Arquétipos,
Funções e o Conceito de Self
Os arquétipos são os componentes do inconsciente
coletivo e os complexos são os componentes do inconsciente
pessoal”. Trata-se de uma maneira didática de expressar
a situação pois, na verdade, o correto seria afirmar
que “O arquétipo é o elemento coletivo do
inconsciente e o complexo, seu elemento pessoal”. Ambos
os gêneros de realidade psíquica formam uma unidade
composta, visto que o arquétipo é o núcleo
do complexo psicológico, que é constituído
de elementos de tonalidades afetivas diversas que correspondem
a variações em torno da experiência base
determinada pelo arquétipo.
“O arquétipo em si não é um
fator explícito mas uma disposição
interior que começa a agir a partir de um determinado
momento da evolução do pensamento humano,
organizando o material inconsciente em figuras bem determinadas
(...) Já me perguntaram muitas vezes donde procede
o arquétipo. É um dado adquirido ou não?
É-nos impossível responder diretamente a esta
pergunta. Como diz a própria definição,
os arquétipos são fatores e temas que agruparam
os elementos psíquicos em determinadas imagens (que
denominamos arquetípicas), mas de um modo que só
pode ser conhecido pelos seus efeitos. Os arquétipos
são anteriores à consciência e provavelmente,
são eles que formam as dominantes estruturais da
psique em geral, assemelhando-se ao sistema axial dos cristais
que existe em potência na água-mãe mas
não é diretamente perceptível pela
observação. Como condições ‘a
priori’, os arquétipos representam o caso psíquico
especial do “pattern of behavior” [esquema de
comportamento], familiar aos biólogos e que confere
a cada ser vivente a sua natureza específica. Assim
como as manifestações deste plano biológico
fundamental podem variar no decurso da evolução,
o mesmo ocorre com as manifestações dos arquétipos.
Do ponto de vista empírico, contudo, o arquétipo
jamais se forma no interior da vida orgânica em geral.
Ele aparece ao mesmo tempo que a vida.” (JUNG, 1980;
222 e p.148, nota 2)
Daqui se depreende a atribuição de um caráter
não apenas físico-químico, biológico
ou psicológico mas ontológico ao arquétipo.
Detenhamo-nos porém nos limites de nosso interesse, qual
seja, a manifestação arquetípica como fenômeno
psíquico. A partir da exposição acima podemos
adiantar que os arquétipos são responsáveis
por “comportamentos gerais”, específicos
da espécie humana visando uma finalidade. Porém
sua expressão é pessoal pois são preenchidos,
enquanto “forma geral” ( ‘pattern of behavior’
) pelos complexos como modos de efetuação individual.
Ora, os comportamentos são “formas de relações
entre o ‘eu ’ e o ‘não-eu ’”.
Os “padrões humanos coletivos de comportamento”,
os tipos essenciais de “relação ‘eu’
/ ‘não-eu’”, são aqueles a que
já nos referimos enquanto funções:
( 1 ) O ‘Ego’ é a “identidade
pessoal”, é “auto-consciência”,
compõe-se de um conjunto de fatores decorrentes da experiência
individual formadores da auto-imagem e determinantes da expressão
pessoal. O ego é a relação da consciência
com fatores objetivos e subjetivos tanto conscientes quanto
inconscientes, formando um complexo egóico. É
o centro ordenador da psique consciente, ao passo que o self
é o centro ordenador da personalidade ou psique total.
O ego funciona como se fosse uma membrana seletiva, de permeabilidade
variável em relação ao acesso de conteúdos
objetivos ou inconscientes ao campo da consciência, de
acordo com a rigidez ou flexibilidade do temperamento ou caráter
pessoal. “Guardião” ou “guarda”,
segundo a imagem usada por Castaneda e amplamente encontrada
nas tradições místicas e religiosas..
( 2 ) A ‘Persona’ é a relação
da consciência com os padrões mundanos, sociais
e culturais: os parâmetros coletivos de interação.
( 3 ) A ‘Sombra’ é a relação
da consciência com os conflitos não resolvidos,
com as realidades incompatíveis e que se tornam, com
maior ou menor intensidade, forças atuando inconscientemente,
até serem conscientemente confrontadas com o ego e a
ele se integrarem.
( 4 ) ‘Anima’ / ‘Animus’
é a relação da consciência com a
“imagem da Alma”, com o “Eu inconsciente”
, sob a forma de uma busca dinâmica: apresentação
por meio de símbolos, compreensão (intelectual),
aceitação (emocional) e integração
(funcional) de conteúdos até então estranhos
ao eu consciente, afetivamente carregados, tanto conflituosos
como criativos (que devem ser transmutados e incorporados, respectivamente).
Esta relação é intermediada pelos símbolos
de ligação. Estes símbolos são representações
do sexo oposto ou da polaridade relativa ao sexo oposto (no
caso de uma imagem não humana), pois são o “consorte
psíquico” em potencial, isto é, trazem em
si a possibilidade da união de forças divergentes.
É também interessante que sofram uma progressiva
transformação, em suas sucessivas aparições
nos sonhos, dando testemunho do desenrolar de um processo de
integração ou ao contrário, caso permaneçam
inalterados, indicando uma lentidão ou paralisação
do movimento de união entre os opostos psíquicos.
Esta é uma das explicações possíveis
para os sonhos recorrentes ou para a repetição
de um símbolo ou situação em sonhos sucessivos.
Em suma, a anima, para o homem e o animus, para a mulher, são
símbolos que surgem na psique com a função
de traduzir possibilidades de intercâmbio, ligação,
comunicação entre os níveis consciente
e inconsciente. Geralmente simbolizam a alma, na concepção
que Jung tem desse termo, conjunto de características
opostas às da consciência que podem vir a se integrar
ao ‘ego’, no incessante movimento de diferenciação
inerente ao espírito humano e que corresponde à
integração progressiva e positiva, quer dizer,
criativa dos conteúdos ou potencialidades inconscientes.
Ampliação, portanto, do repertório de recursos
para a relação com a vida, o que em termos de
“energia psíquica”, de libido, implica: (a)
numa intensificação do investimento (quantidade
de libido e portanto, intensidade ou acuidade da vivência);
(b) na diversificação dos “objetos”
investidos (diversidade de experiências); e (c) na transmutabilidade
dessa mesma energia em termos de compreensão e em termos
criativos (o que se traduz como uma tendência à
distribuição proporcional de energia psíquica
entre as quatro funções psicológicas, passando
pela elaboração da função parcial
ou totalmente mergulhada no inconsciente; a “função
inferior”)
( 5 ) O ‘Self’: é a relação
da consciência com uma “imagem de totalidade”,
tanto no nível pessoal, enquanto “união
dos dois níveis da ‘psique’”, quanto
cósmica, expressando a “união virtual da
‘personalidade integrada’ com o Universo”;
“Unus Mundus”. O ‘Self’ é o “arquétipo
central”, núcleo da psique total, atuando como
tendência unificadora, ordenadora, para todos os outros
arquétipos, por meio de imagens da totalidade cada vez
mais abrangentes. Pode ou não vir a ser utilizado conscientemente.
A sua utilização marcaria o início efetivo
do processo de individuação.
É preciso entender que, para Jung, o símbolo não
é apenas uma referência abstrata, figurativa ou
linguística, uma imagem desvitalizada, mas um complexo
energético, quer dizer, a expressão onírica,
projetiva ou transferencial, neurótica ou psicopatológica,
de um complexo psicológico real (pessoal) que constitui
uma “individualidade ou personalidade relativamente autônoma”
atuando na psique inconsciente e passível de aceder à
consciência. O inconsciente é, nesse sentido, povoado
por “personalidades” em diferentes graus de latência,
aptas a se manifestarem de uma forma primitiva, em alguns casos
de modo desestruturado ou destrutivo. Entretanto, uma vez contactadas
e trabalhadas pela consciência, podem vir a manifestar-se
de modo criativo.
O elo de ligação desses complexos ou individualidades
inconscientes com o ego consciente, o “embaixador”
dessas forças estrangeiras, estranhas entre si e desconhecidas,
é o símbolo.
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