Por três dias durou o ajustamento da minha psique sofridamente iniciada
em meu corpo visivelmente cansado e retraído.
Os acontecimentos tinham sido tão fortes que
por mais que o Vovô usasse em mim a mais notável
das técnicas psicológicas que consistia
em conversar franca e abertamente sobre tudo e todas
as coisas, fazendo-me expelir o lixo interno, mesmo
assim eu estava naturalmente estafado. Naqueles três
dias permaneci aceso, com uma tela correndo em sessão
continua na minha testa. Por alguns momentos intentei
declarar-me louco, mas o senso de ausência e vacuidade
era substituido por quadros reais e objetivos da vida
comum da fazenda. A minha tranqüilidade presumivel
se dava porque o Vovô havia garantido, em algumo
momento, que loucura eu não teria mais nesta
vida. Mas quiçá, será que isto
tudo não fazia parte de uma grande loucura.?
Evidentemente, por maiores que fossem os esforços
do Velho, tornei-me sóbrio, discreto e meu costumeiro
riso leviano e fácil se tornou um sorriso reto
e amarelo. Para minha mãe eu estava seriamente
doente, aborrecido e triste. Chegou até a dizer
que nesta idade a falta de garotas poderia comprometer
a ordem emocional, o que de certa forma não deixava
de ter razão, mas em nada correspondia ao real
dos acontecimentos. E eu não podia falar nada,
e Segundo soube, o Vovô não fizera qualquer
comentário com ninguêm do ocorrido, sustentanto
inclusive que o que eu estava passando comigo era uma
espécie de iniciação ao meio rural.
De certa maneira essa era a mais correta das versões
sobre o meu estranho comportamento.
No terceiro dia de insônia ,ainda ausente com
algumas saidas do corpo de forma emocional e chocante,
enfim depois de um triduo de grandes e sensiveis melhoras,
chegou a fazenda um primo meu, cuja figura oscilava
entre o tragico e o comico. Magro, alto,considerado
como um genio por toda a familia possuia ate aquela
idade de 17 anos um curriculo formidavel. Tinha sido
sempre o primeiro aluno de todos os cursos onde estivera,
o que o credenciava perante a minha mae, como um exemplo
de coragem e valor social. Para ela, o Julinho era uma
"pessoa que tinha futuro " ao contrário
de mim que até então só tinha passado.
Não que eu fôsse meu aluno, mas dificil
de me pronunciar sobre alguma coisa real, em têrmos
de "futuro". Em verdade, ela achava que meu
" curriculo " ainda era fraco. Mal sabia ela
que em meu unico curriculo eu acabava de acrescentar
uma luta " tête a tête " com uma
cobra, e tinha aprendido a sair do corpo. Mas isso jamais
ela poderia saber, ela e ninguém, porque ai então
o que seria acrescentado mesmo, com grande solenidade
em meu curriculo era a insanidade.
O Julinho era um garoto tipicamente chato para meu
gosto normal e tipicamente solto, até então.
As coisas que ele gostava, não sei porque eu
detestava e constantemente tinhamos brigas homéricas
pois queria demonstrar sempre para mim que o que fosse
bom para ele seria bom para todos. Como ele havia chegado
de férias com a Tia Matilde de quem gostava muito,
teria que aguentá-lo, embora fôsse dificil
o convivio com tamanha chatice. Mas, não era
de todo ruim.
Havia na região um outro rapaz, Joca, filho
do Administrador da Fazenda e que conhecia desde criança
pois fora criado debaixo do culote do Vovô. Agora,
quando o vi fisicamente, à primeira vez reparei
como era diferente daquele que conhecera durante a projeção
astral. Porém como era mais velho e atencioso,
conhecedor do mistérios da natureza, foi com
ele que o o meu sentimento de confianca num mundo novo
e objetivo foi adquirido. Nos diálogos e nas
vivencias dessas ferias pude compreender a força
da natureza sobejamente tipificada na figura quase heróica
desse garoto de 18 anos. Lembro-me que em certa ocasião
fez um escorpiao passear na palma de sua mão
direita e com maior simplicidade tentou me convencer
de fazê-lo. Mas a minha mão endurecida
e rijida levou-o aos risos, pois ele não podia
entender como eu podia ter medo e nem eu podia entender
porque o terror me assaltava á nivel catatônico.
Felizmente colocou o escorpião com maior delicadeza
num buraco de madeira e deu-me um tapa providencial
nas costas quando sai do rigido endurecimento a que
inconsciente me submeti.
O
Filme
Certo dia depois do terceiro, quando ja estava normalizando
meu sentido de orientação em corpo e psiquê
, o Vovô programou um filme para assistirmos,
com um nome curioso: Guerra dos Mundos. Fez muito alarde
durante o almoço e insistiu que fossemos, Julinho,
Ele e eu á cidade do Porto para pegarmos os rolos.
Na saida da casa encontramos o Joca que, devidamente
convidado resolveu ir conosco. Como fora criado junto
com o Velho desde seu nascimento, natural que tivesse
mais intimidade com ele do que nos dois, eu e meu primo.
A relação era de Avo e Neto e a atenção
que lhe era dado era ate maior do que o Velho dava a
nós. Mas isso não me afetava, ao contrario
achava tal amizade muito propria de homens tipicamente
afetos a natureza e a terra.
Saimos todos no Fordão, um bigode preto com
lanternas, muito lustroso e aberto. Depois de algumas
considerações preliminares que o Vovô
fez sobre o filme, seguido de ponderações
cientificas do Julinho, perguntei ao Velho:
- O Sr. acredita que se houvesse uma guerra entre os
mundos, por exemplo entre Marte e a Terra, nós
aqui na fazenda estariamos salvos ?
- Bem, quanto à guerra, acho tolice. Jamais vai
existir isso. Agora, se houvesse, acho que nós
aqui da fazenda não teriamos problema algum,
porque a gente que trabalha no campo, na terra nem tempo
de matar, agredir os outros.Acho que eles nunca viriam
aqui com intenção de matar a gente, bem
pelo contrário...
A voz fina e rápida do Julinho cortou-no meio
da frase deixando-o momentaneamente a nocaute.
-... bem pelo contrário, eles vêm aqui
pedir algo, não Vovô.? O Senhor já
viu disco voador, pois eu sei,.. eu sei... conte como
foi o seu encontro..
Como o Julinho era bastante cientifico e irritante
até em assuntos dessa natureza, achei interessante
a pergunta, mas fiquei um pouco inebriado com a duvida
e hesitação do Velho . Achei que pela
primeira vez o Vovô, lépido e matreiro
na dialética, hesitou, pigarreou numa tosse estranha
e respondeu com aflição
- Bem, eu.. é difícil dizer... assim
exatamente se isso existe ou é miragem...
- Existe sim, o Senhor ja viu... eu sinto que o Sr.
já viu e não quer dizer... eu sei até
onde o Senhor esteve perto de um, certa noite... disse
o Julinho corajosamente e de uma enfiada que o Vovô
parou o carro e arregalando os olhos perguntou:
- Como você sabe disso.?
- Agora o Senhor confirmou. Mas eu sei, tem coisas
que eu sei. Bem, eu sou seu neto, né Vovô.
Eu sei que o César passou uma grande perigo há
uns dias atrás quando estava na gruta...
Naquele momento arregalei os olhos e meu coração
disparou, não porque meu segredo fosse revelado,
mas porque a maneira como ele era dito... não
podia ser verdade, ele nem tinha chegado na fazenda...
e o Vovô não ia jamais revelar tal fato.
Percebi logo que estava suando e entrei outra vez em
estado de choque...Mas logo, de forma extraordinária
a mão do Joca cai em meu pescoço e com
certa energia nos dedos concentrou-se e tremeu, fazendo
com que retornarsse à normalidade, sem que nenhum
deles dois, à frente, percebessem. Claro que
isso me deixou perplexo, mas como não podia comentar
nada, apenas olhei para o Joca e agradeci com os olhos.
Julinho foi enfático na repetição
da palavra e o Velho sorrindo retrucou:
- Bem isso eu sei, passou uma grande prova e venceu.
Mas...espere, espere..
O Vovô afligiu-se num estado tal que me deixou
perplexo. Parou o Bigodao e olhou para o Julinho a seu
lado, com a boca aberta mas de certa maneira maravilhado
- Como voce pode saber disso se não estava aqui...
naquele dia e ninguem sabe disso, nem eu mesmo... quer
dizer...
- Ora Vovô, está escrito. Sabe, vou lhe
contar uma coisa mas o Senhor tem que acreditar. Jura.?
- Não juro sobre o que não sei, disse
o Vovô, mas sem rudeza.
- Mesmo assim vou contar. Eu vejo nas pessoas umas
cores que acompanham o movimento da cabeca. Por exemplo
eu vejo que o Sr. tem cores brancas e azuis, alguns
pontos vermelhos. Isso me diz que o Senhor é
muito saudavel. Quando fica brabo o lado direito fica
muito vermelho e quando sai da gruta, como ontem de
madrugada, a cabeça toda fica azulada, clarinha...
Virou-se para mim.
- Voce ainda tem muito verde mesclado com marrom. Tem
muito medo ainda, mas esta vencendo. Depois da prova
da gruta, as cores estão mudando. É como
escama de cobra. E você Joca, é muito saudavel
e forte, mas ... tem que tomar cuidado aos 21 anos...
- Cuidado com o que, perguntou o Joca entre o riso
e o sério.
- Cuidado com suas... propriedades,.. eh... mulheres...
não sei bem... daqui a um tempo.
- Tempo, que tempo, perguntei curiosamente?
- Vidas, muitas vidas.
Aura
Olhei para o Joca e ele sorriu, rodando o dedo na fronte,
como se estivesse indicando a loucura do Julinho. Então
olhei-o fixamente e vi-o numa espécie de transe.
Nesse estado a sua feição era idêntica
a do Vovô. Poderia jurar que ele era o Vovô,
mais moço. Ai comecei a suar frio. Era tudo dificil,
era demais para mim, para meus 14 anos, para o meu mundo
racional. Embora gostasse de ler muito e tivesse gosto
por leituras espirituais, ou mesmo ficção,ainda
não tinha os clichês da vida que eles,
com 17, 18 e mais de 60 tinham , formados no cérebro.
Então tais novidades eram demasiadamente dificeis
para entender, isso me assustava e me fazia quase desmaiar.
Ainda mais essa história de cores na cabeça.
Para mim me atemorizava, porque eu, na verdade, conseguia
ver essas cores, mas rejeitava absurdamente. Entao eu
vi o Julinho virar-se e mirar-me com olhos de gavião,
dando a impressão que ouvira tudo o que eu pensara.
Naquele momento, afundado na poltrona atrás do
Vovô no bigodão, e do lado do Joca, percebi
que eles pareciam ter conhecimento de tais fatos. Aliás
tudo era tão normal para eles, e tão anormal
para mim. Assim, estarrecido por tantas coisas novas,
a unica sensação que tinha certeza existir
na minha cabeça era, por vezes, uma pressão,
um vazio. Só tempos depois é que soube
que sofria de hipoglicemia e minha pressão abaixava
a ponto de necessitar de sal ou qualquer outro ativante.
Na lingua esotérica, o que aprendi mais tarde,
é que eu era sensitivo e que ainda teria muito
a desenvolver, idéia essa que de certa forma
me apavorava.
Porém a conversa ainda prometias alguns lances
sensíveis e nervosos. O Julinho voltou a carga
com o assunto dos discos voadores.
- Entao Vovô, o Senhor sabe quando eles costumam
aparecer, a época, os ciclos da Lua... insiste
o Julinho?
- Não sei, isso não sei... disse o Velho
acelerando o carro, e verdade que... de vez em quando
alguma coisa acontece aqui por cima, mas...tudo essas
coisas são dificeis de engolir.
- Vovô, o Senhor já viu um disco, uma
noite esteve escondido, o disco apareceu lá no
Morro da Agulhinha...
O Vovô interrompeu bruscamente:
- Para de me olhar e querer descobrir minhas coisas...
Embora zangado, o Vovô riu e todos riram, menos
eu. O Vovô prossegue pois não havia mais
porque não contar
- Não foi bem assim, eh... eu nem sei como,certo
dia estava trazendo umas vacas para a ordenha quando
senti uma voz por dentro falar comigo. E, isso mesmo,
eu senti um voz aqui dentro da cabeca dizendo que devia
me dirigir para o Morro da Agulhinha, a noite e sem
ninguem. Era uma voz forte, mas era calma, nada que
afligisse, tanto que nem acreditei e continuei falando
com os pioes. Mais tarde recebi outro eh... convite
... e que fosse ali, sem medo porque iria ver algo.
Entao eu fui, porque coisa que não tive nunca
é medo. Ate acho que fui porque essa voz me desafiou
quando falou para ir sem medo... eh..eh..eh..
Se havia uma coisa que enaltecia o Vovô era a
questão do machismo. Quisesem desafir o velho
era dizer que ele não podia fazer, ou que tinha
medo. Ai ele endoidava. Dai entendi que a historia poderia
ser verdadeira uma vez que essa voz conhecia a maneira
de desafiar o velho, e deu certo. Prosseguiu falando:
- A princípio receei muito, estava sozinho,
sabe como é, é dificil mesmo acreditar
que a gente esta vendo algumas coisas assim. Mas aí
eu fui chegando e algum tempo depois eu vi uma luminosidade
grande parada em cima do morro. Haviam luzes, cores,
tudo muito esquisito mas eu repetia para mim que não
estava doido da cabeça. Tinha lido numa revista
americana que a gente deve ficar repetindo que não
está doido e aí não fica mesmo.
Então a bola de luz subiu. Ai uma voz dentro
de minha cabeça falou para voltar na proxima
lua cheia que eu teria um contato fisico com um deles,
caso desejasse. Passei trinta dias angustiado, mas resolvi
voltar. No dia marcado, vim e vi... mas escutem, por
Deus, jamais contem isso para ninguem enquanto eu estiver
vivo, prometem...
- Sim, sim, dissemos os dois ao mesmo tempo... Olhei
para o Joca que sorriu, enquanto o Vovô logo entrou
:
- O Joca conhece bem essa história, porque viu,
como eu...eh... um ser igualzinho a nós, sair
lá de dentro daquela coisa e de longe, mas parecia
estar aqui, perto, pediu permissão para tirar
água do lago. Então movido por curiosidade
perguntei: "Água? E ele respondeu:"
Sim, água, sómente agua ". Aguardou
a minha resposta por alguns momentos e eu, tão
atordoado não conseguia nem raciocinar direito
sobre tudo aquilo, mas mesmo assim consenti. Pensei:
Porque não, a água é da terra,
não é minha. Então ouvi a resposta
no cérebro: " Mas o Senhor é o dono
provisório do local, enquanto tiver vida tem
que nos dar permissão. Caso contrário,
iremos embora.
O que mais me intrigava é que a conversa era
natural, sem emoção e sem mentira. Continuou
narrando que se tornara amigo do Ser, å distância
é claro, e a vida prosseguiu sem maiores complicações.
Contudo notou que houve um fortalecimento rápido
de suas pastagens, e não sofreu danos maiores
por ocasião das famosas chuvas de 1950 durante
30 dias seguidos. Mas seria incapaz de atribuir a eles
qualquer ajuda, embora nunca tivesse visto nada diretamente.
O Local
Quando chegamos ao planaltinho para depois pegar a
estrada que tem cerca de 5 kms de descida em linha quase
reta, passamos ao pequeno prédio da usina particular
da fazenda . O Vovô fez soar a buzina por três
vezes e prosseguiu a viagem. Com naturalidade perguntei-lhe:
- Para que serve essa usina, assim, particular.?
- Bem, é para gerar luz e energia própria
para a fazenda. Assim não dependemos de nenhuma
autoridade governamental, temos nossa própria
luz.
- A gente pode visitar a usina, Vovô.?
- Claro, qualquer dia desses nós viremos aqui.
O Joca, calado até então, saiu-se com
a maior simplicidade num questionamento que deixou o
Vovô meio a nocaute:
- Lembra-se, Seu Luis, quando aquele prato tava encima
da usina e nós fomos ver. O prato ficou ali um
tempão e nos do lado de cá observando.
A gente não tinha medo...
A conversa, embora altamente difícil, tinha
algo que me agradava e já nem estava mais sentindo
medo ou qualquer outra sensação de anormalidade.
Felizmente, porém, chegamos ao Porto e o Vovô
desceu para pegar os rolos do filme, enquanto Julinho
limpava os óculos com tranquilidade como se tais
assuntos fosse triviais, do cotidiano deles. Porem,
para mim tudo era novidade. Voltamos carregando os três
rolos de filme e, sonolento dormi. Quando acordei, estavamos
na sede
À noite fomos assistir o filme, bastante assustador
e belicoso. Havia uma agressão e hostilidade
completa da parte dos seres denominados marcianos. As
cenas eram fortes e chocantes e a grande maioria de
nossa diminuta platéia não aguentou e
retirou-se com mêdo. Quando saiamos da sala de
projeção, o Julinho pergunta a queima
roupa para o Vovô, naturalmente que isolado dos
demais.
- O disco que o senhor viu era igual ao do filme?
- Não, Julinho, respondeu rapidamente. Era um
tipo redondo, parecia uma pera e tinha muitas luzes.
O que sei é que vinha das ... “Preiades”,
em Touro...,
- Pleiades, Vovô, Plêiades, corrigiu o
Julinho ao que o Vovô nem deu a mínima
atenção.
- Segundo disseram. Agora se você me mandar localizar
no céu as “Prêiades”, num sei
não. O nome eu guardei é a ... eh.. constelação
do Touro, é claro que tinha que guardar porque
meu signo é Touro...eh...eh..
Naquela noite não consegui dormir. Acordei e
fiquei olhando para o céu. Mas deduzi que nada
ia ver de maneira objetiva. Acendi a luz do quarto e
abri o univo livro que tinha em mão no momento
e cujo autor fora um monge tibetano e que contava uma
série de coisas chamadas insólitas. Esse
livro estava comigo há muito tempo. Como tratava
de um assunto que já tinha experiências,
isto é, viagens astrais, conforme constava num
dos capítulos, resolvi estudar a técnica.
Achei que para mim não seria dificil, uma vez
ter ocorrido o fato de maneira tão abrupta e
inusitada.
Deitei-me de barriga para cima e comecei a repetir
os ensinamentos. Mal sabia que estava nas preliminares
da iniciação pelo ar.
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