Conheça
Roberta: 14 anos, uma gracinha de menina que gradualmente
descobre mais e mais acerca de si mesma, de seus gostos,
seus sonhos, seus talentos. Roberta é talentosa
de verdade, dança balé divinamente e é
orgulho de sua tia materna, que cuida dela desde que
seus pais morreram num acidente de carro. E ela só
tinha 6 anos na época, pobre garotinha órfã.
À sua maneira Roberta não é um
garota usual, não apenas porque dança
balé melhor do que as outras garotas, mas porque
possui também uma cultura acima da média,
fala inglês fluentemente e ousa bastante no francês
e, acima de tudo, possui um perfil grego digno de ser
fotograficamente explorado. Roberta é um amor,
é religiosa e dança balé. Ela só
tem um problema: péssimos hábitos alimentares.
Não que isso seja uma novidade em adolescentes,
que sob diversos aspectos assemelham-se a tubarões
tigres, capazes de comer até
placas de carro, se estas vierem com um bom molho por
cima.
Mas Roberta era demais: enquanto as regras
de uma boa nutrição determinam que se
comam alimentos dos três grupos principais, ela
se empenhava em comer diariamente pacotes de doritos
dos três sabores mais comuns: queijo, bacon e
barbecue. Por ser geneticamente muito bem dotada, não
engordava com facilidade e, para inveja geral das mulheres,
seu corpo insistia em manter-se perfeito, gracioso nas
curvas, promissor no que teria a oferecer aos homens
num futuro não muito distante. Na verdade, devo
contar um segredo: Roberta já tinha oferecido
um avant premiére de seu corpo para o Luis Afonso,
que estudava inglês na mesma sala que ela. Mas
isso deve ficar em segredo, caso contrário tia
Letícia ficaria muito, muito zangada, e Roberta
ficaria de castigo - a despeito de estar inclusive um
ano atrasada em suas práticas libidinosas, se
comparada à própria tia Letícia
quando da
sua idade.
Enfim, as virtudes de Roberta - muitas,
por sinal - não nos importam neste momento. Quando
eu digo "Conheça Roberta", estou convidando
a uma incursão integral, um mergulho em todo
o seu mundo particular que, além de graciosidade,
beleza e balé, também nos revela uma alimentação
inadequada, a perda precoce da virtude virginal para
um Luis Afonso Qualquer e um hábito péssimo
de esquecer biscoitos de chocolate em bancos de praça,
enquanto espera o ônibus que a leve de volta para
casa. Sempre fazia isso, distraída que era em
sua mentalidade pueril: largava sinais de seus lanches,
sendo sempre repreendida por tia Letícia, que
não gostava nada de sair catando bolachas e salgadinhos
pela casa, pois eram um convite às baratas. Roberta
apreciava sobremaneira os recheados de chocolate, e
não teria largado um no
banco da parada de ônibus tão facilmente,
se o 572 não tivesse chegado de repente, fazendo-a
correr para não perder o transporte.
Era terça-feira, fazia um cálido
sol de outono, e Roberta entrou correndo no 572 e partiu,
cheia de transbordante energia juvenil e eterna esperança
nos olhos. Despeçamo-nos de Roberta por enquanto,
mas não fique triste, pois ela é uma das
pessoas mais importantes da história do mundo,
um futuro impressionante por ela aguarda e voltaremos
a ela no devido momento.
Conheça Marco Antônio: 38
anos, casado, pai de três filhos, um tipo bem
cuidado, que pratica musculação todos
os dias e que, ao contrário de nossa negligente
Roberta, toma muito cuidado com o que come. Às
vezes até demais, a ponto de se privar de alguns
dos bons prazeres da vida. Mas não era mais nenhum
rapazote, e precisava se cuidar. Sempre fora vaidoso,
e no começo chegou a sofrer algumas gozações
da parte de seus amigos, pois passava horas no espelho
a se pentear, preocupado com a pele e com a boa aparência.
O tempo concedeu o sabor da vingança a Marco
Antônio, pois com o avançar dos anos todos
os seus colegas - sem exceção - se transformaram
em monstros
barrigudos, alguns quase calvos, diversos com aparência
inchada no rosto. Ele, ao contrário, permanecia
com uma aparência invejável, e muitos não
dariam a ele mais do que 29 anos. Chegara inclusive
a fazer o "teste da "idade verdadeira"
de um tal médico estrangeiro e descobrira, pelo
teste, que tinha hábitos 100% perfeitos. Abriu
sua mala e comeu uma barra de proteína.
Olhou para o relógio, impaciente.
Ia chegar atrasado ao hospital. Amaldiçoou a
hora em que resolveu mandar o carro para a revisão,
amaldiçoou mais ainda a incongruência de
táxis no Rio de Janeiro, que só aparecem
quando não se precisa deles. Cansado, sentou-se
num banco de uma parada de ônibus, exatamente
em cima de um biscoito de chocolate semi-mastigado e
abandonado, mas perfeitamente real, como também
real era a mancha gosmenta que ficou em sua calça
branca.
Irritado com a desventura, Marco Antônio
percebeu que aquele não era um simples caso de
"passa a mão e limpa", na verdade muito
pelo contrário: quanto mais ele esfregava a região
(constrangido), mais percebia que a situação
piorava, o chocolate veio pra ficar. Ficou mais constrangido
ainda quando uma senhora de idade fez questão
de demonstrar que estava percebendo tudo e lhe disse:
- Meu querido, isso aí só
sai lavando.
"Por que as pessoas não fazem
de conta que não estão vendo nada?"
- pensou Marco, irritado. Vaidoso que era, decidiu que
não iria ao hospital, mas passaria antes em casa
e trocaria de calça. Enviado pelos deuses, um
táxi surgiu do nada e Marco Antônio sentiu-se
bastante aliviado. "Laranjeiras" - disse ele,
e para Laranjeiras o motorista se foi.
Uma vez no prédio, Marco Antônio
subiu correndo as escadas até o sexto
andar, trocou de calça e estava prestes a entrar
no elevador para descer
(não queria mais suar), quando então o
telefone tocou. Neste instante também chegava
Isabel, a doméstica, e Marco lhe pediu:
- Isabel, segura a porta do elevador
pra mim só um minuto, que eu vou
atender rapidinho o telefone!
- Sim, senhor!
De fato, a conversa foi extremamente
rápida, não mais que dois minutos, era
apenas a secretária do hospital perguntando se
tinha ocorrido algum
problema, pois ele estava atrasado e nunca se atrasava,
enfim, nada
excepcional. Marco Antônio entrou no elevador,
agradeceu a Isabel e foi
tratar de mulheres grávidas, perdendo completamente
importância nesta
narração.
Conheça Zeca: 57 anos de vida,
mas quase nenhum de experiência. A negação
encarnada de que "idade traz maturidade".
Em sua completa falta de conhecimento do mundo, Zeca
jamais conhecera outro estado do Brasil (a não
ser São Paulo, muito rapidamente, quando tinha
15 anos), nem tampouco desenvolvera grandes ambições
ou ideais de vida. A questão em si não
era a falta de oportunidades, pois é dito que
a vida responde aos nossos impulsos, o fato concreto
é que ele era uma pessoa acomodada, viciada em
TV e que se satisfazia com coisas bastante pequenas,
como um sexo eventual e uma cervejinha no final da tarde,
quando se reunia religiosamente para jogar baralho com
seus amigos. Era aposentado, nunca se casara e faz alguns
anos tinha adotado um cão vira-latas para cuidar,
um filhotinho que tinha encontrado zanzando perdido
pelas ruas de Laranjeiras, comendo restos de lixo do
Centro-China.
Zeca estava particularmente cansado naquela
terça-feira, e foi com muita
irritação que percebeu que algum imbecil
segurava a porta do elevador no sexto andar. Pensou
em esperar, mas sua bexiga contrariava sua boa vontade,
de modo que - irritadíssimo - subiu degrau por
degrau até o quarto andar. Não era muito,
mas na sua idade e ainda por cima com 265 de colesterol,
era uma verdadeira maratona, sobretudo se considerarmos
que Zeca não era exatamente um tipo atlético.
Subiu cada degrau movido a ódio, e foi com ódio
que entrou em casa, ignorando por inteiro a recepção
calorosa do cachorro. Estava chateado, cansado e irritado
com o racionamento de energia que determinava que apenas
um elevador funcionasse no prédio. Chegou em
casa exatamente no momento em que o telefone soava,
já nas derradeiras
tentativas. Se tivesse esperado o elevador, não
chegaria em tempo de atender ao telefone. "Ainda
bem que subi as escadas", pensou. Tinha a esperança
de que fosse a turma, dizendo que conseguiram os convites
para o Maracanã. Mas não era.
- Alô, Zeca está por favor?
- perguntou uma voz feminina doce, juvenil e
levemente embargada.
- É ele quem fala, quem está falando?
- Zeca, é você?
- Sim, sou eu. E você, quem é?
Som de risos do outro lado da linha.
- Ah meu tio, deixa de brincadeira e
chama o Zeca, vai.
- Minha filha, eu não sou seu tio, e meu nome
é Zeca.
- É você mesmo? Com essa voz de velho?
Está gripado ou ainda está zangado comigo,
meu tigrão? (Voz de velho, eu???)
- Que brincadeira é essa? Afinal de contas, quem
está falando?
- Sou eu, sua Patinha.
- Não conheço Patinha nenhuma.
- Ah Zeca, deixa de besteira, o que passou, passou!
Como você é rancoroso! Me perdoa, vai...
Eu tô tão arrependida, Zequinha... dá
uma chance pra sua Patinha...
Ele estava quase se urinando nas calças.
- Minha filha, creio estar havendo algum
engano. Eu não conheço nenhuma Patinha,
e se você me dá licença, eu preciso
desligar.
- Aí é do 2252...
- NÃO! - interrompeu Zeca com rispidez - Você
ligou errado, minha filha!
Aqui é 2258, e o resto não importa. Boa
tarde, tá? Passar bem!
- Mas...
Ligação interrompida. O
senhor Zeca não nos interessa mais, deixemos-no
urinar sem mais narrativas, já será difícil
devido aos cálculos renais.
Conheça José Carlos de
Machado Sant'Ana, O Outro Zeca: um belo rapaz de 23
anos, estudante de engenharia, de certa forma uma exceção
nestes tempos modernos. Filho de uma família
de classe média que se empenhava em dar o máximo
de cultura aos seus, José Carlos sentia-se um
contraste quando diante de outros rapazes de sua geração.
Não gostava de raves, não fumava maconha
e acreditava em namoro à moda antiga, em suma,
alguém destinado ao fracasso social numa cidade
como o Rio de Janeiro. Não achava isso justo.
A idiossincrasia lhe causava rancor:
tinha uma inteligência acima da média,
lia livros, gostava de filmes de Stanley Kubrick, apreciava
o humor de Woody Allen, não dispensava uma boa
bobagem romântica, preferia imensamente ir jantar
num restaurante fino com a namorada no final de semana
do que sair para boates fedorentas, gostava de sexo
com carinho, não fumava e bebia apenas socialmente.
Era bonito, e sabia disso. Sua pele nasceu para ser
filmada num comercial da Avon, seus músculos
eram salientes na medida certa, sem os exageros anabólicos
da turma do Posto 9. Quase independente, num estágio
bem remunerado, gostava de viajar, de música
popular brasileira, tinha uma voz bonita, tocava violão,
entendia muito de internet, não cometia erros
de português e ainda por cima sabia fazer omelete
doce! Tinha bom
humor, conhecia boas piadas (todas da internet), não
pegava no pé de mulher nenhuma, tinha senso de
conveniência, e ainda por cima era muito mais
ligado nas preliminares do que na penetração
no ato sexual. Gostava de dar prazer às mulheres,
de ir com calma, era um "pleasure delayer",
como bem definiu Tom Cruise em "Vanilla Sky".
E ainda por cima tinha uma mãe agradável,
e seu Sant'Ana não era um "Santana"
qualquer, o dele tinha apóstrofo! Com um currículo
desses, por que Oh Deus, por que ele insistia em se
apaixonar por mulheres de cabelo descolorido, com piercings
na língua, tatuagens de borboleta na nuca, fumadoras
de maconha, degustadoras de ácido em raves e
ainda por cima sem nomes próprios, apenas apelidos?
A última, a tal Patinha, posou
de boa moça por duas semanas, até que
caiu bêbada quase ao nível "Christiane
F." numa festa que rolou num sítio no Recreio,
aquelas festas que começam meia noite e só
terminam às 8... da noite do outro dia!
Ficara extremamente magoado, envergonhado,
e só não saiu imediatamente da festa pois
era uma pessoa responsável e não queria
deixar a garota largada bêbada numa festa com
estranhos, mesmo pensando que ela merecia voltar a pé
cada quilômetro que separava o Recreio da Glória,
e você me acredite, caro leitor não-carioca:
a distância é absurda! Agüentou firmemente
como um cavalheiro, até o momento em que a própria
Patinha passou mal e vomitou café da manhã,
almoço e jantar. Com este gran' finale, levou-a
para casa mudo. Sem dizer sequer uma palavra. Despachou-a,
silente.
Instalou-se então uma guerra fria:
não ligou para ela, pois achava que ela estava
errada, e ficou em casa à espera de desculpas,
fossem telefônicas, fossem por e-mail, mas nenhuma
modalidade - direta ou indireta, daquela que vem por
amigos - de desculpa veio. Distraiu-se no domingo lendo
o segundo volume de "O Senhor dos Anéis",
foi jogar xadrez com o Pedro Paulo à noite, navegou
na web antes de dormir. Na segunda teve aula o dia inteiro,
mal tendo tempo de pensar em Patinha, inclusive tendo
ir dormir cedo. Mas na terça... ah, na terça...
Patinha no café, Patinha no almoço, Patinha
no livro de física, Patinha no "Senhor dos
Anéis" dançando como uma elfa drogada,
Patinha na caixa de bombons, Patinha no cheiro de sua
jaqueta. Não agüentou, engoliu o orgulho
e ligou para ela.
Infelizmente para este caso, José
Carlos e Patinha já tinham começado a
compartilhar da estranha espécie de telepatia
que une casais após oito
rodadas de sexo e amigos muito íntimos, pois
no momento exato em que ele ligou para ela, Patinha
finalmente entendeu que tinha se comportado como uma
louca, e resolveu ligar para ele também. Só
que estava com o cérebro avariado de tanta maconha,
ácido e música eletrônica, de modo
que terminou fazendo um "mix" de números
telefônicos, combinando o de José Carlos
com o da melhor amiga e, por coincidência, terminou
ligando para outro Zeca, o das pedras nos rins.
Como Patinha demorou de desligar a chamada
errada (e teria demorado ainda mais, se o Zeca-Velho
não tivesse lhe batido o telefone na cara), José
Carlos se irritou e passou a suspeitar que ela estava
se oferecendo na internet em alguma sala de bate papo
- afinal, não fora assim que a
conhecera, como uma Patinha putinha a se oferecer no
canal #sexovirtual? Resolveu conectar-se e pegá-la
com a boca na botija, dar uma tremenda lição
de moral e dizer adeus. Enquanto isso, Patinha tentava
ligar para a casa de José Carlos para pedir perdão
e não conseguia, pois só dava sinal de
ocupado, e seu celular estava desligado. Primeiro ficou
triste, depois fumou um baseado e foi beber com as amigas
descoladas no Rio Sul, ficando bastante tranqüila.
Afinal, tentara. Resolveu sua frustração
da forma mais simples e feminina: comprou uma blusa
nova na U2, tudo a ver com a próxima rave!
Conheça Morgana_Le_Fey, a estudante
de psicologia que José Carlos de Machado Sant'Ana
acidentalmente encontrou ao entrar enfurecido na internet
naquela tarde bonita de terça-feira: 24 anos,
muito bonita de uma maneira exótica, gostava
muito de esoterismo, mas não do esoterismo bobo
fast food, nada disso! Morgana_Le_Fey (apelido utilizado
por Andréia de Alcântara Lisboa) era uma
pensadora do metafísico. E esta qualidade intelectual
mesclada com uma pitada de mistério era exatamente
o ponto que encantava José Carlos, que
por sinal odiava ser chamado de Zeca e procurou a vida
inteira por alguém que lhe chamasse por seu nome
inteiro. Por alguém que não lhe reduzisse
a um apelido idiota, mas dissesse seu nome completo,
cada sílaba soando em perfeita dicção,
uma mulher que o visse por inteiro, amando-o em toda
a sua globalidade. E esta mulher foi Andréia
de Alcântara Lisboa, que após três
sessões de bate-papo na internet topou um encontro
com José Carlos de Machado Sant'Ana no mundo
real, com ele namorando por 2 anos e 4 meses, com ele
se casando numa maravilhosa festa oferecida pelos Machado
Sant'Ana em conluio aos Alcântara Lisboa (Patinha
não foi convidada), e com ele tendo no
mesmo ano um filho lindo, que foi chamado de Gabriel
- em homenagem ao avô materno, um famoso pesquisador
médico - Sant'Ana Lisboa.
E esta é a história de
um biscoito de chocolate que, abandonado ao relento
num banco de praça, permitiu que ao menos um
amor verdadeiro surgisse em nosso mundo, unindo duas
almas gêmeas desencontradas. Quantos desdobramentos
se dão a cada pequeno ato nosso? Impossível
mensurar. Esta é uma história de amor
e dos meandros estranhos que o destino encontra para
ligar dois corações.
Estarei esquecendo algo?
Roberta. Dois pontos.
Gostaria muito de voltar a falar em Roberta,
de dizer que ela se tornou uma bailarina maravilhosa,
desenvolvendo seu talento e finalmente corrigindo seus
hábitos alimentares, passando a ser naturalista.
Gostaria de dizer que Roberta fascinou milhares, talvez
milhões, com sua dança, levando inspiração
a outros jovens que amam a arte. Gostaria de contar
a história de Roberta, que tornou-se coreógrafa
de balé clássico com 52 anos e chorou
de orgulho ao ganhar um prêmio da Secretaria da
Cultura por seu trabalho numa ONG, dando aula para garotas
cegas, fazendo-as dançar com graça sequer
imaginada. Gostaria de falar de Roberta, cujo nome batizou
uma famosa escola de balé após sua morte,
aos 87 anos. Gostaria de falar de Roberta, cuja vida
foi um exemplo para todos nós.
Mas não poderei falar de Roberta,
pois o mundo acabou exatamente no dia 18 de abril de
2030, graças a um erro fatal num laboratório
médico em Berlim, para onde Gabriel Sant'Ana
Lisboa, filho único de José Carlos e Andréia,
foi trabalhar ao ter se formado com honras, seguindo
os passos de seu avô famoso, mas distorcendo tudo
ao ser movido pela ambição desmedida que
o levou a criar - junto com uma alemã frígida
e anoréxica - uma variante mutante e fatal da
AIDS que se espalhava pelo ar, contaminando os seres
humanos e que acabou com 99,9% da vida humana no planeta
em poucos meses. Gostaria de falar de Roberta, mas não
vou poder, Roberta morreu três dias após
a proliferação do vírus, uma semana
antes de ir dançar em Milão, três
anos antes de sair nas capas das revistas como uma das
bailarinas mais capazes do Brasil, seis anos antes de
ensinar cegas a dançar numa ONG.
Eu gostaria de falar de Roberta, mas
Roberta não existe mais e eu nem tenho para quem
falar, pois nesta noite fria de inverno eu sou o 0,01
por cento em minha cidade, talvez a única pessoa
viva num raio de mil quilômetros, e falar em Roberta
me deixa triste, extremamente triste e, além
de tudo, tenho uma terrível alergia a biscoitos
de chocolate. Tudo o que eu quero é dormir e
esquecer.
Apenas dormir e esquecer.
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