
poesia, que é livre para reestruturar o vocabulário
e a sintaxe convencionais, afim de expressar significados e estados
mentais novos, muitas vezes múltiplos. Da mesma forma, uma
pintura sugere muito mais do que afirma. E, como no poema, o valor
da arte encontra-se igualmente naquilo que ela diz, e como o diz.
Mas qual é o significado da arte? O que ela tenta
dizer? Os artistas em geral não nos dão uma explicação
clara, uma vez que a obra é a própria afirmação.
Se fossem capazes de dá-la em forma de palavras, então
seriam escritores.
A arte tem sido considerada um diálogo visual, pois expressa
a imaginação de seu criador tão claramente como
se ele estivesse falando conosco, embora o objeto em si seja mudo.
Até mesmo as declarações mais pessoais dos artistas
podem ser comprendidas de alguma forma, ainda que apenas a nível
intuitivo. No entanto, a existência de um diálogo pressupõe
a nossa participação ativa. Se não podemos, literalmente,
falar com a obra de arte, podemos pelo menos aprender a reagir a ela.
O processo é semelhante ao aprendizado de uma língua
estrangeira. Precisamos aprender o estilo e a forma de ver as coisas
de um país, de um período e de um artista, caso queiramos
compreender adequadamente a obra. A apreciação estética
é condicionada apenas pela cultura, que é tão
diversificada que se torna impossível reduzir a arte a qualquer
conjunto de preceitos. Pode parecer, portanto, que as qualidades absolutas
da arte são enganosas e que não podemos deixar de observar
as obras de arte no contexto do tempo e das circunstâncias.
E, de fato, de que outra maneira isso poderia ser, se a arte ainda
está sendo criada à nossa volta, abrindo nossos olhos
quase que diariamente para novas experiências e forçando-nos,
assim, a reformular nosso modo de ver?