"Quem
quiser julgar corretamente
deve despojar-se do hábito de acreditar"
(Giordano Bruno)
Num desses raros momentos de descanso que a minha intensa
vida
profissional permite, preguiçosamente acomodei-me
a frente da surrada TV para desfrutar de alguns minutos
de relaxamento e poder libertar minha mente da incômoda
lembrança das tarefas cotidianas.
Passeando aleatoriamente, completamente à toa,
para lá e para cá pelas estações,
me deparei com uma distinta senhora sendo entrevistada,
e bem no exato momento o qual ela - na mais absoluta
das parcimônias - dizia "sou uma bhodisatwa
da Grande Fraternidade Branca, e sei de fonte absolutamente
fidedigna que o Cristo não retornará,
passados 2000 anos de sua primeira vinda, pois, durante
sua estadia em nosso mundo de trevas, ele já
colou grau..."
"Opa!" - não pude evitar o espanto,
e justamente quando tentava uma dose de whisky.
Refeito do indesejado engasgo, e ainda lamentando
o desperdício escocês, acompanhei atentamente,
num estóico esforço, o desenrolar da entrevista.
Em suma, a reportagem tratava da possibilidade de se
ocorrer uma Segunda Vinda do Cristo. Como qualquer manifestação
pública, as opiniões divergiam. Enquanto
muitos confirmavam a boa nova, ou melhor, a "nova
boa nova", dizendo estar próxima a hora,
"os sinais são claros", outros tantos,
categoricamente, como a ilustre bhodisatwa, sabiam seguramente
que nada daquilo iria acontecer. Durante todo o programa,
vários representantes de diversas religiões,
seitas, movimentos esotéricos, ou o que seja,
estiveram presentes.
A seqüência de quase todas as opiniões
e pareceres era, de fato, algo
medonho. Dessa classe, apenas escapavam alguns escolásticos,
teólogos e rabinos, que me pareceram sinceramente
constrangidos pelo tom dado a questão.
Ao final da dita reportagem, eu, que apenas procurara
um brevíssimo
momento de relax, estava tão enlevado por todo
absurdo que havia sido dito, que decidi procurar refúgio
por outras bandas bem mais conseqüentes. Reforcei
o malte, voltei à minha pequena biblioteca particular,
acendi o cachimbo - companheiro de reflexões
- e dediquei o restante de meu precioso tempo de isolamento
a uma boa leitura. Felizmente, as linhas de Borges e
Saramago estavam disponíveis. Bem mais tarde,
após o ótimo conselho argentino e depois
da maravilhosa letra lusitana, pude ter uma boa noite
de sono.
Mas logo encontrei-me desperto pela pálida
aurora dominical. Uma chuvosa manhã de primavera,
em plena cidade maravilhosa, traduz um irrecusável
apelo para permanecer exatamente onde se está:
em casa. Toda minha ambição, naquele instante,
era tratar de pequenos afazeres domésticos e
ficar completamente ocioso, como se o segundo subsequente
ao próprio final dos tempos finalmente houvesse
dado os bem vindos ares de sua graça.
"Há! O fim dos tempos! O quanto muitos
já não ganharam com esse termo, com o
ideal apocalíptico!" - foi meu óbvio
e inevitável pensamento.
De certo que as grandes religiões, possuidoras
de supremas virtudes e
infantes erros, merecem nossa singela reverência.
De modo distinto, também fazem jus a respeito
e deferência os diversos conciliábulos
de natureza mística & esotérica, pois
que são molas e forças motrizes da
espiritualidade do homem atual. Bom, pelo menos é
o que dita suas próprias cartilhas; aliás,
isso é somente dito em suas próprias cartilhas.
Assim, ante a natureza de nossa posição,
nós, despretensiosos andarilhos que pertencemos
a classe dos profanos-graças-a-deus, permanecemos
transitando, anônimos e silenciosos, entre a multidão.
Afinal, somos meros grãos de poeira perto do
magnífico poder exercido pelas supostas manifestações
terrenas dos poderes tidos por celestiais. Contudo,
provavelmente algo a ser lastimado por parte (de grande
parte) dos artífices do comportamento religioso
humano, existem alguns andarilhos grãos de poeiras
que, muito além da pequenez pela qual são
tomados, pensam. E, quando o temido anjo mau do bom
senso, de modo pilantra, cretino e irreverente, sentado
em meu ombro esquerdo, sussurra "fala!", sob
um aspecto, constrangido, digo não ser eu a Pietá,
mas, sob um outro aspecto, agora afortunado, fico feliz
em não ter um joelho meu destroçado pelo
escultor. É provável que esse anjo mau,
também um artista de raro e não reconhecido
talento, deva estar gargalhando a está hora.
Enfim, sigamos, quebrando um pouquinho o silêncio
habitual.
Como tema paralelo aos apelos apocalípticos,
a ansiada Segunda Vinda do Cristo tem ganhado excessiva
atenção por parte da mídia de nosso
país. E já que o assunto encontra fácil
receptividade, não só farei dele um momento
de reflexão pessoal como também exporei
a todos o resultado de minha meditação
dominical. Mas, vale o rápido aviso, tudo sem
a presunçosa pretensão de fazer-me sequer
algo semelhante a um Prometeu da verdade absoluta. É
apenas um ponto de vista.
Em que se pese o teimoso ceticismo de muitos, a Segunda
Vinda já aparece como fato incontestável
a certos círculos de religiosos e místicos.
Uma das raízes de tal divina certeza parece se
encontrar ao alcance de qualquer mero mortal. Segundo
determinado santo livro, a Bíblia, em alguma
santa parte, não por mero acaso mas seguindo
os desígnios do Criador, fala-se de certos sinais.
Estes sinais seriam os verdadeiros arautos do desfecho
dos tempos: guerras, pestes, fome, rei contra rei. A
quádrupla cavalaria. A devastação,
a tormenta, o suplício, o martírio: tais
são as derradeiras promissões do sacro
saltério ocidental. Essas, segundo os místicos,
sendo características do presente momento planetário,
também comporiam a sinalização
definitiva, o sinal maior, o supremo anúncio,
o último dos plim-plins, epílogo dos epílogos,
que indicaria a tão esperada Segunda Vinda.
Com certeza, tais características assolam a
presente humanidade. Contudo, creio não precisar
fazer alarde quanto ao fato de que fui incapaz de, apesar
de um imane esforço de memória, recordar
qualquer momento da história dessa mesma humanidade
no qual tais agouros - devastação, a tormenta,
o suplício, o martírio - estivessem ausentes
por completo. Talvez, mero detalhe incidental...
Mas, a partir dessa "inequívoca"
constatação, formou-se um verdadeiro
séquito de arautos e discípulos do, assim
chamado, Novo Cristo - o Cristo da Nova Era - aquele
que, em uma não tão inédita demanda,
viria salvar-nos de todo mal que assola a humanidade.
Detalhe outro - mero capricho, detalhe também
incidental - é mencionar que a mesma humanidade,
segundo consta, outrora já fora salva por Ele,
quando de seu primeiro release. Os novos tempos, dirão,
após o final dos tempos, serão dadivosos
em paz e eterna felicidade. Um vaticínio - outro
detalhe incidental - nada original.
Mas vamos esquecer o aglomerado de detalhes incidentais
e evitar a
monotonia, pois seu conjunto, ainda que acidental, não
passa de mero
detalhe.
Vejamos: útil será, como ilustração,
relembrar a Lenda do Mártir do
Calvário. Em resumo ela diz que o Salvador, nasceu
da Imaculada Virgem
Maria, bem durante o Solstício de Inverno, em
dezembro, em uma pequena manjedoura. Desde bem cedo,
ainda menino, Ele já demonstrava incomum interesse
e conhecimento das Escrituras Sagradas, prodígio
esse que perturbou até mesmo os anciãos
e rabinos do Templo. Depois, Ele passaria cerca de 20
anos de sua vida em plena obscuridade. O Sacro Livro,
com o perdão pelos vocábulos ofensivos,
é inexplicavelmente omisso e cru quanto a tal
obscuridade. Contudo, conforme registrado em certos
apócrifos, durante longo tempo, teria Ele sido
instruído por certa classe de povo do deserto,
os Essênios. Suposição igualmente
apócrifa, por certo, até mesmo obscena
-
segundo alguns.
Após os vários anos de reclusão
e anonimato, voltando ao convívio popular, realizaria
milagres. Entre estes estariam a cura de enfermos, a
expulsão de demônios, a multiplicação
de peixes e pães, perambular sobre as águas,
o ressuscitar de mortos, etc. Ademais, no topo de uma
colina, um magnífico panegírico proferiria,
chamando a atenção de muitos. Entraria,
triunfante, montando um burrico, na cidade de Jerusalém,
onde seria saudado pela multidão local que, para
tal, empunhava ramos de palmeiras. Irado, expulsaria
os vendilhões do Templo. Logo, seria traído
com um beijo. Preso, é humilhado, julgado, condenado,
crucificado e morto. Ressuscitaria ao terceiro dia,
aparecendo a seus incrédulos discípulos.
Por fim, sentaria à direita de Deus-criador,
seu Pai, vindo a julgar os vivos & os mortos.
Lenda narrada, fico aqui a imaginar, a partir dos
depoimentos da
supracitada reportagem, como se daria o Segundo Advento.
Seria algo
tremendo!
Sobre o seu nascimento, haveria muita especulação.
Mas muitos evitariam o tema, pois o mesmo, conforme
os adeptos do segundo advento, estaria envolto pela
espessa bruma dos altos mistérios iniciáticos,
cuja proibida comunicação estaria francamente
impossível a nós, habitantes do vulgo.
Entre os que ousam falar a respeito, todavia, a tese
que mais ganha asas diz ser o Novo Messias fruto de
uma elaborada manipulação genética.
Ele estaria livre de qualquer infeliz percalço
que, porventura, pudesse estar presente em sua estrutura
física, psicológica ou espiritual. O novo
corpo do Novo Salvador teria sido especialmente preparado
para receber Aquela alma que, há cerca de duzentos
decênios, aqui esteve para cumprir a rotina bi-milenar
de Salvação.
"Tudo bobagem!" - é dito com certo
sarcasmo por outros adeptos. Grandes adeptos! Afinal,
Ele, chegando filho de carpinteiro partiu como Redentor,
colando grau em todas as disciplinas que a mente humana
pode conceber. Hoje, estando Ele muito além da
existência terrena, redil de penúria e
prostração, tem a agenda cósmica
cheia de compromissos bem mais elevados. Pela Terra,
esse mísero grão de poeira, o máximo
que o Novo Senhor faria é - misericórdia
entre as misericórdias - mandar emissários
para retirar os véus da ilusão de maia
dos olhos da humana criatura; sendo aquela tediosa bhodisatwa,
um desses emissários removedores de véus.
Sim, aquela bhodisatwa retirará os véus
de ilusão...
Voltando a hipótese de Sua nova vinda: chegando
em nosso planeta, diriam, o Novo Cristo provavelmente
- para fazer uso de um mero chavão entre tantos
chavões - não seria reconhecido de imediato,
visto seus novos hábitos. Em substituição
a velha cidade de Jerusalém, o próprio
planeta seria o palco de sua triunfante entrada. Não
importando o local escolhido para seu debute, nada de
burricos ou quaisquer quadrúpedes pouco imaginativos
e estúpidos a trazer o Novo Messias. Em seu lugar
um belíssimo, fantástico, indescritível
e apoteótico disco voador. Uma nave intergalática,
que faria a nave-mãe de Independence Day mais
parecer um mero pires. No timão da nave, o supremo
Comandante das tropas estrelares da Grande Fraternidade
Alva, o popular Chefe Asthar.
"Quanta besteira. Viram o galo cantar, mas não
sabem onde". Mais sarcasmos daqueles adeptos. Os
mesmos Grandes Adeptos. Solenes, mas tranqüilos,
afinal o assunto não passa de um corriqueiro
colóquio entre suas fileiras, esses falam que
o Novo Filho Único jamais precisaria dispor de
dispositivos físicos ultrapassados, como espaçonaves,
por exemplo. E mesmo sendo o referido Comandante um
sujeito assaz importante entre as hostes interplanetárias,
sua função seria bem outra. "Ele
está a nosso serviço" - deixa escapar,
meio que sem querer, a bhodisatwa - "mas sobre
a sua missão, nada nos é permitido falar"
- rapidamente ela conserta a gafe.
Tédio dos tédios. O silêncio -
herança oriental - antes reservado aos
santos e sábios, que deveria ser peça
de ouro, aqui - sina ocidental? - é
reduzido à classe do ouro-dos-tolos.
Mas os primeiros continuam a jubilosa expectativa:
A multidão,
reconhecendo-O e ensandecida pela hipótese da
Nova Vinda, planeja saudar o Cristo da Nova Era. Agora,
entretanto, não haveria mais ramos a ovaciona-Lo,
visto os sérios problemas ecológicos implícitos
nesse ato.
Contudo, é claro, sua chegada seria acompanhada
através da Internet.
Centenas de páginas virtuais, chat-rooms e listas
de discussões seriam
criadas com o fito de promover o advento e divulgar
a "nova boa-nova".
"Tolices. Tudo isso são meras tolices.
Vocês são cegos a guiar cegos".
Agora chega a sisuda reprimenda, a advertência
dos Adeptos, cansados do próprio sarcasmo. Novamente,
os Grandes Adeptos a falar. Segundo a voz dos membros
da franquia local da Enorme Fraternidade Alva, apenas
as emanações espirituais do Salvador,
ou melhor, do Novo Salvador, chegariam até nós.
Porém, segredo dos segredos, apenas eles, os
Grandes Adeptos, seriam os veículos para essas
emanações, levando à redenção
toda e qualquer infeliz e desventurada humana criatura
que neles acreditem. Suprema provação
de fé.
Mesmo assim, os crentes do segundo advento, sabem
que a historia se
repetiria. Para explicar os quase 20 anos-luz de cósmico
silêncio crístico,
sustentam que esse foi um período em que o novo
mestre instruiu-se com a versão espacial dos
Essênios, localizado em algum éter-deserto
distante, ponto obviamente secreto, da galáxia.
Ah! Quase me esqueço (o que seria deplorável):
O Novo Cristo continua sendo rosacruz, embora agora
numa versão galáctica.
"Sandices!". Os Grandes Adeptos, mais uma
vez não endossariam esse
"disparate". O Novo Cristo, na verdade, teria
se instruído com o pessoal do sétuplo
raio, sob a direção do camarada São
Germano, que, de acordo com esses Grande Adeptos, nunca
foi Essênio, ora bolas.
E a querela do quem sabe mais sobre o Novo Cristo
continuaria...
Enfim, os adeptos do Novo Advento insistem em dizer
que Ele repetirá todos os seus passos e atos,
mas agora de acordo com as novas exigências globalizadas.
Fico aqui a pensar a respeito de como esses imaginam
que deva acontecer as novas curas, o segundo andar sobre
as águas, o segundo episódio dos vendilhões,
e quem será escolhido para o papel do segundo
Judas - agora intergaláctico -, etc.
Enquanto penso isso, é claro, os grandes munes
da Enorme Fraternidade Alva, como senhores únicos
do assunto, já devem ter levantado a voz para
negar toda a bobagem dita por quem nada sabe do assunto...
E os muitos "eu sei que Ele vem" e "eu
sei que Ele não vem" tendem a
continuar. Como se já não bastasse toda
a divergência, como pano de fundo surge, reclamando
aos berros sua origem divina, alguém cuja face
é mostrada como, nada mais ou nada menos, o fidedigno
"espelho" do santo sudário. "Esqueçam
essa história de Cristo vir ou não, pois
EU sou o Cristo que todos esperaram por tantos anos.
E já estou aqui! Será que é tão
difícil assim me reconhecer?" Nosso prodigioso
país - pródigo em absurdos - tinha que
fazer "nascer" um Cristo brasileiro, lá
no sul.
É claro - em tempo a voz de meu ponderado editor
me alerta - faz-se
necessária uma ressalva ao juízo menos
tolerante. Confesso que nutro o mais absoluto dos sentimentos
pela imagem mítica do mártir do cristianismo,
causa pela qual, seja de vez dito, esse humilde escrito
nasceu em defesa.
Assim, apenas em favor da justificação
do mito, não poderia deixar de
relembrar à memória humana certas facetas
ainda não tão esquecidas de sua própria
história.
Mesmo antes do suposto registro do Seu advento, a
história sempre nos
falou de outros deuses, e outros homens-deuses, outros
ritos em eras
passadas. Tudo anterior à Crucificação.
Sim, eram tempos remotos. As
crenças, embora também outras, pareciam
as mesmas. Nessas lendas, muitos personagens e lugares
aparecem. E a semelhança que a lenda cristã
abriga, quando a elas comparadas, muito sugeriria à
mente observadora.
Embora queira evitar penetrar em tais domínios,
citar certas lendas
outras - mesmo que de passagem - servirá como
referência ao buscador.
Somente ao sincero buscador. Assim, não seria
vão relembrar o que nasceu do sincretismo entre
o judaísmo ortodoxo e a religião de Mitra,
o Mitraísmo, a qual, inclusive, também
era praticada em catacumbas e em subterrâneos.
Aí encontraremos parte da raiz cristã.
Do mesmo modo, esquecer Osíris, a Virgem Ísis
e sua criança Hórus, nascida em pleno
solstício de inverno, mitos e legendas muito
populares na Roma de 2000 anos atrás, seria perder
outra preciosa parte da raiz que sustenta o cristianismo.
Outros muitos exemplos de deuses e deusas poderiam
vir à compreensão melhor do assunto, mas
a prática de citar deuses, mesmo apenas como
referência, pode me levar a correr certo risco.
Então, antes de ser taxado de idólatra,
aconselho a, se for o caso, esquecê-los por completo.
Deixemos os deuses de lado e busquemos em Platão,
em pseudo Dionísio Aeropagita e em Filón
de Alexandria (que, de certa forma bem especial, também
são Deuses) a raiz que serviu de sustento aos
nossos primeiros padres.
Do mesmo modo, poderia continuar, citando mais um
tanto de filósofos,
filosofias e contos, mas é sabido que, a despeito
da natureza do enfoque crítico da pesquisa, o
suscetível espírito religioso tende a
se manter alegre e descontraído, sobremodo quando
acometido pelas tão comuns e definitivas certezas
tautológicas. É pesaroso constatar, todavia,
que a mesma alegria que o caracteriza ante dogmas intocáveis,
o acompanha na forma de uma pueril inocência quase
total sobre o tema "religião".
Da colagem de muitos mitos, surgiu o mito de nosso
Senhor. Porém,
atualmente, sem a devida base histórico-religiosa
de tudo que o cercou, que o formou e que hoje o sustenta,
sua verdade fica oculta ao místico e ao crente
comum. Daí, é fácil ter-se como
resultado o extravagante culto a sua personalidade fictícia,
ou mesmo a aspiração espacial de sua origem.
Da mesma forma, o Seu envolvimento com hostes iniciáticas,
Brancas Fraternidades Universais e outras seqüelas
de estilo, formam uma fértil área para
a divagação do que estaria por vir.
Depois de tudo isso, uma dúvida me espreita:
como entender esse amontoado de curiosidades para, por
fim, concluir essa crônica?
Primeiro, tentarei resumir o tema e buscar um ponto
que se mostre comum às crenças citadas.
Depois, a encerrarei como melhor puder.
Vejamos. O Judaísmo tem clara sua posição.
Segundo suas doutrinas, eles ainda continuam aguardando
a primeira chegada do Messias, visto não reconhecerem
o Cristo como tal. Não parece, portanto, ser
apropriado, oportuno ou mesmo lógico, segundo
seus Tomos Sagrados, especulações acerca
do segundo rebento messiânico, visto ainda não
ter havido o primeiro. Ou seja, o povo eleito nem se
toca para o assunto. E ponto final.
Já os cristãos - em sua grande parte
- crêem na Segunda Vinda. Já foi
citado que os sinais de Sua chegada são claros,
conforme o Santo Livro. Mas aqui há de se fazer
uma observação extra. Os católicos
não parecem estar muito ocupados com o tema;
alguns neo-pentecostais - esses sim - vão bem
além, afirmando que o Cristo já está
vivo entre nós.
Um ponto que salta aos olhos é mesmo o alarde
do assim chamado
cristianismo da nova era. Segundo esses últimos,
as especulações sobre a Segunda Vinda
são as mais variadas possíveis, e mesmo
contraditórias. Elas partem de uma convicção,
quase gnóstica, da negação da figura
pessoal do Crucificado à passional idolatria
mística de sua sofrida imagem histórica.
Bailam desde a quiçá tolerável
apologia da psicologia do Cristo interno até
a comédia de proporções interestrelares.
Tão longa é a linha que separa tais pólos,
que qualquer tiro que se dê, qualquer opinião
que se emita, aqui encontrará alvo para colidir
ou refúgio que a suporte. Paciência.
E o que falar das muitas outras crenças cujos
códices desconhecem por
completo a personagem que, segundo o cânone que
o criou, padeceu em favor de nossa salvação?
Como falar a um Brâmane ou a um Hindu, e ao Chinês,
o que dizer à população do Nepal,
ou a grande maioria dos Africanos, como incutir na mente
muçulmana ou budista essa idéia? Será
que esses todos, apenas alguns bilhões de indivíduos,
desconhecem por completo que serão salvos pela
Segunda vez?
Alguns considerariam a ignorância sobre o tema
Jesus algo lastimável, até vil. Esses
mesmos também considerariam aqueles gentios como
meras figuras de retórica, simples detalhes da
Criação, carneiros de presépios,
postos em tela tão somente devido a um inexplicável
e divinal capricho do Grande Artesão. Os gentios
estariam em cena apenas para um jogo de conversão,
onde lhes seriam incutidas - à força se
necessário - a idéia da nova redenção
via novo filho único.
Mas não me parece algo louvável e sadio
recriminar quem quer que seja por esse "pecado",
por desconhecer o martírio do calvário,
muito menos por ter convicções outras,
mesmo sendo tais práticas bem mais antigas e
embasadas. Infelizmente, essa censura torpe acontece.
Para completar, em meio a todo alvoroço de
cunho religioso, a herética
observação da própria história
permanece. Os historiadores, tão longe da certeza
religiosa quanto longe da científica estão
os cenobitas, se mantêm firmes quanto a pura negação
da real existência do mártir do cristianismo,
mesmo ainda em sua primeira edição.
Mas qual o ponto comum a tudo isso? Primeira confissão:
eu, sinceramente, não sei. Posso até supor
um, mas - segunda confissão - digo temer o lugar
comum. Contudo, sabendo serem os horizontes do assunto
deveras limitados, confio na compreensão do sábio
leitor e, caso eu enverede pela horrorosa letra vulgar,
estendo a mão a sua reprimenda, mas também
a estendo ao seu afago ou perdão. Tudo será
recebido com alegria.
Falar sobre a Segunda Vinda pode mesmo ser inspirador.
Mas assim o será, não por crer piamente
na manifestação física de um herói
mítico, e nem por - muito menos - pretender penetrar
nos detestavelmente prolixos códigos teológicos.
Pensar que um Segundo Cristo, vindo dos céus,
novamente nos salvará também pode, mais
que inspirador, significar um forte desejo que existe
no coração de alguns seres humanos. Deste
modo parece caminhar a humanidade. Errando e acertando.
E se pensamentos e aspirações, por vezes
tolos, outras vezes judiciosos, especulam acerva de
tal advento, por certo querem expressar, pelo menos,
o ideal da segunda chance.
Qual de nós que, cometendo um erro, não
gostaria de uma nova chance para acertar? Qual de nós
que, perdendo um amor, não sonha com uma nova
chance de amar? Qual de nos que, sentindo a aproximação
da morte, pelo menos em uma fração de
sonho, não desejou começar tudo novamente,
em uma segunda chance de vida?
Em muitos casos, sabendo ser impossível o recomeço,
exteriorizamos nosso anseio interno em uma imagem sublime
de redenção e salvamento. Isso não
é ruim. Nem bom. Apenas segue uma natural via
de escape.
Finalmente, aqui encerro minha rápida reflexão
sobre a Segunda Vinda.
Posso não ter sido o suficientemente douto, mas
devo encerrá-la mesmo
assim. É que o dia já foi vítima
do crepúsculo e esse já cedeu seu breve
momento de existência à noite. A nova semana,
enfim, começará e a
Segunda-feira logo chegará com os corriqueiros
tormentos do dia-a-dia.
E caso realmente eu não tenha sido douto o
suficiente, de todo isso não
importará muito. Confio na paciência do
amigo leitor para, num dia
qualquer, conceder-me a honra de tentar uma Segunda
Divagação, em linhas bem mais amadurecidas
que essas, que agora chegam ao fim.
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