A verdadeira experiência individuadora,
a experiência essencialmen-te individuadora é
o Amor. Dito em termos práticos: é o Serviço,
o “servir ao próximo”. Mas isso já
foi dito... A experiência analítica que gera
a transformação do sujeito é o Amor.
“Amai-vos uns aos outros”, no entanto, não
significa fazer de nosso semelhante objeto do mesmo tipo
de sentimento de caráter egoísta que faz
de nós seres separados dos outros (a manifestação
mais íntima daquilo que o mestre Tibetano denomina
“a heresia da separatividade”). A afirmação
complementar mostra-nos claramente que se trata de um
sentido de unidade: “Amai-vos uns aos outros.”
O Amor é uma força de união, em todos
os sentidos. Esses dois enunciados são os princípios
essenciais da individuação (processo de
transformação positiva do indivíduo)
e da Fraternidade (processo de transformação
positiva da humanidade como um todo), respectivamente.
As pessoas devem tornar-se indivíduos (“não-divididos”,
portanto unificados em seus dois níveis: consciência
e inconsciente atuando de modo cooperativo). Os homens
devem tornar-se irmãos (unidos e enquanto indivíduos,
segundo o primeiro princípio, preservando as suas
diferenças; cooperando).
A essencia da vida não é nem a necessidade,
nem o poder mas o Amor. O Amor é o poder que não
escraviza mas liberta, pois liberdade é união.
A verdadeira liberdade é servir ao outro, é
doar-se. O amor é, “a virtude que dá”
(Nietszche). Doar ou Amar é permitir-se impregnar
pelo Todo “em que vivemos, nos movemos e temos o
nosso ser”, para agir para agir Nele inspirado.
Ser conduzido pelo Cosmos permitindo-o agir através
de nós. E ao agir através de nós,
o Cosmos faz agir o indivíduo, a singularidade
criativa que somos, levando-nos a cumprir nossa parte
na Grande Obra Universal. A nossa “tarefa”,
nossa “missão”, aquilo que nos foi
requisitado realizar, a participação construtiva
que é dada a cada indivíduo realizar, única
e intransferível.
O dom do Todo, que “atravessa nosso ser”
e que “nos inspira” ou “que nós
inspiramos no Ser” é o Pneuma dos gregos,
a Anima dos latinos, o Ka dos egípcios, o Atma
hindu, o Tao chinês, o Espírito Santo cristão.
E ao atravessar-nos ele nos incita a criar laços.
Como na famosa passagem de “O pequeno príncipe”,
de Saint-Exupéry: “O que quer dizer cativar?”
Cativar, no sentido amoroso da expressão, quer
dizer “criar laços”. O Amor não
escraviza (torna cativo, no outro sentido: prende, cerceia,
nega) mas liberta (cativa, inspira, apaixona, guia, une),
unifica preservando as diferenças individuais,
as singularidades.
Doar-se é a condição para romper-se
os vínculos narcísicos com o eu e o mundo.
“Apagar a história pessoal” e “parar
o mundo”, na terminologia de Castaneda (conferir
os 2 capítulos com esses nomes em “Viagem
a Ixtlan”). Desfazer o eu e o mundo são também
a condição para criar e curar-se da “imobilidade
psicológica” e do “isolamento social”
( da neurose e da alienação). Como afirma
Octavio Fernández Mouján, em seu belo “La
creación como cura”, viver positivamente
o que ele denomina “crise vital”, abrir um
“espaço quântico” na existência,
só é possível à força
de um desapego criativo: renunciar ao velho para dar passagem
ao novo “em si-mesmo” e “no mundo”.
Renunciar ao eu e aos objetos como “forças
de identificação”.
Talvez o que Freud chamou “pulsão de morte”,
Nietszche, “vontade de poder” e Marx “luta
de classes”, essa força que aparece ora como
dramaticamente entrópica (em Freud), ora como tragicamente
excessiva (em Nietszche), ora como determinantemente antagônica
(em Marx), cindindo interna e externamente a existência
humana (isto é, psicológica e socialmente;
individual e coletivamente), a Morte, a Embriaguez ou
o Ódio, como símbolos do Ser, talvez, dizíamos,
essa força possa ser vivida diferentemente...
Concebida, visualizada, direcionada e posta em movimento
sob a forma do Amor, ela deverá atuar como união
de opostos. Graças a um esforço coletivo
crescente dos homens, a partir de cada indivíduo,
em seus “pensamentos palavras e obras”. Pois
os pensamentos e as palavras preparam a ação.
Essencialmente e mais profundamente: “a energia
segue o pensamento”.
Ou como dizia o grande místico espanhol Vicente
Béltran Anglada, a ação criativa
dos devas, a energia construtora de formas na Natureza,
segue o planejamento mental ou inspiração
intuitiva humana ( o pensamento).