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O Papel da Arte e da Iconografia na
Legitimação ou na Desagregação
do Sistema Sociopolítico.
Análise com base no livro "As Barbas do Imperador"

Carlos Hollanda - fale com o autor

A obra, que contém 20 capítulos, consiste não somente num estudo biográfico, parte que por si só já apresenta um muito elevado grau de qualidade e rigor historiográfico, mas também numa análise da conjuntura temporal brasileira inter-relacionando-a com a internacional durante todo o período de vida do Imperador d. Pedro II. A autora e sua equipe de pesquisadores montam quadros sistemáticos e constroem a idéia de uma monarquia fundamentada em símbolos, símbolos estes disseminados e entranhados na cultura brasileira por intermédio sobretudo das imagens, da literatura e de gestos que permearam (e de algum modo ainda permeiam) o imaginário da população, bem como se fizeram presentes na condução dos modelos administrativos da segunda metade do século XIX até a Proclamação da República. Igualmente, a disseminação desses símbolos contribuíram sobremaneira para a construção de uma identidade nacional, de uma diferenciação dos costumes europeus, muito embora sob vários aspectos e em vários pontos focais do século XIX, tenha havido uma inserção de valores europeus na cultura local. Isso se deu, inclusive, com a chegada da Família Real e todo o séquito de 20 mil pessoas de Portugal até o que então era a Colônia. Posteriormente, d. Pedro II, com seu interesse pelas artes e ciências, toda uma escala de valores estrangeiros tida como verdadeiramente civilizada fora transplantada, seja por intermédio dos estilos artísticos, como o neoclássico Pedro Américo, cujos estudos na França foram financiados pelo monarca, seja em se tratando de ciências e ensino, com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Colégio Pedro II. Todavia, embora transplantadas as características gerais dos modelos europeus, houve no Brasil verdadeira adaptação e criação de estilos que exaltassem ícones representativos do país, como foi o caso do uso extensivo da figura do índio, muitas vezes associada à imagem da mulher, conforme fora usada nos ideais da Revolução Francesa.

Imagens e Centralização de Poder

Disso decorre que direta ou indiretamente, a produção de imagens, coisa tão apreciada pelo Imperador (que era um apaixonado por fotografias), ícones e a forma pedagógica que a arte assume acabaram por construir uma representação peculiar que identificava a nação brasileira. Este material, a “mídia” da época, teve papel relevante nas formas de influenciação da opinião pública, mediante uma quase divinização da figura do Imperador. Este último também usava a produção de imagens como mecanismo centralizador, ao estabelecer nas mais distantes regiões do país, sua imagem, suas insígnias e toda a sorte de ícones referentes ao poder imperial. Da mesma forma, segundo a autora, tal esforço de produção de uma imagem nacional tinha como intuito levar às outras nações, que classificavam o país como uma espécie de reduto bárbaro incivilizado, a idéia de que o Brasil continha civilização nos moldes aceitos pela mentalidade européia, apesar de esta civilização consistir de uma mescla de valores e traços culturais diversos. A divulgação, no entanto, teve resultado ambíguo, pois ao passo em que mostrava o esplendor das matas associado à arquitetura Imperial nos moldes europeus e à pompa das vestes e dos protocolos, também divulgava, forçosamente, a imagem da imensa população negra existente no Rio de Janeiro à época. Forçosamente, pois segundo consta na obra, era praticamente impossível deixar de haver imagens de negros em fotos que contivessem trechos da cidade.

O trabalho também detalha as circunstâncias que envolveram o declínio do Império e os fatores que contribuíram para a chegada da República, coisa que também recebeu contribuição de artistas como Angelo Agostini, desenhista e caricaturista, crítico afiado das instituições sob vários aspectos, em publicações como a “Revista Ilustrada” e outras. Não menos importante é a consideração de todo um período desde a chegada da Família Real, com todas as implicações político-administrativas e econômicas e o desenrolar dos fatos, conjugados com as circunstâncias sociopolíticas mundiais durante a permanência da Coroa na Colônia e também durante o Primeiro Reinado, explicando, desta forma, diversos encadeamentos que resultaram nas formas assumidas no reinado de d. Pedro II.

Caricaturas e Periódicos

A imagem do imperador e da corte numa fase de “decadência”, em se tratando da perda da pompa e do esplendor tão caros ao imaginário popular, mas não menos importante para os padrões de monarquia da era vitoriana, com todo o luxo e representatividade da corte inglesa. A estampa do monarca-cidadão ainda refletia o padrão da corte francesa, deixado, então, em segundo plano, sobreposto pelo modelo inglês.

As caricaturas e publicações abolicionistas tiveram seu ponto culminante nos trabalhos de Ângelo Agostini. Segundo o pesquisador Antônio Luiz Cagnin, autor de "As Histórias em Quadrinhos de Ângelo Agostini" (ed. Cluq, São Paulo, 1996) e de "Os Quadrinhos" (ed. Ática, São Paulo, 1975), o trabalho de Agostini em prol da campanha abolicionista, associado às idéias liberais da época teve impacto não somente na camada culta ou alfabetizada da população. As imagens com seu teor pedagógico e sua inconfundível indicação de realidades sociais também levava informações e ideologias a uma parte dos cerca de 80% de analfabetos no país, fosse através do humor, ridicularizando a figura do Imperador, do clero e dos políticos mais influentes, fosse através da retratação de atrocidades cometidas contra os escravos. Tais atrocidades foram divulgadas em larga escala principalmente através da Revista Illustrada.

Ao mesmo tempo em que as publicações periódicas formam um grande acervo para pesquisas sobre o século XIX, retratando os movimentos políticos e as características da sociedade da época, também revelam a influência da imagem sobre o comportamento da coletividade,. DAí o que se considera uma contribuição para transformações de caráter estrutural, como a abolição da escravatura e a chegada da República. Não se tratam apenas de representações de um tempo, são também de veículos de transformação de mentalidades mediante a exposição de idéias em forma de imagens. Num período histórico onde a imprensa era talvez a única forma de comunicação de massa que podia ser transmitida rapidamente em diversas localidades, havemos de convir que ela constituía-se num poder considerável, capaz de mobilizar tanto intelectuais quanto o povo contra ou a favor de governos, sistemas sociais e até de criar novos hábitos dentro de uma cultura.

Abaixo, como complemento a esta apresentação, um trecho de um artigo de Egeu Laus, designer e pesquisador da memória gráfica brasileira, sobre Ângelo Agostini, na Revista Veredas, edição 74 de fevereiro de 2002. Veredas é a revista de cultura do Banco do Brasil, vendida em centros do Circuito Cultural, como o Centro Cultural Banco do Brasil:

Angelo Agostini (1843-1910), italiano de Vercelli, Piemonte, foi fundador e editor da Revista Ilustrada. Publicado entre 1876 e 1895, o semanário de oito páginas, saindo aos sábados, foi um sucesso editorial estrondoso, rivalizando em tiragens com os jornais diários da época. Agostini traçou um panorama considerado pelo caricaturista Raul (Pederneiras) como “a resenha completa do segundo império”. A pesquisa da história política brasileira sempre passará necessariamente pelas páginas da Vida Fluminense, d’O Mosquito, da Revista Ilustrada e de D. Quixote, nas quais o gênio de Agostini atuou e deixou sua marca. Através de seu personagem Moleque, da Ilustrada, foi o grande defensor do abolicionismo. Ilustrou mais de 2.700 páginas de sua revista, satirizando a corte imperial e os políticos da época, sempre sofrendo ameaças e pressões. O editorial do primeiro número já alertava: “Falar a verdade, sempre a verdade, ainda que por isso me caia algum dente.”

As fontes primárias desta pesquisa podem ser encontradas no Acervo da Biblioteca Nacional, como as indicadas abaixo:

Revista Illustrada –1880/1881 – ano/vol.: 5-6, no 186-280
PR-SOR 167 (3)
Número 221 – Agosto de 1880 – Páginas 4, 5 e 8
Número 222 – Setembro de 1880 – Capa
Número 225 – 02 de outubro de 1880 – Páginas 4 e 5

As revistas indicadas acima mostram histórias em quadrinhos criadas por Ângelo Agostini enfocando as violências cometidas contra os escravos e enfatizando, segundo o autor, as virtudes das idéias liberais. A capa do número 222 deixa explícita sua posição frente ao sistema escravista ainda vigente e que só seria abolido oito anos depois. As caricaturas ironizando as idiossincrasias e contradições do poder (e também os costumes de diversas camadas da sociedade) e as demais imagens publicadas em periódicos tiveram grande impacto na população fortalecendo as idéias republicanas e abolicionistas.