Estranhas Férias na Fazenda
Parte 3
- "Cerimonial do Ar - Preliminares"
Paulo Duboc - fale com o autor

Por três dias durou o ajustamento da minha psique sofridamente iniciada em meu corpo visivelmente cansado e retraído. Os acontecimentos tinham sido tão fortes que por mais que o Vovô usasse em mim a mais notável das técnicas psicológicas que consistia em conversar franca e abertamente sobre tudo e todas as coisas, fazendo-me expelir o lixo interno, mesmo assim eu estava naturalmente estafado. Naqueles três dias permaneci aceso, com uma tela correndo em sessão continua na minha testa. Por alguns momentos intentei declarar-me louco, mas o senso de ausência e vacuidade era substituido por quadros reais e objetivos da vida comum da fazenda. A minha tranqüilidade presumivel se dava porque o Vovô havia garantido, em algumo momento, que loucura eu não teria mais nesta vida. Mas quiçá, será que isto tudo não fazia parte de uma grande loucura.?

Evidentemente, por maiores que fossem os esforços do Velho, tornei-me sóbrio, discreto e meu costumeiro riso leviano e fácil se tornou um sorriso reto e amarelo. Para minha mãe eu estava seriamente doente, aborrecido e triste. Chegou até a dizer que nesta idade a falta de garotas poderia comprometer a ordem emocional, o que de certa forma não deixava de ter razão, mas em nada correspondia ao real dos acontecimentos. E eu não podia falar nada, e Segundo soube, o Vovô não fizera qualquer comentário com ninguêm do ocorrido, sustentanto inclusive que o que eu estava passando comigo era uma espécie de iniciação ao meio rural. De certa maneira essa era a mais correta das versões sobre o meu estranho comportamento.

No terceiro dia de insônia ,ainda ausente com algumas saidas do corpo de forma emocional e chocante, enfim depois de um triduo de grandes e sensiveis melhoras, chegou a fazenda um primo meu, cuja figura oscilava entre o tragico e o comico. Magro, alto,considerado como um genio por toda a familia possuia ate aquela idade de 17 anos um curriculo formidavel. Tinha sido sempre o primeiro aluno de todos os cursos onde estivera, o que o credenciava perante a minha mae, como um exemplo de coragem e valor social. Para ela, o Julinho era uma "pessoa que tinha futuro " ao contrário de mim que até então só tinha passado. Não que eu fôsse meu aluno, mas dificil de me pronunciar sobre alguma coisa real, em têrmos de "futuro". Em verdade, ela achava que meu " curriculo " ainda era fraco. Mal sabia ela que em meu unico curriculo eu acabava de acrescentar uma luta " tête a tête " com uma cobra, e tinha aprendido a sair do corpo. Mas isso jamais ela poderia saber, ela e ninguém, porque ai então o que seria acrescentado mesmo, com grande solenidade em meu curriculo era a insanidade.

O Julinho era um garoto tipicamente chato para meu gosto normal e tipicamente solto, até então. As coisas que ele gostava, não sei porque eu detestava e constantemente tinhamos brigas homéricas pois queria demonstrar sempre para mim que o que fosse bom para ele seria bom para todos. Como ele havia chegado de férias com a Tia Matilde de quem gostava muito, teria que aguentá-lo, embora fôsse dificil o convivio com tamanha chatice. Mas, não era de todo ruim.

Havia na região um outro rapaz, Joca, filho do Administrador da Fazenda e que conhecia desde criança pois fora criado debaixo do culote do Vovô. Agora, quando o vi fisicamente, à primeira vez reparei como era diferente daquele que conhecera durante a projeção astral. Porém como era mais velho e atencioso, conhecedor do mistérios da natureza, foi com ele que o o meu sentimento de confianca num mundo novo e objetivo foi adquirido. Nos diálogos e nas vivencias dessas ferias pude compreender a força da natureza sobejamente tipificada na figura quase heróica desse garoto de 18 anos. Lembro-me que em certa ocasião fez um escorpiao passear na palma de sua mão direita e com maior simplicidade tentou me convencer de fazê-lo. Mas a minha mão endurecida e rijida levou-o aos risos, pois ele não podia entender como eu podia ter medo e nem eu podia entender porque o terror me assaltava á nivel catatônico. Felizmente colocou o escorpião com maior delicadeza num buraco de madeira e deu-me um tapa providencial nas costas quando sai do rigido endurecimento a que inconsciente me submeti.

O Filme

Certo dia depois do terceiro, quando ja estava normalizando meu sentido de orientação em corpo e psiquê , o Vovô programou um filme para assistirmos, com um nome curioso: Guerra dos Mundos. Fez muito alarde durante o almoço e insistiu que fossemos, Julinho, Ele e eu á cidade do Porto para pegarmos os rolos. Na saida da casa encontramos o Joca que, devidamente convidado resolveu ir conosco. Como fora criado junto com o Velho desde seu nascimento, natural que tivesse mais intimidade com ele do que nos dois, eu e meu primo. A relação era de Avo e Neto e a atenção que lhe era dado era ate maior do que o Velho dava a nós. Mas isso não me afetava, ao contrario achava tal amizade muito propria de homens tipicamente afetos a natureza e a terra.

Saimos todos no Fordão, um bigode preto com lanternas, muito lustroso e aberto. Depois de algumas considerações preliminares que o Vovô fez sobre o filme, seguido de ponderações cientificas do Julinho, perguntei ao Velho:

- O Sr. acredita que se houvesse uma guerra entre os mundos, por exemplo entre Marte e a Terra, nós aqui na fazenda estariamos salvos ?

- Bem, quanto à guerra, acho tolice. Jamais vai existir isso. Agora, se houvesse, acho que nós aqui da fazenda não teriamos problema algum, porque a gente que trabalha no campo, na terra nem tempo de matar, agredir os outros.Acho que eles nunca viriam aqui com intenção de matar a gente, bem pelo contrário...

A voz fina e rápida do Julinho cortou-no meio da frase deixando-o momentaneamente a nocaute.

-... bem pelo contrário, eles vêm aqui pedir algo, não Vovô.? O Senhor já viu disco voador, pois eu sei,.. eu sei... conte como foi o seu encontro..

Como o Julinho era bastante cientifico e irritante até em assuntos dessa natureza, achei interessante a pergunta, mas fiquei um pouco inebriado com a duvida e hesitação do Velho . Achei que pela primeira vez o Vovô, lépido e matreiro na dialética, hesitou, pigarreou numa tosse estranha e respondeu com aflição

- Bem, eu.. é difícil dizer... assim exatamente se isso existe ou é miragem...

- Existe sim, o Senhor ja viu... eu sinto que o Sr. já viu e não quer dizer... eu sei até onde o Senhor esteve perto de um, certa noite... disse o Julinho corajosamente e de uma enfiada que o Vovô parou o carro e arregalando os olhos perguntou:

- Como você sabe disso.?

- Agora o Senhor confirmou. Mas eu sei, tem coisas que eu sei. Bem, eu sou seu neto, né Vovô. Eu sei que o César passou uma grande perigo há uns dias atrás quando estava na gruta...

Naquele momento arregalei os olhos e meu coração disparou, não porque meu segredo fosse revelado, mas porque a maneira como ele era dito... não podia ser verdade, ele nem tinha chegado na fazenda... e o Vovô não ia jamais revelar tal fato. Percebi logo que estava suando e entrei outra vez em estado de choque...Mas logo, de forma extraordinária a mão do Joca cai em meu pescoço e com certa energia nos dedos concentrou-se e tremeu, fazendo com que retornarsse à normalidade, sem que nenhum deles dois, à frente, percebessem. Claro que isso me deixou perplexo, mas como não podia comentar nada, apenas olhei para o Joca e agradeci com os olhos.

Julinho foi enfático na repetição da palavra e o Velho sorrindo retrucou:

- Bem isso eu sei, passou uma grande prova e venceu. Mas...espere, espere..

O Vovô afligiu-se num estado tal que me deixou perplexo. Parou o Bigodao e olhou para o Julinho a seu lado, com a boca aberta mas de certa maneira maravilhado

- Como voce pode saber disso se não estava aqui... naquele dia e ninguem sabe disso, nem eu mesmo... quer dizer...

- Ora Vovô, está escrito. Sabe, vou lhe contar uma coisa mas o Senhor tem que acreditar. Jura.?

- Não juro sobre o que não sei, disse o Vovô, mas sem rudeza.

- Mesmo assim vou contar. Eu vejo nas pessoas umas cores que acompanham o movimento da cabeca. Por exemplo eu vejo que o Sr. tem cores brancas e azuis, alguns pontos vermelhos. Isso me diz que o Senhor é muito saudavel. Quando fica brabo o lado direito fica muito vermelho e quando sai da gruta, como ontem de madrugada, a cabeça toda fica azulada, clarinha...

Virou-se para mim.

- Voce ainda tem muito verde mesclado com marrom. Tem muito medo ainda, mas esta vencendo. Depois da prova da gruta, as cores estão mudando. É como escama de cobra. E você Joca, é muito saudavel e forte, mas ... tem que tomar cuidado aos 21 anos...

- Cuidado com o que, perguntou o Joca entre o riso e o sério.

- Cuidado com suas... propriedades,.. eh... mulheres... não sei bem... daqui a um tempo.

- Tempo, que tempo, perguntei curiosamente?

- Vidas, muitas vidas.

Aura

Olhei para o Joca e ele sorriu, rodando o dedo na fronte, como se estivesse indicando a loucura do Julinho. Então olhei-o fixamente e vi-o numa espécie de transe. Nesse estado a sua feição era idêntica a do Vovô. Poderia jurar que ele era o Vovô, mais moço. Ai comecei a suar frio. Era tudo dificil, era demais para mim, para meus 14 anos, para o meu mundo racional. Embora gostasse de ler muito e tivesse gosto por leituras espirituais, ou mesmo ficção,ainda não tinha os clichês da vida que eles, com 17, 18 e mais de 60 tinham , formados no cérebro. Então tais novidades eram demasiadamente dificeis para entender, isso me assustava e me fazia quase desmaiar. Ainda mais essa história de cores na cabeça. Para mim me atemorizava, porque eu, na verdade, conseguia ver essas cores, mas rejeitava absurdamente. Entao eu vi o Julinho virar-se e mirar-me com olhos de gavião, dando a impressão que ouvira tudo o que eu pensara. Naquele momento, afundado na poltrona atrás do Vovô no bigodão, e do lado do Joca, percebi que eles pareciam ter conhecimento de tais fatos. Aliás tudo era tão normal para eles, e tão anormal para mim. Assim, estarrecido por tantas coisas novas, a unica sensação que tinha certeza existir na minha cabeça era, por vezes, uma pressão, um vazio. Só tempos depois é que soube que sofria de hipoglicemia e minha pressão abaixava a ponto de necessitar de sal ou qualquer outro ativante. Na lingua esotérica, o que aprendi mais tarde, é que eu era sensitivo e que ainda teria muito a desenvolver, idéia essa que de certa forma me apavorava.

Porém a conversa ainda prometias alguns lances sensíveis e nervosos. O Julinho voltou a carga com o assunto dos discos voadores.

- Entao Vovô, o Senhor sabe quando eles costumam aparecer, a época, os ciclos da Lua... insiste o Julinho?

- Não sei, isso não sei... disse o Velho acelerando o carro, e verdade que... de vez em quando alguma coisa acontece aqui por cima, mas...tudo essas coisas são dificeis de engolir.

- Vovô, o Senhor já viu um disco, uma noite esteve escondido, o disco apareceu lá no Morro da Agulhinha...

O Vovô interrompeu bruscamente:

- Para de me olhar e querer descobrir minhas coisas... Embora zangado, o Vovô riu e todos riram, menos eu. O Vovô prossegue pois não havia mais porque não contar

- Não foi bem assim, eh... eu nem sei como,certo dia estava trazendo umas vacas para a ordenha quando senti uma voz por dentro falar comigo. E, isso mesmo, eu senti um voz aqui dentro da cabeca dizendo que devia me dirigir para o Morro da Agulhinha, a noite e sem ninguem. Era uma voz forte, mas era calma, nada que afligisse, tanto que nem acreditei e continuei falando com os pioes. Mais tarde recebi outro eh... convite ... e que fosse ali, sem medo porque iria ver algo. Entao eu fui, porque coisa que não tive nunca é medo. Ate acho que fui porque essa voz me desafiou quando falou para ir sem medo... eh..eh..eh..

Se havia uma coisa que enaltecia o Vovô era a questão do machismo. Quisesem desafir o velho era dizer que ele não podia fazer, ou que tinha medo. Ai ele endoidava. Dai entendi que a historia poderia ser verdadeira uma vez que essa voz conhecia a maneira de desafiar o velho, e deu certo. Prosseguiu falando:

- A princípio receei muito, estava sozinho, sabe como é, é dificil mesmo acreditar que a gente esta vendo algumas coisas assim. Mas aí eu fui chegando e algum tempo depois eu vi uma luminosidade grande parada em cima do morro. Haviam luzes, cores, tudo muito esquisito mas eu repetia para mim que não estava doido da cabeça. Tinha lido numa revista americana que a gente deve ficar repetindo que não está doido e aí não fica mesmo. Então a bola de luz subiu. Ai uma voz dentro de minha cabeça falou para voltar na proxima lua cheia que eu teria um contato fisico com um deles, caso desejasse. Passei trinta dias angustiado, mas resolvi voltar. No dia marcado, vim e vi... mas escutem, por Deus, jamais contem isso para ninguem enquanto eu estiver vivo, prometem...

- Sim, sim, dissemos os dois ao mesmo tempo... Olhei para o Joca que sorriu, enquanto o Vovô logo entrou :

- O Joca conhece bem essa história, porque viu, como eu...eh... um ser igualzinho a nós, sair lá de dentro daquela coisa e de longe, mas parecia estar aqui, perto, pediu permissão para tirar água do lago. Então movido por curiosidade perguntei: "Água? E ele respondeu:" Sim, água, sómente agua ". Aguardou a minha resposta por alguns momentos e eu, tão atordoado não conseguia nem raciocinar direito sobre tudo aquilo, mas mesmo assim consenti. Pensei: Porque não, a água é da terra, não é minha. Então ouvi a resposta no cérebro: " Mas o Senhor é o dono provisório do local, enquanto tiver vida tem que nos dar permissão. Caso contrário, iremos embora.

O que mais me intrigava é que a conversa era natural, sem emoção e sem mentira. Continuou narrando que se tornara amigo do Ser, å distância é claro, e a vida prosseguiu sem maiores complicações. Contudo notou que houve um fortalecimento rápido de suas pastagens, e não sofreu danos maiores por ocasião das famosas chuvas de 1950 durante 30 dias seguidos. Mas seria incapaz de atribuir a eles qualquer ajuda, embora nunca tivesse visto nada diretamente.

O Local

Quando chegamos ao planaltinho para depois pegar a estrada que tem cerca de 5 kms de descida em linha quase reta, passamos ao pequeno prédio da usina particular da fazenda . O Vovô fez soar a buzina por três vezes e prosseguiu a viagem. Com naturalidade perguntei-lhe:

- Para que serve essa usina, assim, particular.?

- Bem, é para gerar luz e energia própria para a fazenda. Assim não dependemos de nenhuma autoridade governamental, temos nossa própria luz.

- A gente pode visitar a usina, Vovô.?

- Claro, qualquer dia desses nós viremos aqui.

O Joca, calado até então, saiu-se com a maior simplicidade num questionamento que deixou o Vovô meio a nocaute:

- Lembra-se, Seu Luis, quando aquele prato tava encima da usina e nós fomos ver. O prato ficou ali um tempão e nos do lado de cá observando. A gente não tinha medo...

A conversa, embora altamente difícil, tinha algo que me agradava e já nem estava mais sentindo medo ou qualquer outra sensação de anormalidade. Felizmente, porém, chegamos ao Porto e o Vovô desceu para pegar os rolos do filme, enquanto Julinho limpava os óculos com tranquilidade como se tais assuntos fosse triviais, do cotidiano deles. Porem, para mim tudo era novidade. Voltamos carregando os três rolos de filme e, sonolento dormi. Quando acordei, estavamos na sede

À noite fomos assistir o filme, bastante assustador e belicoso. Havia uma agressão e hostilidade completa da parte dos seres denominados marcianos. As cenas eram fortes e chocantes e a grande maioria de nossa diminuta platéia não aguentou e retirou-se com mêdo. Quando saiamos da sala de projeção, o Julinho pergunta a queima roupa para o Vovô, naturalmente que isolado dos demais.

- O disco que o senhor viu era igual ao do filme?

- Não, Julinho, respondeu rapidamente. Era um tipo redondo, parecia uma pera e tinha muitas luzes. O que sei é que vinha das ... “Preiades”, em Touro...,

- Pleiades, Vovô, Plêiades, corrigiu o Julinho ao que o Vovô nem deu a mínima atenção.

- Segundo disseram. Agora se você me mandar localizar no céu as “Prêiades”, num sei não. O nome eu guardei é a ... eh.. constelação do Touro, é claro que tinha que guardar porque meu signo é Touro...eh...eh..

Naquela noite não consegui dormir. Acordei e fiquei olhando para o céu. Mas deduzi que nada ia ver de maneira objetiva. Acendi a luz do quarto e abri o univo livro que tinha em mão no momento e cujo autor fora um monge tibetano e que contava uma série de coisas chamadas insólitas. Esse livro estava comigo há muito tempo. Como tratava de um assunto que já tinha experiências, isto é, viagens astrais, conforme constava num dos capítulos, resolvi estudar a técnica. Achei que para mim não seria dificil, uma vez ter ocorrido o fato de maneira tão abrupta e inusitada.

Deitei-me de barriga para cima e comecei a repetir os ensinamentos. Mal sabia que estava nas preliminares da iniciação pelo ar.